Ana Amélia Lemos é natural de Lagoa Vermelha e foi jornalista por 40 anos. Eleita senadora em 2010, é autora de leis para a saúde, entre elas iniciativas voltadas aos pacientes com câncer, e também em áreas como agricultura, municipalismo, finanças e economia.
Também foi secretária estadual de Relações Federativas e Internacionais do governo do Estado na gestão Eduardo Leite, quando atuou em pautas como a homologação da adesão do RS ao regime de recuperação fiscal (RRF). Em 2022, pretende retomar uma cadeira no Senado.
Série de entrevistas
De 12 a 20 de setembro, GZH publica entrevistas com candidatos ao Senado no RS que concorrem por siglas com ao menos cinco representantes no Congresso. A ordem de publicação é alfabética, conforme o nome que estará na urna.
A senhora defende a realização de reformas estruturais, como a administrativa e a tributária, no primeiro ano da próxima legislatura. Quais devem ser os eixos dessas mudanças?
Por conhecer o comportamento do Congresso, sei: toda vez que o ambiente é contaminado por influência política ou eleitoral, há dificuldade de aprovar matérias que impliquem em sacrifícios setoriais. Uma reforma dessa envergadura, como a administrativa, vai esbarrar em interesses contrariados das corporações, especialmente servidores públicos federais, Estados e municípios. Por isso, a importância de fazer a discussão no início do mandato. Primeiro, define-se que tamanho de Estado queremos para que, na reforma tributária, se delimite o volume de recursos necessários para custear a máquina pública. Na reforma administrativa, corporações representadas no Congresso terão influência sobre o real alcance dos resultados. Quanto antes, melhor para evitar a contaminação do processo eleitoral. O eixo deve ser objetivo e claro. As lideranças necessitam ter participação ativa, madura e respeitosa no processo para que seja feita de maneira justa e responsável.
E a reforma tributária?
Da mesma forma. Assim como há conflitos nas categorias, existem os federativos. Também os de caráter regionais e setoriais. Os federativos envolvem União, Estados e municípios. A força política precisa atuar. Já os setoriais incluem a indústria, o comércio, os serviços e o turismo. É preciso acomodar interesses, que são, sim, legítimos. A meu ver, no caso da reforma tributária, tão importante quanto a redução da carga é a simplificação. Hoje, paga-se muito para pagar imposto. Cito sempre o relato do empresário Jorge Gerdau (Johannpeter) que possui siderúrgica idêntica à do RS no Canadá. A diferença é que lá são três pessoas na área tributária, e aqui há mais de 250 funcionários para dar conta da mesma função. Isso exemplifica o custo para se pagar o imposto no Brasil. Não é só reduzir a carga, porque quanto mais complexo o sistema, mais fácil fica a sonegação.
Apesar de ter participado da homologação do RRF nos atuais moldes, a senhora percebe margem para que se reveja o que foi assinado ou essa foi a melhor solução para a dívida do RS com a União?
Quando cheguei ao Senado, em 2011, o governo gaúcho era de Tarso Genro (PT). Dilma Rousseff (PT) estava em Brasília e conhecia bem a realidade do Estado. Existia, à época, o chamado “alinhamento das estrelas” (gestões petistas na Presidência e no Estado). Por que não foi possível? Naquele momento, trabalhei – como depois trabalhei com José Ivo Sartori (MDB) – para defender os interesses do Estado. Não foi resolvido pelas questões que referi antes e que envolvem interesses dos Estados e da União. É também um tema político, com grau elevado de relevância e, contra isso, nem o tal “alinhamento das estrelas” funcionou. Vejo que, agora, esse debate está contaminado demagogicamente por estarmos no processo eleitoral. O RRF foi fechado com ministros gaúchos ocupando posições importantes em Brasília. Se era tão lesivo como estes mesmos dizem, qual a razão de nada terem alertado na hora de fechar o acordo com o atual governo? Não foi fácil, e o RS é um dos poucos que assinaram. Quando o governo federal fez a redução do ICMS para os combustíveis, que é uma medida boa para população, o Estado perdeu receitas, porém não ingressou na Justiça para questionar essa invasão de competências, uma vez que o ICMS é um tributo estadual. Já os Estados do Nordeste, que não assinaram o RRF, foram ao STF (Supremo Tribunal Federal). Criaram insegurança jurídica com relação à matéria. Penso que o RS fez o que estava ao seu alcance.
A questão do ICMS sobre os combustíveis representa um contrassenso de interesses e ao planejamento do Estado que vai ter de arcar com a perda de receitas? Faltou posicionamento para evitar isso?
Uma das cláusulas do RRF é não fazer questionamentos jurídicos, e o RS, outra vez, obedeceu. Isso é legalismo e segurança. Os demais Estados não fizeram e, portanto, não tinham nenhum compromisso. Agora, o STF deveria ser muito mais ágil nas questões de impacto, não só político e institucional, como nas de efeito econômico e financeiro dos Estados. Essa demora é terrível para a organização financeira e vai ser muito lesiva no futuro. Deveria ser algo pontual. O STF precisa, urgentemente, desenvolver um olhar mais acurado sobre essas questões, porque impactam a vida das pessoas.
Falamos em tributos, dívida e dificuldades, mas, em paralelo, há R$ 16 bilhões carimbados para o orçamento secreto.
É vergonhoso. Não é admissível, em tempos de redes sociais ativas e de um “big brother” geral em que vivemos que você tenha o orçamento secreto. É dinheiro público e pública deve ser a sua aplicação. Sai do bolso do trabalhador, do assalariado, do profissional liberal, de todas as categorias. É preciso também rever o fundo eleitoral, para que se faça de forma menos onerosa para a sociedade. Já debatia esse tema antes. Você pode me questionar se eu estou usando. Sim, porque a lei é essa e eu não posso usurpar a lei e deixar de cumpri-la por conta de achar que isso está errado. Tem muita coisa errada que está na lei e é necessário rediscutir.
Em temas de maior apelo ideológico como o aborto e a descriminalização das drogas, qual é o seu posicionamento?
A lei que existe sobre o aborto é pacificadora, foi ampliada pelo STF na questão da anencefalia. O que era previsto em caso de riscos para mãe e de estupro já o estava desde 1940. A meu ver, essa pauta está pacificada com os direitos já previstos.
E as drogas?
Demandam reforçar o controle e me refiro ao crime organizado que as operam. A cocaína envolve muito poder. É uma commodity violenta com volume exorbitante de recursos movimentados. Então, defendo ação mais enérgica no controle de quem produz esses produtos químicos. É grave simplesmente legalizar. Tenho posição mais conservadora. Uma coisa é o uso terapêutico da maconha, a Anvisa já se manifestou e há tratamento diferenciado. O uso medicinal está dentro de um limite bem estruturado, caso do canabidiol. Mas para o uso recreativo penso que é diferente.