Um grupo de cidadãos de Casca, município com 9 mil habitantes situado no norte do RS, ingressou no Ministério Público com um pedido de providências contra assédio eleitoral verificado na cidade. As advogadas Janaíra Ramos e Marciana Tonial Radin dizem que vários comerciantes e prestadores de serviços têm sido boicotados porque supostamente votaram em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República. Nesta segunda-feira (7), mais de 120 estabelecimentos da cidade tiveram de fechar as portas em decorrência de uma suposta greve geral de boicote aos resultados da eleição presidencial, avisa Janaíra.
Em Casca, o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), fez 71% dos votos, contra 22% de Lula. O assédio estaria sendo praticado contra supostos eleitores do vencedor das eleições, mesmo sem provas de que essas pessoas apoiaram o candidato do PT. Os recados ofensivos têm sido divulgados pelas redes sociais e em correntes de WhatsApp e Telegram, inclusive com nome de quem os envia, o que acaba identificando os autores das mensagens.
Uma das mensagens que mais chamam atenção é adornada por uma estrela vermelha do PT, com as frases: "Atenção, petista, coloquem esse adesivo na porta do seu negócio. Mostre que você tem orgulho de quem elegeu". Outra, com a bandeira do Brasil, recomenda: "A partir de hoje, vejam onde vocês vão gastar seu dinheiro. Vamos comprar e usar serviços somente de quem pensa como você".
Janaíra considera que as duas recomendações, disseminadas nas redes sociais de moradores da cidade, equivalem à prática nazista de colocar estrelas de David nas casas dos moradores judeus, na Alemanha governada por Adolf Hitler.
— Não podemos desfilar com bandeira, nada. Por medo de sermos mortos. Inclusive estamos com medo de que depredem nossas residências e nossos automóveis. Uso carro até para ir ao escritório, a três quarteirões da minha casa, porque não sei se alguém vai tentar me espancar no caminho — reclama a advogada, que atua nos ramos cível e criminal.
Janaíra diz que foi simpatizante do PT, mas está desfiliada do partido há 12 anos. Não revela seu posicionamento atual, mas as listas divulgadas de forma anônima pela internet a apontam como uma das líderes da campanha lulista em Casca.
A advogada Marciana, que atua nas áreas previdenciária e trabalhista, diz que tem orientado muitos estabelecimentos a protocolarem pedido de investigação por assédio. Ela exibe uma lista com nomes de comerciantes e profissionais liberais de Casca citados nas redes sociais (sem provas) como eleitores de Lula.
— Muitos deles já registraram ocorrência, tendo em vista que clientes foram até esses locais e se manifestaram no sentido de que que não comprariam mais lá porque os donos apoiaram o PT — diz a advogada, que pensa ser necessária uma ação coletiva pelos danos causados aos que foram nominados na lista.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul em Casca informa que possui uma notícia de fato sendo analisada pela promotora eleitoral Ana Maria Dal Moro Maito, sobre listas que estariam circulando em redes sociais com nomes de comerciantes e pessoas que teriam votado em Lula para boicote. O MP não recebeu nenhuma representação formal sobre a questão de que comerciantes teriam sido coagidos a fechar os estabelecimentos nesta segunda-feira (7).
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se pronunciou sobre o caso. Segundo a instituição, o ato de criar listas para boicote a comerciantes e prestadores de serviços sob o pretexto de terem optado por uma posição política nas eleições é considerado crime. Além disso, os prejuízos que ocorrerem a esses comerciantes e prestadores de serviços são passíveis de indenização, conforme a OAB, que repudiou o "ataque perpetrado à liberdade econômica, à livre escolha de voto e de manifestação, à ordem jurídica e ao Estado democrático de direito".