Ronaldo Teixeira da Silva, mais conhecido como Professor Nado, nome pelo qual concorre pelo Avante a uma vaga no Senado pelo Rio Grande do Sul, é doutor em Ciências Sociais e Políticas. Aos 58 anos, já foi ministro interino da Educação, em 2005, e, depois disso, secretário-executivo adjunto da pasta da Justiça também durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, critica concepções da esquerda que chama de tradicional e se propõe a articular um plano para resgatar emergencialmente a educação brasileira.
Série de entrevistas
De 12 a 20 de setembro, GZH publica entrevistas com candidatos ao Senado no RS que concorrem por siglas com ao menos cinco representantes no Congresso. A ordem de publicação é alfabética, conforme o nome que estará na urna.
O senhor já chegou a ocupar, interinamente, o cargo de ministro da Educação, área em que o país vem perdendo recursos. Como senador, o que seria possível fazer?
Precisamos de um plano emergencial de educação. Nosso sistema educacional tem um atraso de duas décadas. Tu pegas o caso do RS, o atual governo assume com um Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 3,7. Em 2019, estava em 4,2, resultado, obviamente, de obra do governo anterior. Vem num crescimento, mas estamos em 4,2 enquanto a meta exigida pelo MEC (Ministério da Educação) é de 5,3. Na vida escolar, o Rio Grande do Sul estaria reprovado. No Senado, tenho convicção de que podemos criar um plano emergencial de educação e não um plano de recuperação fiscal. Temos que superar essas duas décadas de atraso. No governo Lula eu estava coordenando o grupo de Educação Básica do Ministério da Educação, um grupo que estudou o Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica), a formação de professores. O Fundeb é a referência, temos que continuar trabalhando na contramão de uma visão neoliberal, vincular mais receitas para a educação, e não reduzir.
O senhor disse ser favorável a um plano de educação em vez de um plano de recuperação fiscal. É contra o acordo firmado pelo Estado?
O que foi feito é, de um lado, imposição do governo federal e, de outro, subserviência do governo do Estado. Eu acho que outros motivos é que levaram o governo a fazer o acordo, porque são R$ 89,9 bilhões de dívida. Muitos estão falando de R$ 74 bilhões, R$ 75 bilhões. Mas esquecem que há os R$ 14 bilhões do atraso. Houve acúmulo de R$ 14 bilhões que serão negociados em 30 anos, em separado. E os R$ 75 bilhões, considerados o principal, passam a ser pago agora, depois dos primeiros 12 meses de carência. É coisa assustadora. A parcela vai ser de quanto? R$ 400 milhões, R$ 500 milhões? Vai comprometer a folha de novo? Vai tirar da educação e da saúde novamente? Das nossas estradas, que já são terríveis? Então o plano de recuperação fiscal precisa ser questionado.
Qual a sua posição sobre a reforma administrativa?
A reforma administrativa pode e deve ser feita inclusive para modernizar as relações de trabalho, mas não podemos nunca desconsiderar que os planos de carreira têm que ser preservados, além da estabilidade. O plano de carreira dos professores do Rio Grande do Sul praticamente deixou de existir. Então precisamos, sim, fazer reforma administrativa, mas em momento algum desrespeitar aqueles que constituem o Estado.
E a reforma tributária?
É difícil de dizer, mas é preciso: impostos são criados para que haja redistribuição de renda. Então não podemos partir simplesmente do pressuposto de que o imposto é indevido ou ruim. Ele é necessário. Se não tiver impostos, como governo e como Estado não arrecadaremos para combater a desigualdade social. O que não podemos é não fazer a reforma tributária e ficar esquartejando a proposta. O que ocorreu recentemente? Em função da gasolina, a redução do ICMS no Estado, comprometendo em bilhões — que estão tentando precisar os valores ainda — que vão repercutir em educação, segurança, saúde, na vida de gaúchos e gaúchas.
O senhor é contra a redução nas alíquotas de ICMS?
Neste momento sou contra, mas podemos chegar numa reforma tributária e ter alíquota inclusive inferior à atual. Mas dentro de um contexto. Se a gente baixar um ponto percentual, muda completamente. Tu vais estimular naturalmente a vida empresarial e os empreendedores. Vai faltar um pouco para o caixa, mas a geração de riqueza vai nos recolocar numa situação pujante, é um estudo a ser aprofundado. Agora não pode hoje, simplesmente porque tem processo eleitoral em curso, vou lá, baixar a gasolina para poder ter discurso, e reduzo o ICMS sem dizer qual é a contrapartida futura.
A questão eleitoral está muito ligada a um outro tema polêmico que é o orçamento secreto. Usaria esse tipo de recurso?
Não. Já foram R$ 20 bilhões e alguma coisa em emendas indicadas do orçamento secreto. E outra: que tipo de governança é essa? Estou lá no Senado, mando o dinheiro aqui pro Pedrinho (escola pública de São Leopoldo). No entanto, sem plano educacional com aquele recurso lá alocado, outras 299 cidades ou outros 299 Pedrinhos não têm um senador lá.
Outra questão são as “emendas Pix”, que dificultam o acompanhamento dos gastos...
Aí não se sabe nem para onde vai exatamente. Eu não usaria isso. De forma alguma. Estou assumindo publicamente que nenhum real de emenda do orçamento secreto será utilizado se eu tiver oportunidade de ser senador. Nenhum, nenhum real. E, quando chegar lá, vou fazer grande debate para equacionar essas relações entre Legislativo e Executivo.
Já tramitam projetos que buscam restringir mais o aborto. Como vê isso?
Há um autor norte-americano, Mark Lilla, que é liberal e tem estudo sobre o identitarismo que a esquerda da tradição não compreendeu ainda. Por falta de projeto para a sociedade, caímos no identitarismo. Então tu tens movimentos compartimentados, o feminista, o antirracista, mas qual é o projeto de sociedade de ambos? Cada um luta pela parte que lhe diz respeito, corretamente, mas não constrói um projeto de sociedade. Na questão específica da mulher, primeiro temos que respeitar o sujeito na sua integridade. Portanto, as leis têm que ser propostas de tal sorte que se trate de liberdade individual. Então, a mulher há de decidir aquilo que lhe compete. (...) Eu valorizaria o tema da saúde no escopo da legislação, porque isso evita qualquer debate.
Também tramita PEC que prevê a prisão de condenados criminalmente em segunda instância. O senhor seria favorável?
Sou a favor. O problema é que não é essa a nossa lei. (...) Defendo, inclusive, assembleia nacional constituinte, reforma mais ampla. Tem que criar um fundo constitucional de segurança pública. Como se tem de educação e saúde. (...) A Constituição da qual a gente se orgulha é de 1988. Não tinha celular, redes sociais. É preciso revisar a Carta. (...) Acho que o próximo presidente necessariamente tem de ser reformista, sob pena de ficarmos na mesma lógica vinculados ao poder do centrão.