— Tu está louco? — reagiu com um misto de espanto e incredulidade o senador José Agripino Maia (RN), àquela altura um dos mais longevos inquilinos do Congresso Nacional.
Era abril de 2017. Presidente nacional do antigo Democratas (DEM), Maia acabara de receber, em seu gabinete, a carta de renúncia do secretário-geral do partido. Na frente dele, o deputado federal gaúcho Onyx Lorenzoni, à época com 63 anos, tentava se explicar.
O que intrigou Maia não foi o gesto da renúncia, mas o motivo: Onyx decidira apoiar a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, até então um histriônico deputado do Rio de Janeiro, que ganhava destaque em programas de televisão por declarações controversas e a defesa enfática do regime militar.
Os caciques de Brasília — Maia entre eles — sequer levavam Bolsonaro a sério, muito menos sua condição de candidato a presidente na eleição vindoura.
Onyx estava irredutível. Explicou que não queria, pela sétima eleição consecutiva, embarcar em uma candidatura do PSDB. Ciente de que o DEM estaria novamente servindo de coadjuvante ao tucanato, se antecipou e resolveu abrir mão do cargo que ocupava no comando da legenda.
Após ouvir de Maia que estava entrando em uma aventura, Onyx encerrou a conversa citando a reflexão de Charles Chaplin que ensina que "o tempo é o melhor autor, pois sempre encontra um final perfeito":
— Daqui um ano e pouco, vamos descobrir se o senhor tinha razão ou se eu tinha razão.
O tempo mostrou que Onyx tinha razão. Alçado ao posto de coordenador da campanha presidencial de Bolsonaro, tornou-se o braço direito do capitão reformado em suas andanças pelo país. A pedido do aliado, abandonou a candidatura ao governo do Estado em 2018 para focar na campanha presidencial.
Antes, já havia ajudado com afinco a estrutura de palanques para Bolsonaro nos Estados. Apesar do bom trânsito com colegas de diferentes bancadas que conhecera em mais de uma década e meia no Congresso, a tarefa não foi simples. Na primeira tentativa, um almoço na casa de Onyx, foram convidados mais de 30 deputados. Apareceram dois: Jorginho Mello (SC) e Éder Mauro (PA).
Com o passar do tempo, a candidatura começou a ser levada mais a sério. No final do ano, Onyx conseguiu reunir mais de 50 deputados. Na metade de 2018, quando Bolsonaro já ponteava pesquisas, 123 apareceram.
— Com o Onyx levando os deputados na casa dele, muitas vezes ele mesmo cozinhando, é que começou brotar politicamente a possibilidade de meu pai ser presidente — reconheceu o deputado Eduardo Bolsonaro, em evento em Porto Alegre, no último sábado (22).
A partir da vitória de Jair Bolsonaro, o gaúcho foi guindado ao ministério da transição e assumiu a chefia da Casa Civil no novo governo, cargo mais importante da esplanada. Mesmo perdendo atribuições, jamais saiu do primeiro escalão e ocupou outros três ministérios até se desincompatibilizar para disputar a eleição deste ano.
Com o Onyx levando os deputados na casa dele, muitas vezes ele mesmo cozinhando, é que começou brotar politicamente a possibilidade de meu pai ser presidente.
EDUARDO BOLSONARO
Deputado e filho do presidente, em evento em Porto Alegre, no dia 22
A estreita conexão com presidente foi o principal motor da candidatura de Onyx ao Palácio Piratini. Com o mesmo número e com as mesmas bandeiras do chefe, e prometendo repetir no Estado a "transformação" conduzida por Bolsonaro em Brasília, chegou na frente no primeiro turno, com 37,50% dos votos válidos. E assim que espera sair vitorioso neste domingo (30), para atingir o objetivo que norteia sua trajetória política há mais de duas décadas.
Uma carreira com vitórias e tombos
Médico veterinário, Onyx Dornelles Lorenzoni herdou a profissão do pai, Rheno Júlio Lorenzoni, fundador da clínica pertencente à família, que atende há sete décadas em Porto Alegre. Ajudou a conceber o sindicato da categoria, entidade que presidiu entre 1984 e 1990.
Ingressou na política no fim da década de 1980 e, embora tenha enfileirado sete mandatos parlamentares e concorrido cinco vezes em eleições para a prefeitura de Porto Alegre (três a prefeito e duas a vice), conheceu sua primeira vitória em eleições majoritárias apenas neste ano, quando ponteou o primeiro turno da eleição estadual.
A primeira filiação ao Partido Liberal (PL) foi assinada em 1987. No ano seguinte, Onyx concorreu a vice-prefeito de Porto Alegre na chapa capitaneada pelo jornalista Sergio Jockymann, que terminou em um modesto quinto lugar. Em 1990, tentou ser deputado estadual e não se elegeu. Em 1992, disputou pela primeira vez a prefeitura como cabeça de chapa, mas chegou apenas na sétima colocação.
A primeira vitória eleitoral viria em 1994, quando conseguiu chegar à Assembleia Legislativa para ser um dos maiores defensores do governo Antônio Britto — até hoje, o candidato guarda um bilhete escrito à mão por Britto, em agradecimento à sua lealdade.
Dois anos depois, nova frustração no pleito municipal: foi candidato a vice de Yeda Crusius (PSDB), mas a chapa amealhou 22% dos votos e viu Raul Pont (PT) ser eleito em primeiro turno.
Já no PFL, foi reeleito deputado estadual em 1998 e atuou em uma oposição combativa ao governo de Olívio Dutra (PT). Empunhando bandeiras como a defesa dos alimentos transgênicos e a redução de impostos, passou quatro anos às turras com o Piratini e foi um dos articuladores do Fórum Democrático, criado na época pelo Legislativo para esvaziar o Orçamento Participativo e alterar a destinação dos recursos do Estado.
Eleito deputado federal em 2002, transportou para Brasília o sentimento de oposição ao PT. Além da plataforma liberal, incorporou em sua agenda o combate à corrupção. Durante os cinco mandatos na Câmara, ganhou notoriedade em dois momentos relevantes.
O primeiro, em 2005, quando atuou como sub-relator na CPI dos Correios, que investigou o escândalo do Mensalão. Além dos discursos contundentes e do enfrentamento com o governo, ficou marcado por comparecer às sessões com a cuia de chimarrão e a garrafa térmica.
Por um bom tempo, a bebida típica do Estado foi utilizada como uma marca do mandato de Onyx — ele chegou a levar a mateira e preparar chimarrão ao vivo quando foi entrevistado pelo Programa do Jô, da Rede Globo, em 2007.
Uma década depois, enquanto os escândalos revelados pela Operação Lava-Jato desestabilizaram o governo Dilma Rousseff (PT), voltou aos holofotes nacionais ao conquistar o importante papel de relator do famoso projeto de lei que instituía as "10 medidas contra a corrupção".
Por meses, o deputado ganhou protagonismo durante a discussão do conteúdo do texto, que fora sugerido pelos membros do Ministério Público Federal. O relatório apresentado incorporou a maior parte das propostas do MPF, mas o texto final acabou desfigurado no plenário da Câmara, em uma votação levada a cabo na madrugada seguinte ao acidente com o avião da delegação da Chapecoense, em novembro de 2016.
— Ele ia para a tribuna, discursava, e os caras vaiavam. Quando acabou, desci para encontrar ele para ir embora e achei ele sozinho. Ali caiu a ficha. Ele sentiu o golpe, ficou muito mal, acho que até repensou se seguia na política — contou deputado estadual Rodrigo Lorenzoni, filho de Onyx, que estava no Congresso no dia.
Das 10 medidas propostas na versão original, somente quatro passaram, ainda assim parcialmente. Hoje, texto ainda tramita no Senado.
Em meio aos mandatos na Câmara, Onyx ainda concorreria a prefeito de Porto Alegre em 2004 e 2008, mas nunca obteve votação suficiente para chegar ao segundo turno. Seu melhor desempenho foi em 2004, quando conquistou 9,97% dos votos.
Abalo na carreira
Em maio de 2017, Onyx Lorenzoni colocou em risco sua credibilidade ao admitir que recebeu dinheiro não contabilizado para a campanha, pratica conhecida como caixa 2. Os recursos, provenientes da JBS, foram intermediados pelo presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Jorge Camardelli.
Na época, Onyx disse que recebeu R$ 100 mil não declarados para a campanha de 2014. Em 2019, quando já era ministro, assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República e pagou R$ 189 mil para não ser processado. No termo, ele admite ter feito uso de R$ 300 mil não contabilizados, nas campanhas de 2012 para 2014.
— Entre ter uma mancha e varrer para baixo do tapete e passar a vida inteira com uma mancha, eu escolhi expor a verdade e ter uma cicatriz — explicou, em entrevista a GZH ainda no primeiro turno.
A admissão da culpa não foi mal entendida pelos eleitores, que garantiram a ele, com folga, um novo mandato de deputado em 2018. Com 183 mil votos, foi o segundo mais votado do Rio Grande do Sul, mesmo sem conseguir dedicar-se inteiramente à campanha em razão de coordenar a candidatura presidencial de Bolsonaro.
Conversão e eleição
Ao mesmo tempo em que convivia com a turbulência na carreira política, Onyx passou por uma transformação em sua vida pessoal: antes luterano, converteu-se à igreja evangélica Sara Nossa Terra, a mesma da esposa, Denise, que conheceu na época. O casamento dos dois foi celebrado em 2018 pelo bispo Robson Rodovalho, fundador da congregação.
Nesta eleição, muitos foram os atos de campanha abertos por uma oração, conduzida por Denise. Com ela, Onyx compartilhou a decisão de concorrer a governador, quatro anos depois de adiar os planos em prol da eleição de Bolsonaro à presidência.
Ciente de que o presidente escolheria o PL para concorrer à reeleição, acertou o retorno a seu antigo partido, 25 anos depois, para oficializar a dobradinha. Àquela altura, o DEM já havia se fundido ao PSL para formar o União Brasil, com o qual ele já não se identificava.
Em caso de vitória neste domingo (30), Onyx cumprirá uma profecia feita em 1997, ao final de sua primeira passagem pelo PL. Quando decidiu sair do partido, ele fora conversar com o então governador Antônio Brito, que tentou convencê-lo a ingressar no MDB.
Onyx rejeitou o convite e explicou que preferia ir para o PFL (que depois se tornaria DEM), até então um partido com pouca expressão no Estado, para construir "um projeto de longo prazo".
— Mas onde você quer chegar com isso? — questionou Britto.
— Na tua cadeira.