Altercações e polêmicas não deverão ser raras na gestão de Alexandre de Moraes à frente do Ministério da Justiça e Cidadania. Empossado na quinta-feira pelo presidente interino Michel Temer, ele é alinhado com a tese da necessidade de reação energética do Estado diante de delitos ou desobediências civis, considerado um opositor do "direito garantista", que procura preservar as prerrogativas do indivíduo.
Por conta do perfil, foi acusado de patrocinar truculência policial e acumulou atritos com movimentos sociais no período em que esteve no comando da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A despeito das críticas, apresentou resultados: a redução de diversos índices de criminalidade.
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Nesta segunda-feira, apenas no segundo dia útil no exercício do cargo de ministro, Moraes já protagonizou a sua primeira polêmica – e também a primeira do governo temporário. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, admitiu a possibilidade de rever o método de indicação do procurador-geral da República (PGR) adotado a partir dos governos do PT. A Constituição prevê que o presidente fará a escolha, mas, nos últimos anos, foi criada a tradição de ser indicado o mais votado em eleição interna do Ministério Público. O presidente apenas referendava a vontade majoritária dos membros da carreira.
A avaliação é de que isso confere maior liberdade à instituição. A hipótese de abandonar essa tradição, em tempos de denúncias e diligências contra políticos saindo a todo tempo da PGR, trouxe novamente à tona a especulação sobre eventuais tentativas de abafar a Operação Lava-Jato. Temer logo reagiu, desautorizou o ministro da Justiça e afirmou que será mantida a indicação do mais votado para o cargo. Foi a primeira reprimenda pública do presidente interino em um integrante do primeiro escalão.
Moraes tem proximidade pessoal com Temer, é advogado e foi promotor do Ministério Público. Também atuou em diferentes cargos na prefeitura de São Paulo, mas ampliou sua notoriedade ao assumir, em dezembro de 2014, a titularidade da Secretaria de Segurança Pública do governo de Geraldo Alckmin (PSDB). Nos bastidores, diz-se que seu objetivo é se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal.
No final de janeiro de 2016, Moraes anunciou que São Paulo havia alcançado a menor taxa de homicídios dos últimos 14 anos: 8,56 mortes para cada 100 mil habitantes, queda de 12,49% em relação ao período anterior. Também caíram os índices de roubos, furtos, estupros e latrocínios.
– Se você considerar que a média brasileira de homicídios está em 24 por 100 mil habitantes, verá que ele tem competência. O que foi feito em São Paulo deveria ser o modelo adotado em todo o Brasil – opina Rodrigo Pimentel, autor dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, sociólogo e ex-capitão do Bope.
Pimentel ressalva que a política de segurança paulista não se desenvolveu somente no período de Moraes. Aponta como um processo de pelo menos 16 anos de continuidade que aliou tecnologia, perícia eficiente, coordenação, policiamento ostensivo e criação de vagas no sistema carcerário.
– A experiência com o Alexandre de Moraes foi muito positiva. O Estado nunca teve índice tão baixo de homicídios como o de hoje – afirmou o deputado estadual Cauê Macris (PSDB), líder do governo Alckmin na Assembleia Legislativa.
Na gestão de Moraes, saíram do papel projetos que permitem bloquear o sinal de aparelhos de celular roubados, a lei de controle dos desmanches de carros e a extensão de gratificações para servidores da área da segurança.
Mas nem só de elogios é a gestão do agora ministro. Pelo contrário. Há críticas severas ao seu perfil, considerado autoritário e refratário às negociações em casos de conflito social.
Antes de deixar a secretaria em São Paulo, se envolveu em uma última polêmica: na semana passada, a partir de consulta de Moraes, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) liberou a Polícia Militar para fazer ações de reintegração de posse sem autorização judicial. Batalhões usaram força para deter e retirar estudantes que estavam ocupando instituições de ensino para protestar por melhorias e pela criação de uma CPI para investigar fraude na merenda escolar.
Entidades conceituadas que atuam na segurança pública reconhecem a queda dos índices de criminalidade em São Paulo, mas são frequentes as acusações de maquiagem dos dados oficiais. Moraes chegou a instituir sigilo sobre os boletins de ocorrência, o que causou repercussão negativa. Mais recentemente, na gestão dele, o Estado lançou um sistema online de consulta aos registros policiais, mas especialistas reclamam que "apenas alguns" BOs são disponibilizados na ferramenta. Foram diversas as denúncias de abuso policial em dispersões de protestos contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo.
– Para falar de maneira franca, não poderia ter havido pior escolha para o Ministério da Justiça. É a pessoa mais desqualificada que consigo imaginar. A gestão dele em São Paulo é belicista, incapaz de discutir com qualquer movimento social. Ele usou a Polícia Militar contra os estudantes nas escolas – aponta Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP.
Safatle engrossa o coro dos críticos que acusam o Palácio dos Bandeirantes de manipular os números da segurança pública:
– Faz parte do governo de São Paulo apresentar números questionáveis. É um expediente rasteiro que já foi questionado inclusive por organismos internacionais. Existe uma estrutura para maquiar os números. Você vai numa delegacia, ela não cadastra o BO, coloca em outra categoria. Isso já foi denunciado.
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Polêmicas que Alexandre de Moraes terá de enfrentar no Ministério da Justiça
-Operação Lava-Jato é a principal. O presidente interino Michel Temer fez manifestações no sentido de exaltar a investigação como um marco, garantindo independência e proteção. Contudo, manifestações como a de Alexandre de Moraes sobre a possível revisão da tradição de indicar o mais votado pela categoria para o cargo de procurador-geral da República, abrem margem para especulações sobre eventual tentativa de abafar a investigação.
-A relação com a Polícia Federal (PF), integrante da força-tarefa da Lava-Jato, é outro desafio, principalmente quanto à independência na atuação. O PT era crítico de José Eduardo Cardozo porque entendia que ele deveria "controlar" a PF na Lava-Jato. Alexandre de Moraes já anunciou que manterá Leandro Daiello no cargo de diretor-geral da corporação.
-Ocupações e interdições de rodovias federais pelos movimentos sociais. O perfil do novo ministro indica que ele não irá tolerar esse tipo de manifestação, o que poderá gerar polêmicas e cenas de conflito entre policiais e militantes.
-Com as fusões promovidas por Michel Temer, o renovado Ministério da Justiça e da Cidadania absorveu as funções da antiga estrutura que abrigava Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres. Não abandonar essas áreas e manter a execução de políticas públicas específicas será outro desafio para o ministro.
-A violência alcança patamares cada vez mais elevados no Brasil, com quase 60 mil homicídios por ano. Um dos desafios é aproximar o Ministério da Justiça da coordenação de políticas públicas integradas. Há avaliação de que, hoje, o governo federal lava as mãos na área da segurança pública, deixando a responsabilidade exclusivamente com Estados.
-Avançar no policiamento de fronteiras. A fragilidade da fiscalização é um dos motivos do ingresso de armas e drogas no Brasil.