Um eficiente sistema de irrigação alcança todas as hortaliças plantadas nos 10,5 hectares da propriedade de Oscar da Silva Goulart Neto no bairro Extrema, na zona rural de Porto Alegre. A estrutura de captação e distribuição da água e os esguichos demandaram investimento de R$ 1 milhão. O resultado é uma lavoura frondejante, com produtos de visível qualidade, parte deles de origem orgânica.
Apesar dos métodos profissionais, os negócios andam difíceis para Goulart Neto. No total, ele tem quatro propriedades em Porto Alegre, na Extrema e no Lami, com cerca de 80 hectares de área plantada. Na lista de problemas, perdas na enchente, dificuldade para escoar a produção e problemas com a cobrança de IPTU.
Quando o assunto é a zona rural de Porto Alegre, demarcação de 40 quilômetros quadrados no Extremo Sul, ainda são recorrentes as reclamações sobre loteamentos irregulares, regularização fundiária, estradas precárias, abigeato, arrombamentos e furtos. São temas para os candidatos à prefeitura de Porto Alegre, convidados pela reportagem a apresentar as suas propostas para a zona rural, criada por lei em 2015 com os objetivos de fortalecer a produção primária e orgânica, preservar os recursos naturais e evitar a densificação urbana.
Goulart Neto relata ter sofrido prejuízo de R$ 900 mil no período da enchente. O excesso de chuva arrasou a plantação. Na retomada, ele adentrou setembro com uma lavoura de beterraba passando da hora de colher, mas o produtor estava protelando diante da falta de encomendas de mercados, fruteiras e feirantes.
— Está ruim de vender. Muita coisa vindo de fora. Precisamos de um ponto comercial forte na Zona Sul, um lugar que centralize, como se fosse uma Ceasa local — avalia Goulart Neto.
Ainda sobre mercados consumidores, é tocada com frequência a tecla da ampliação e reorganização das feiras ecológicas. Atualmente, existem oito eventos do gênero que são geridos pela prefeitura.
— Algumas feiras não têm mais espaço para novos produtores, mas tem muita gente de outras cidades. Sem falar nos espaços ocupados por revendedores, que não produzem nada, são atravessadores. As feiras deveriam ficar sob gestão de uma Secretaria Municipal da Agricultura — afirma Cléber Vieira, presidente do Sindicato Rural de Porto Alegre, demandando a criação de uma estrutura hoje inexistente.
A zona rural tem demarcação que alcança parcelas de sete bairros da Capital. Os inseridos na mancha e que vivem da atividade primária têm isenção de IPTU. Existe reclamação sobre propriedades ativas que ficaram fora do zoneamento ou que estão parte dentro, parte fora. É o caso de Goulart Neto: uma propriedade dele na Extrema está parcialmente fora da zona rural. Ele narra ter recebido cobranças recentes de IPTU — supostamente indevidas — por conta disso.
A revisão da mancha para contemplar mais lotes produtivos é tema considerado importante. Junto disso, a regularização fundiária para donos de terras que não têm a escritura. Sem o título de posse, eles não conseguem emitir o talão do produtor, documento que regulariza a atividade e permite tirar nota fiscal. A restrição de acesso ao talão joga parte dos produtores da Capital na informalidade. Sem nota fiscal, não vendem para mercados, por exemplo.
Professor de Desenvolvimento Rural e Estudos Alimentares da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sergio Schneider avalia que a produção agrícola precisa sair da "invisibilidade" na eleição municipal, mesmo que a atividade tenha representado apenas 0,05% do Valor Agregado Bruto (VAB) total de Porto Alegre em 2021, último dado disponível. O VAB total é a soma das riquezas geradas por setor e, quando acrescido dos impostos, resulta no PIB municipal.
— Por que é importante na Capital? Pela segurança alimentar. Não é pelo PIB, mas pela organização da paisagem e embelezamento. É importante ter áreas verdes, ocupadas pela agricultura. Traz bem-estar. A coexistência de áreas é agradável — diz Schneider.
Ele acrescenta que a alimentação de qualidade ligaria Porto Alegre à temática contemporânea, podendo ativar o turismo rural e projetar benefícios na saúde pública.
— Alimento virou o novo fato social, vetor de redefinição da identidade — avalia o professor.
Dados da zona rural de Porto Alegre
- A demarcação alcança partes de sete bairros: Chapéu do Sol, Lageado, Belém Novo, Boa Vista do Sul, São Caetano, Lami e Extrema.
- Porto Alegre tem 496,8 quilômetros quadrados. A zona rural ocupa cerca de 8% da cidade.
- Porto Alegre já teve a segunda maior zona rural dentre as capitais. Atualmente, é a terceira, atrás de Palmas (TO), em primeiro, e de São Paulo (SP), em segundo.
- Em 2021, o PIB de Porto Alegre foi de R$ 81,56 bilhões. A produção agropecuária somou R$ 36,8 milhões, fatia de 0,05% do VAB total, de R$ 69,4 bilhões. A fonte das cifras é o Departamento de Economia e Estatística (DEE) do Estado.
- Dados da prefeitura indicam que 160 profissionais têm o talão do produtor rural ativo, com a ressalva de que, por vezes, um talonário soma mais de quatro produtores inscritos.
- O Sindicato Rural de Porto Alegre afirma ter 1,2 mil propriedades rurais registradas.
- Os principais produtos são as folhosas, com destaque para alface, couve e salsa.
- Na atual gestão, o setor agrícola é atendido pela Secretaria de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV).
- A SMGOV destaca o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, com investimento de R$ 9,2 milhões em fomento e capacitação entre 2023 e 2025.
- Desafio para o futuro: a aplicação de agrotóxico será proibida em Porto Alegre a partir de novembro de 2032. A lei foi aprovada em 2017, tendo 15 anos de transição, com o objetivo de fortalecer os orgânicos. Produtores avaliam que é preciso treinamento para adaptação.
Propostas dos candidatos à prefeitura para a zona rural de Porto Alegre
"Porto Alegre possui produção rural vibrante, com produtos de alta qualidade. Contudo, os produtores enfrentam desafios no escoamento. Queremos aproximar os consumidores dos produtores locais, estimulando o uso das feiras já bem estabelecidas. A prefeitura também deve garantir zeladoria urbana e segurança. Muitas vias que conectam a zona rural à urbana estão em mau estado, resultando em perdas. Estou comprometido em melhorar as estradas para reduzir custos logísticos. Para valorizar o produto local e criar um diferencial competitivo, vamos iniciar estudos para identificar produtos com características ligadas ao território de Porto Alegre e para que estes recebam selos de denominação de origem. Outra situação que impacta a zona rural é o espraiamento urbano. Por conta das regras urbanísticas que restringem o adensamento, a cidade tem se espraiado e a zona rural, se urbanizado. Uma cidade mais densa onde já tem infraestrutura urbana preserva a zona rural."
"Em nosso governo, a agricultura familiar terá um papel fundamental na construção de uma Porto Alegre mais justa e sustentável. Ouvimos diversos produtores da zona rural, como a família Bertaco, a fim de compreender suas dores e principais necessidades. Vamos investir na compra pública de alimentos da agricultura familiar para a merenda escolar, incentivando a produção local e gerando renda para os produtores. Também vamos criar linhas de crédito específicas para a agricultura familiar, facilitando o acesso ao crédito para investimentos em infraestrutura e tecnologia. Além disso, trabalharemos para fortalecer a assistência técnica e extensão rural, fornecendo aos agricultores o conhecimento necessário para melhorar a produção e a produtividade. Vamos promover feiras e mercados específicos para a comercialização de produtos da agricultura familiar, aproximando os produtores dos consumidores e, sobretudo, valorizando a produção local."
"Porto Alegre tem uma zona rural pouco explorada e estimulada pela prefeitura. Precisamos de uma cidade que seja boa em toda a sua extensão. Antes de tudo, melhorar ônibus e transporte para qualificar acesso, com mais linhas e itinerários que cheguem nas regiões afastadas. Vamos fortalecer a produção agrária. Junto ao governo Lula, estimular a realização do Programa de Aquisição de Alimentos. Com as compras institucionais da prefeitura, 30% da alimentação escolar será produzida pela agricultura familiar. E a isto também se soma a Política Municipal de Cozinhas Solidárias que vamos implantar. Isto amplia a produção alimentar, dá melhores condições para a agricultura familiar que vive desta produção e aumenta a segurança alimentar. Vamos fortalecer o turismo rural, integrado com plano de rotas turísticas e calendário oficial de eventos de Porto Alegre, para termos uma retomada econômica forte após a tragédia de maio."
"Daremos continuidade ao processo de revisão do Plano Diretor, que prevê atualização dos limites da Zona Rural, com inclusão do território da Extrema, e simplificação dos mecanismos do IPTU rural. Criaremos o Centro de Apoio à Exploração de Princípios Ativos Vegetais para aproveitar a potencialidade de produção de plantas medicinais e espécies vegetais de interesse industrial. Ampliaremos o fomento à produção de alimentos, uso de tecnologias inovadoras, produção de energias alternativas e turismo rural. Vamos fortalecer o projeto Caminhos Rurais para potencializar o turismo e implantar mais de 50 hortas comunitárias, com oferecimento de composto, mudas e assessoria. Avançaremos no fomento da produção orgânica, priorizando produtores locais nas feiras. Vamos ampliar o apoio a eventos como FestPoa Rural, Feira do Peixe e Feira do Pêssego, com qualificação de participantes. Disponibilizaremos plataforma digital para a divulgação e venda de produtos."