A disputa presidencial ganhou um novo ingrediente, nesta semana, quando a campanha do candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) convocou a imprensa para denunciar um suposto desequilíbrio na transmissão de programas eleitorais em favor do adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em rádios do país. A petição apresentada pelo partido do atual presidente foi rejeitada por falta de provas pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, mas um pronunciamento feito por Bolsonaro na noite de quarta-feira (26) deixou claro que o ocupante do Planalto está disposto a seguir em busca de medidas como a suspensão imediata das inserções radiofônicas do adversário para compensar as transmissões que teriam sido feitas a mais em benefício do petista.
Veja, a seguir, o que se sabe sobre alguns dos pontos envolvidos na discussão sobre as condições de disputa pela Presidência.
O que aponta a consultoria contratada pelo PL
Na segunda-feira (24), com base em um relatório feito pela empresa Audiency, que monitora automaticamente sinais de rádio pela internet, a campanha do candidato Jair Bolsonaro (PL) sustentou que teve 154 mil inserções de propaganda política a menos na comparação com o concorrente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, ao longo de duas semanas do segundo turno da eleição presidencial.
A análise indicou que o desequilíbrio teria ocorrido principalmente no Nordeste. Apenas em uma semana, segundo a análise, teriam ocorrido 12 mil inserções a mais para o petista em relação a Bolsonaro nessa região. Ao responder a uma solicitação por mais provas feita pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, a campanha do PL enviou dados de oito rádios nordestinas nas quais a propaganda do atual presidente não teria sido veiculada em diferentes momentos.
Com base nisso, a petição legal encaminhada pelo partido à Justiça Eleitoral solicitou a "imediata suspensão" da propaganda de rádio da coligação Brasil da Esperança, de Lula, até que a quantidade de transmissões dos dois candidatos voltasse a ficar equivalente, a notificação das emissoras supostamente envolvidas no episódio e a instauração de processo administrativo para "responsabilização dos envolvidos".
O que diz Jair Bolsonaro
Em um pronunciamento realizado na noite de quarta-feira (26) no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro (PL) disse sofrer prejuízo eleitoral pelo desequilíbrio na transmissão em comparação a Lula:
- O partido contratou uma empresa de auditoria, em setembro, depois contratou outra, e chegamos à conclusão, ou melhor, eles chegaram à conclusão, de forma técnica, que havia um desbalanço, uma diferença muito grande entre as inserções do PL e do PT. Muito mais ao PT (...). O senhor ministro Alexandre de Moraes nos deu 24 horas pra apresentar provas. Nós apresentamos provas no tempo exigido por ele, provas contundentes.
Bolsonaro se queixou da decisão de Moraes de determinar uma investigação de sua campanha para averiguar se houve tentativa de tumultuar as eleições:
- E ali, na peça (despacho), de forma preliminar, foi passado que o partido tem que responder por ter usado o fundo partidário de maneira irregular. Porque, segundo o senhor Alexandre de Moraes, fundo partidário não pode ser usado para fazer (a análise de mídia) e, mais ainda, que o autor estaria tentando tumultuar o processo eleitoral. Nós não entendemos dessa maneira.
Que recurso cabe a Bolsonaro
Ao ver negada a petição que pedia a suspensão da propaganda da coligação petista nas rádios, Bolsonaro anunciou que vai entrar com recurso contra a decisão de Alexandre de Moraes. O atual presidente ou o comando de sua campanha não deram detalhes sobre como e quando isso seria feito, mas a indicação apontada pelo atual presidente durante o pronunciamento de segunda-feira é de que um novo pedido de análise do caso será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
- Com toda certeza, nosso jurídico vai entrar com recurso, já que foi para o Supremo Tribunal Federal, ou seja, da nossa parte, nós iremos às últimas consequências, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer valer aquilo que as nossas auditorias constataram. Um enorme desequilíbrio no tocante às inserções. Obviamente, interfere na quantidade de votos - disse Bolsonaro.
Moraes também determinou que o episódio seja incluído em outro processo que já tramita no STF, o inquérito envolvendo as chamadas "milícias digitais". O ministro remeteu o caso também à Procuradoria-Geral Eleitoral, ao corregedor-geral do TSE, para analisarem uma possível tentativa de "tumultuar" o segundo turno das eleições, conforme Moraes.
O que diz o TSE
Em seu despacho, Alexandre de Moraes sustenta que "a fiscalização da efetiva veiculação de suas inserções nas emissoras de rádio (...) sempre foi de responsabilidade da própria Coligação representante, que, constatando alguma irregularidade, poderia, a qualquer momento, ter provocado a Justiça Eleitoral, indicando especificamente qual a rádio descumpridora de sua obrigação e qual a inserção não veiculada". Diz que "os fatos narrados na petição inicial, bem como no seu aditamento não cumpriram essas exigências, tendo sido extremamente genéricos e sem qualquer comprovação". Conforme o texto, "nem a petição inicial aditada nem o citado relatório indicam, de modo circunstanciado e analítico, quais seriam as emissoras de rádio, os dias e os horários em que não teriam sido veiculadas as inserções de rádio para a Coligação requerente, o que impede qualquer verificação séria".
O despacho aponta que foram apresentadas informações parciais de apenas oito emissoras (0,16% do universo citado), que a empresa responsável pelo relatório do PL "não é especializada em auditoria", e sua metodologia "não oferece as condições necessárias de segurança para as conclusões apontadas pelos autores". O ministro cita um estudo realizado por um professor do Departamento de Telecomunicações da PUC/RJ que indicou que o software utilizado pela empresa Audiency não conseguiu reconhecer 69% das inserções do candidato em uma das rádios citadas (Bispa FM). Moraes diz ainda que a consultoria "adota o acompanhamento de programação de rádio captada pela Internet (streaming), modalidade de transmissão que, como é sabido, não necessariamente veicula propaganda institucional obrigatória".
Como é feita a veiculação da propaganda eleitoral
Conforme o TSE, compete "às emissoras de rádio e de televisão cumprirem o que determina a legislação eleitoral sobre a regular divulgação da propaganda eleitoral durante a campanha". O tribunal esclarece, por meio de nota, que não é função da Justiça Eleitoral distribuir o material a ser veiculado no horário gratuito. Cabe às emissoras de rádio e de TV "se planejar para ter acesso às mídias e divulgá-las seguindo as regras estabelecidas na Resolução TSE nº 23.610", de 2019. Para isso, cada canal deve manter contato com o chamado "pool de emissoras", formado por representantes dos principais veículos de comunicação do país.
De acordo com o tribunal, e conforme orientação disponível no site da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), os programas e as inserções das campanhas devem ser enviados pelos partidos a esse pool - que conta com uma sala própria na sede do TSE, mas é formado exclusivamente por representantes das maiores emissoras. Após a geração de sinal para captação das propagandas via satélite, o TSE informa que, no caso específico das inserções radiofônicas, as emissoras "poderão captar o sinal da Voz do Brasil (RádioSat EBC), captar o sinal da Rádio Câmara" ou, como alternativa, "ter acesso aos arquivos das inserções que são disponibilizadas no sítio do TSE". Embora o material também esteja disponível no site do tribunal, cabe às emissoras acessar o link e baixar os conteúdos para transmissão.
Como é feita a fiscalização das propagandas
Conforme a legislação eleitoral brasileira, a fiscalização do cumprimento da veiculação dos programas eleitorais previstos é responsabilidade dos próprios candidatos, dos partidos, coligações ou federações partidárias ou ainda do Ministério Público Federal, e não do TSE - que deve ser provocado para, eventualmente, tomar providências. O artigo 80 da Resolução 23.610 do tribunal estabelece que "não sendo transmitida a propaganda eleitoral, a Justiça Eleitoral, a requerimento dos partidos políticos, das coligações, das federações, das candidatas, dos candidatos ou do Ministério Público, poderá determinar a intimação pessoal da pessoa representante da emissora para que obedeçam, imediatamente, às disposições legais vigentes".
O artigo 81 aponta que, também mediante provocação de um candidato, partido ou do Ministério Público, a Justiça Eleitoral poderá então "determinar a suspensão, por 24 horas, da programação normal de emissora que deixar de cumprir as disposições desta resolução". Para que o TSE adote uma providência, a legislação prevê que seja indicada, de forma específica, qual emissora deixou de veicular a inserção, em que data e em qual horário.
Qual a diferença entre radiodifusão e streaming
A lei eleitoral do país prevê regras diferentes para a veiculação da propaganda eleitoral em emissoras que transmitem o sinal via radiodifusão (que se capta pelas ondas de rádio, o também chamado broadcast), ou via internet, também conhecido como streaming. A transmissão por radiodifusão tem o dever legal de veicular os programas e as inserções das campanhas, mas o sinal distribuído pela internet não tem a mesma determinação. Ou seja, a programação disponibilizada por streaming não está sujeita à veiculação obrigatória do horário eleitoral ou das inserções das campanhas. Por isso, segundo o TSE, queixas envolvendo transmissões feitas por internet não servem como indicativo de descumprimento da legislação eleitoral.