É falso que o vídeo em que uma pessoa grava Boletins de Urna (BUs) aleatórios com mais votos registrados para Jair Bolsonaro (PL) do que para Lula (PT) seja indício de fraude na apuração do primeiro turno das eleições de 2022. Os BUs são verdadeiros e mostram que o atual presidente recebeu mais votos do que o petista, mas apenas nas urnas que imprimiram aqueles boletins. A gravação não demonstra que esse deveria ter sido o resultado geral da apuração em todo o Brasil. Além disso, ao contrário do que diz o vídeo, os BUs não são de seções eleitorais de Minas Gerais, e sim do Rio de Janeiro.
Conteúdo investigado: em vídeo, uma pessoa mostra Boletins de Urnas pendurados na parede e sugere fraude porque os documentos mostrados nas imagens apresentam o presidente Jair Bolsonaro (PL) com mais votos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Onde foi publicado: Kwai.
Conclusão do Comprova: não há prova de fraude no primeiro turno das eleições de 2022 em um vídeo que circula no Kwai mostrando diversos Boletins de Urna (BUs) que apontam mais votos para o candidato à reeleição Jair Bolsonaro do que para Luiz Inácio Lula da Silva. No resultado final do primeiro turno, o candidato petista recebeu 48,43% dos votos válidos, ficando à frente de Bolsonaro, que registrou 43,2%.
Conforme relataram ao Comprova os Tribunais Regionais Eleitorais de Minas Gerais (TRE-MG) e do Rio de Janeiro (TRE-RJ), além de um especialista em direito eleitoral, apesar de os documentos mostrados nas imagens serem verdadeiros, o fato de Bolsonaro ter recebido mais votos do que Lula em determinada urna ou seção eleitoral não pode ser interpretado como indício de fraude nas eleições.
Não foi possível identificar qual o local exato da gravação. O vídeo circula com a indicação de que foi gravado em Minas Gerais, porém, em pelo menos dois dos Boletins de Urnas mostrados, além da votação dos candidatos à presidência, é possível ver os nomes dos candidatos a governador e senador do Rio de Janeiro. Logo no início do vídeo, o autor das imagens fala “olha, as fitas estão aqui ainda nos TREs”.
Em contato com o Comprova, o TRE-MG afirmou que as imagens não foram feitas no estado. Já o TRE-RJ confirmou que os Boletins de Urna mostrados no vídeo são verdadeiros e correspondem aos BUs emitidos no estado, mas que não é possível identificar o local exato da gravação.
Tanto o TRE de Minas Gerais quanto o do Rio de Janeiro também explicaram que a legislação eleitoral prevê a disponibilização das cópias impressas dos BUs em locais visíveis nas seções eleitorais. Os Boletins de Urna não são utilizados para a contagem oficial do TSE — que acontece por meio de arquivos de mídia acoplados às urnas — mas são disponibilizados aos partidos e à população em geral que, a partir deles, podem conferir os resultados oficiais divulgados pelo Tribunal. Nessas eleições, os BUs foram impressos com um QR code, que poderia ser escaneado pelos eleitores por meio do aplicativo Boletim na Mão, do TSE.
Falso para o Comprova é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: o Comprova investiga os conteúdos suspeitos sobre as eleições presidenciais com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 13 de outubro a postagem no Kwai tinha 120 mil visualizações, 9.561 curtidas e 1.204 comentários.
O que diz o autor da publicação: o Comprova entrou em contato com o perfil que postou o vídeo no Kwai, mas não houve resposta até a publicação desta checagem. A equipe também procurou por perfis da mesma pessoa em outras redes sociais, mas não encontrou resultados.
Como verificamos: pesquisamos no Google reportagens sobre algum caso de fraude eleitoral em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Também verificamos nos sites da Justiça Eleitoral e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se havia publicações sobre desinformação referente ao conteúdo em análise.
Em seguida, o Comprova analisou todos os boletins que foram gravados no vídeo e procurou as assessorias de imprensa dos TREs de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. O especialista em direito eleitoral Luciano Hanna também foi procurado pela equipe.
Por fim, o Comprova tentou contato com o perfil do Kwai que publicou o vídeo e procurou perfis da mesma pessoa em outras redes sociais, sem retorno.
O que mostram os Boletins de Urna do vídeo
O vídeo analisado mostra uma pessoa circulando por um corredor, onde estão afixados nas paredes diversas cópias de Boletins de Urna (BUs) com resultados apurados no primeiro turno das eleições de 2022 no estado do Rio de Janeiro. Ao caminhar pelo corredor, o autor do vídeo diz que vai “sortear” os Boletins de Urna para mostrar na gravação. Ele registra seis BUs em que é possível ver a votação recebida por cada candidato à presidência. Em todos eles, Bolsonaro recebeu mais votos do que Lula.
O primeiro BU aparece aos 46 segundos do vídeo. Nele, é possível ver que Ciro Gomes (PDT) teve sete votos; Lula, 80 votos; Padre Kelmon (PTB), um voto; Simone Tebet (MDB), 13 votos; Vera Lucia (PSTU), um voto; Jair Bolsonaro, 158 votos; Felipe D’Ávila (Novo), um voto; e Soraya Thronicke (União Brasil), dois votos. Conforme o TSE, candidatos que não receberam votos na urna não aparecem nos Boletins.
No segundo boletim, com 1 minuto e 5 segundos de vídeo, a votação foi: Ciro Gomes, cinco votos; Lula, 73 votos; Padre Kelmon, um voto; Simone Tebet, 11 votos; Sofia Manzano (PCB), um voto; Jair Bolsonaro, 139 votos; Felipe D’Ávila, dois votos; Soraya Thronicke, um voto; e Léo Péricles (UP), um voto.
No terceiro boletim que aparece no vídeo, o autor primeiro enquadra o trecho do documento que mostra a contabilização de votos para governador do Rio de Janeiro. Em seguida, grava a totalização de votos para senador e só depois, a partir de 1 minuto e 27 segundos, é que a contabilização de votos para presidente é mostrada: Ciro Gomes aparece com seis votos; Lula, 74 votos; Simone Tebet, 12 votos; Jair Bolsonaro, 179 votos; e Soraya Thronicke, um voto.
No quarto boletim gravado no vídeo (0:01:40), os resultados foram: Ciro Gomes, dez votos; Lula, 88 votos; Simone Tebet, 14 votos; Jair Bolsonaro, 134 votos e Felipe D’Ávila, um voto. No quinto BU (0:01:57), o registro foi de nove votos para Ciro Gomes; 97 votos para Lula; dois votos para Padre Kelmon; seis votos para Simone Tebet; e 184 votos para Jair Bolsonaro. Por fim, o sexto boletim gravado no vídeo analisado (0:02:14) mostra: Ciro Gomes, com sete votos; Lula, 86 votos; Simone Tebet, 11 votos; Jair Bolsonaro, 189 votos; Soraya Thronicke, quatro votos e Léo Péricles, um voto.
O TRE de Minas Gerais, contatado inicialmente pelo Comprova, informou que o fato de haver divergência entre o resultado de alguns boletins e a totalização não é indício de fraude. “O resultado geral da eleição é definido a partir da totalização de todos os votos registrados em todas as seções eleitorais do país e de zonas eleitorais estabelecidas no exterior”, afirmou o Tribunal em nota ao Comprova.
Em contato com o Comprova, o advogado e especialista em direito eleitoral Luciano Hanna, que já foi juiz membro do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), reforça que o sistema de QR Code dos Boletins de Urna serve para comprovar a procedência do documento.
No vídeo, no entanto, não é possível escanear o QR Code dos boletins mostrados, devido ao enquadramento e à baixa qualidade das imagens. O especialista afirma que, de qualquer forma, mostrar boletins em um local de votação com um resultado que diverge da totalização dos votos em todo o país não prova irregularidade. “As criptografias e o sistema de segurança não permitem, em nenhum momento, fraude”, diz Hanna.
O que são os Boletins de Urna
Após o encerramento da votação, as urnas eletrônicas imprimem até cinco cópias de Boletins de Urna, onde estão indicados todos os votos registrados naquele equipamento no dia da eleição. Conforme o TSE, todos os Boletins de Urna devem mostrar a data da eleição, identificar o município, a zona e a seção eleitoral em que foram emitidos e mostrar a data e o horário do encerramento da votação, o código de identificação da urna eletrônica que o imprimiu, a quantidade de eleitoras e eleitores aptos, a quantidade de eleitoras e eleitores que compareceram para votar e quantos não puderam ser identificados pela biometria.
Todas as cópias dos BUs impressos possuem um QR Code, que pode ser escaneado com a câmera do celular por qualquer eleitor por meio do aplicativo oficial do TSE Boletim na Mão. Ao ler esse código, é possível confirmar a autenticidade do boletim.
A contagem oficial de votos do TSE, contudo, não se dá a partir dos Boletins de Urna, e sim por meio da leitura dos arquivos de mídia que contabilizam os resultados diretamente das urnas eletrônicas. A mídia de resultado é uma espécie de pen-drive acoplado a toda urna e que possui uma série de travas eletrônicas de segurança para garantir que apenas os programas desenvolvidos pela própria Justiça Eleitoral possam identificar e ler os arquivos com os resultados da votação. Assim, os Boletins de Urna funcionam como uma forma de conferir e comparar os resultados que são fornecidos ao TSE por meio dos arquivos de mídia das urnas.
Em checagem recente sobre o tema, o Comprova demonstrou que, das cinco cópias dos BUs que são impressas, duas são enviadas ao Cartório Eleitoral responsável pela seção, uma cópia é afixada na sala da seção onde ocorreu a votação e as outras duas cópias podem ser entregues aos fiscais dos partidos que acompanham a apuração, à imprensa ou ao Ministério Público. Os mais de 472 mil Boletins de Urna impressos após o primeiro turno das eleições deste ano podem ser consultados no site do TSE ou pelo aplicativo oficial dos resultados eleitorais do Tribunal.
Conforme informaram ao Comprova os TREs de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, a disposição dos BUs impressos na seção eleitoral está de acordo com a legislação eleitoral, conforme prevê o Artigo 107 da Resolução 23.669 do TSE. O texto diz que “ao final dos trabalhos, o(a) presidente da mesa receptora de votos e da mesa receptora de justificativas irá afixar uma cópia do Boletim de Urna (BU) em local visível da seção”.
Por que investigamos: o Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e as eleições presidenciais. Logo após o primeiro turno das últimas eleições presidenciais, diversas postagens têm feito insinuações falsas sobre fraudes nas apurações dos votos, posicionamento que também já foi propagado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em outras oportunidades. Conteúdos falsos, enganosos ou fora de contexto sobre a contagem de votos podem criar suspeitas infundadas sobre o sistema eleitoral, prejudicando as eleições, as instituições e a democracia brasileira.
Outras checagens sobre o tema: a agência de checagem Aos Fatos também investigou Boletins de Urna mostrados em vídeo não são de MG e nem comprovam fraude. Recentemente, o Comprova demonstrou que era falso o vídeo que afirmava que um Boletim de Urna de uma seção eleitoral de Curitiba não teria sido contabilizado na apuração do TSE e que a totalização de votos a cada 12% das urnas apuradas no primeiro turno também não é um indício de fraude.