Dono de um manancial de votos cativos entre seus colegas parlamentares, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está também na pouco invejável situação de ser um dos recordistas em investigações contra si. A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu nada menos que seis inquéritos para investigá-lo, sendo que um deles acabou transformando Cunha em réu no Supremo Tribunal Federal (STF) – situação que acabaria por determinar sua saída do cargo.
Mas o que a Justiça tem de indícios contra Cunha? Nas 73 páginas do despacho em que o ministro do STF Teori Zavascki suspende o mandato do presidente da Câmara, o retrato que desponta é de um parlamentar capaz de extorsões para arrancar propinas, implacável no cerco a seus adversários – teria contratado empresas de espionagem com dinheiro oficial – e suspeito de ser um homem perigoso: pelo menos um parlamentar aponta indícios materiais de que Cunha contratou pessoas para ameaçá-lo. Tudo isso necessita de provas, mas foi elencado por Zavascki para justificar o afastamento de Cunha.
Leia as principais suspeitas apurados pela Operação Lava-Jato e outras ações da Polícia Federal contra Eduardo Cunha:
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Pressão sobre empreiteiras
Quando comandava a Comissão de Fiscalização da Câmara Federal, Cunha fez sucessivos requerimentos para convocar o lobista Julio Camargo e o Grupo Mitsui a explicarem contratos para construção de plataformas marítimas com a Petrobras. A mesma tática foi usada contra o grupo Schahin, também envolvido com plataformas de extração de petróleo. Foram ao todo 32 convocações para explicações. Os delatores Julio Camargo e Salim Schahin (do grupo Schahin) confirmaram que eram perseguidos por Cunha de forma sistemática, por não pagarem suborno. Cunha teria beneficiado o empresário Lúcio Bolonha Funaro, rival do grupo Schahin. Foi tanta pressão, descreveu Camargo, que ele teria pago US$ 5,2 milhões (cerca de R$ 18,7 milhões) a Cunha para se livrar da perseguição a seus clientes construtores de plataformas. Autoridades da Suíça confirmam ter encontrado dinheiro de Cunha naquele país. O deputado nega que seja propina e diz que as contas suíças são dividendos de negócios que fez na África.
Carros de luxo para Jesus.Com
Evangélico, Cunha registrou um Porsche Cayenne 2013, um Ford Fusion 2013 e um Ford Edge V6 2013 em nome da Jesus.Com, empresa que mantém com a mulher, a jornalista Cláudia Cruz. O casal possui ainda um Corolla, outro Porsche Cayenne 2010, uma Tucson, uma Pajero Sport, um Freelander e uma BMW (na foto, policiais cumprem mandado na casa do parlamentar, em dezembro de 2015). Cláudia também teria aberto contas suíças a pedido do marido, fato ressaltado pelo ministro Teori, do STF:
"Há cópias de passaportes – inclusive diplomáticos – do casal, endereço residencial, números de telefones do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, evidenciando a posse das contas".
Propina parcelada em 36 vezes
Um executivo da Carioca Engenharia, Ricardo Pernambuco Júnior, preso na Lava-Jato, apresentou planilha que detalha como teria ocorrido o pagamento de R$ 52 milhões em propina a Cunha. O parlamentar teria solicitado e recebido suborno para ajudar o consórcio formado por Odebrecht, OAS e Carioca a ganhar os contratos de revitalização da área portuária do Rio de Janeiro, chamada Porto Maravilha. A propina teria sido paga em 36 parcelas, entre agosto de 2011 e setembro de 2014.
Constrangimento a advogada
Cunha teria convocado a advogada Beatriz Catta Preta para depor na CPI da Petrobras, conforme a PGR, para constrangê-la por ter auxiliado Julio Camargo a incriminá-lo. Beatriz é uma advogada criminalista que defendeu nove delatores da Lava-Jato. Após a pressão, ela largou a defesa dos clientes e passou um tempo nos EUA.
Contratação de empresa de espionagem
Cunha autorizou a Câmara a contratar por R$ 1 milhão os serviços da empresa de investigação Kroll, afamada internacionalmente. A intenção, diz a PGR, seria descobrir algo para comprometer os acordos de delação premiada. A Procuradoria aponta que a Kroll tem "atuação controvertida no Brasil".
Ameaças durante processo de cassação
Um dos parlamentares do Conselho de Ética relatou à PGR que Fausto Pinato (PRB-SP) teria recebido ameaças e que sua família sofrera constrangimento durante um trajeto de carro em Brasília. O responsável, segundo a Procuradoria, seria Eduardo Cunha. O motorista de Pinato confirmou as ameaças, segundo relato transcrito pelo Ministério Público:
"Estava em Fernandópolis (SP) e deixou a família do deputado (mulher e filha) em casa; que logo após dois motoqueiros o abordaram quando parou em cruzamento; que o que estava na garupa disse 'pergunte ao seu patrão se ele quer ir para o céu. Se ele não acha melhor colaborar com a situação. Ele tem uma filha linda, uma esposa linda, um irmãozinho lindo. Tem muita gente poderosa por trás da relatoria do seu patrão. Dá esse recado pra ele."
Em buscas autorizadas pela Justiça, a Polícia Federal encontrou num paletó de Cunha cópia da ocorrência policial feita contra ele pelo motorista de Pinato. "Isso demonstra interesse incomum por um fato ocorrido a um terceiro que não é pessoa de sua estreita proximidade", estranha Teori.
Pressão sobre familiares de doleiro
Cunha teria usado, segundo a PGR, a CPI da Petrobras para convocar familiares do doleiro Alberto Youssef como forma de pressão. Youssef é o maior delator da Operação Lava-Jato e confirmou que Cunha recebeu propina vinda da negociação de navios-sonda adquiridos da Samsung.
Atos para favorecer bancos e empreiteiras
Para aprovar parte de medida provisória de interesse do banco BTG Pactual, de André Esteves – preso e solto pela Lava-Jato –, Cunha teria recebido suborno, sustenta a Procuradoria. Isso teria ocorrido em pelo menos 10 medidas provisórias.