Com um número cada vez maior de devotos entre a população brasileira e uma presença política recorde no Congresso Nacional, os evangélicos se consolidaram nesta eleição como um rebanho preferencial na disputa por votos entre os principais candidatos à Presidência da República.
Uma das razões fundamentais para a relevância atribuída a esses fiéis é o avanço das denominações evangélicas entre a população. No Rio Grande do Sul, estimativas indicam que já somam um quinto do eleitorado, ou cerca de 1,8 milhão de votantes, número que chega a quase 47 milhões em todo o Brasil. Em paralelo, essas igrejas demonstram uma vocação por ocupar espaços de poder que levou à formação da maior bancada religiosa já vista na Câmara e no Senado.
O atraso de dois anos na atualização do Censo Demográfico dificulta uma avaliação mais precisa da ascensão evangélica. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que eram 15% dos brasileiros no ano 2000. Uma pesquisa sobre religiosidade feita pelo Datafolha em 2020 sugere que, em duas décadas, esse patamar dobrou e chegou a 31%.
Pesquisa eleitoral realizada pelo Ipec no Rio Grande do Sul entre 13 e 15 de setembro encontrou 21% de evangélicos entre os gaúchos acima de 16 anos — índice que, aplicado ao contingente de 8,5 milhões de eleitores registrados no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), resulta na projeção de 1,8 milhão de votantes. Em todo o país, a mesma conta chega a 46,9 milhões de almas com Bíblia e título de eleitor às mãos.
Essa fatia da população foi decisiva para dar a vitória a Jair Bolsonaro (PL) na eleição passada, o que intensifica a disputa hoje em templos, discursos e propagandas. O atual presidente superou Fernando Haddad (PT) por 10,7 milhões de votos no segundo turno, sendo que os evangélicos deram 11,6 milhões de votos a mais para o atual candidato à reeleição pelo PL em relação ao petista, segundo estimativas com base em dados do Datafolha.
— A cada pleito, vemos crescer a preocupação em relação a como os evangélicos votam. De fato, em 2018, grande parte dessas pessoas aderiu a Bolsonaro, e isso foi o diferencial entre ele e o Haddad. Mas é importante também entender que se trata de uma população muito plural, de muitas denominações, com distinções teológicas — afirma a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Instituto de Estudos da Religião (Iser).
Apesar da diversidade, essa fatia do eleitorado chegou a entregar 69% de seus votos a Bolsonaro no segundo turno de 2018 — um percentual de devoção que recuou e hoje oscila próximo de 50%, segundo Ipec e Datafolha. Jacqueline lembra que grande parte desses fiéis são mulheres negras de baixa renda, que também compõem um dos perfis sociais mais propensos a votar no candidato oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A cada pleito, vemos crescer a preocupação em relação a como os evangélicos votam. De fato, em 2018, grande parte dessas pessoas aderiu a Bolsonaro, e isso foi o diferencial entre ele e o Haddad. Mas é importante também entender que se trata de uma população muito plural, de muitas denominações, com distinções teológicas.
JACQUELINE MORAES TEIXEIRA
Antropóloga, professora da UnB e pesquisadora do Cebrap e do Iser
Entre as principais denominações pentecostais com representação no Rio Grande do Sul, a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) é uma das mais próximas ao atual presidente. Fundador da Iurd, Edir Macedo recentemente reafirmou o apoio a Bolsonaro e sustentou que pautas de esquerda são "incompatíveis com o pensamento evangélico".
A Convenção de Igrejas Evangélicas e Pastores da Assembleia de Deus no Rio Grande do Sul (Ciepadergs) manifestou, por meio de nota enviada a GZH, que "não há orientação de voto para os fiéis, nem de nome, nem de perfil de candidato específico. Contudo, é papel precípuo das igrejas conscientizar seus fiéis a respeito de sua própria doutrina, o que implica aos fiéis pautar suas escolhas segundo a doutrina que defendem e professam". A Assembleia faz campanha contra temas como "desconstrução da família tradicional, erotização de crianças, ideologia de gênero, relativização da Bíblia Sagrada, censura à liberdade religiosa, aborto e aparelhamento da educação com a ideologia marxista".
Em nível nacional, ainda em abril, o presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, José Wellington, declarou apoio formal a Jair Bolsonaro em evento público no qual declarou que Jesus Cristo daria a vitória ao atual presidente "no primeiro turno".
Entre as maiores denominações, a Deus é Amor é a que se mantém mais distante da disputa política.
— A Deus é Amor, por tradição, não se insere na política. Essa tradição vem diretamente do fundador da igreja, David Miranda (1936-2015), e se mantém assim. É uma igreja extremamente tradicional — avalia o doutor em Antropologia Social Marcelo Tadvald, que pesquisa religião.
Para tentar evitar que o cenário de 2018 se repita, Lula tem intensificado os acenos religiosos, e a adesão da evangélica Marina Silva à sua candidatura é vista como um ponto favorável na disputa por esses eleitores. A campanha de Bolsonaro foca em temas caros a essa população como o combate ao aborto, além de reproduzir rumores sem comprovação de que o petista poderia fechar igrejas. O resultado dessa disputa de proporções bíblicas poderá ser descoberto no dia 2 de outubro.
Bolsonaro amplia vantagem sobre Lula entre essa fatia no Estado
As mais recentes pesquisas realizadas pelo Ipec no Rio Grande do Sul mostram um aumento da vantagem do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o candidato de oposição Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entre a população evangélica.
Bolsonaro dobrou a margem em relação a Lula entre os levantamentos realizados pelo Ipec no Estado nos dias 2 e 15 de setembro. Na primeira pesquisa do mês, o atual presidente tinha 45% da preferência desses fiéis contra 35% do petista — o equivalente a 10 pontos de dianteira. Na rodada mais recente, o concorrente do PL subiu a 52%, enquanto Lula oscilou para 32%, o que deixou uma diferença de 20 pontos percentuais entre ambos.
O impacto desse voto religioso só não é mais significativo no resultado geral das pesquisas porque o universo evangélico é menor no Rio Grande do Sul em comparação ao restante do país. Enquanto essa fatia fica em torno de um quinto da população em solo gaúcho, chega a superar 30% em nível nacional de acordo com estimativas mais recentes. A atualização do Censo Demográfico, atualmente em curso, deverá trazer dados mais precisos.
Em razão dessa expansão religiosa mais moderada, Lula seguia numericamente à frente de Bolsonaro na sondagem Ipec de 15 de setembro quando se leva em conta todos os eleitores gaúchos, com 40% a 39% — o que configura empate técnico.
O doutor em antropologia social e pesquisador da religião Marcelo Tadvald avalia que o Rio Grande do Sul não tem líderes evangélicos do mesmo porte de representantes de outros Estados como Rio de Janeiro ou São Paulo, o que, em tese, poderia até dificultar a orientação do voto em um ou outro candidato. O cientista político Paulo Peres considera, porém, que a forte presença religiosa em nível nacional em meios de comunicação tradicionais e capilarizados, como TV e rádio, e a proliferação de discursos alinhados politicamente pelas redes sociais acabam compensando a pulverização das lideranças regionais.
Igrejas avançam no Congresso e reforçam "clivagem religiosa" no pleito
O crescimento dos evangélicos entre a população tem sido acompanhado por um salto no tamanho e no grau de influência da bancada vinculada às igrejas desse segmento no Congresso Nacional. A eleição de 2018 resultou em uma nominata recorde de 84 deputados federais e sete senadores, segundo levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Esse contingente de parlamentares alinhados por questões de fé representa 16% da Câmara e 9% do Senado Federal.
Conforme as análises do Diap, constituído por entidades sindicais de todo o país, a bancada evangélica vem crescendo a cada legislatura. Em comparação com a eleição de 2006, por exemplo, a presença dos parlamentares ligados a alguma dessas denominações religiosas se multiplicou 2,5 vezes. O departamento estabelece como critérios para incluir deputados e senadores nessa classificação quando ocupam cargos nas igrejas, como pastores, sacerdotes e missionários, ou demonstram atuação política fortemente alinhada a alguma delas. Esses políticos não atuam de forma completamente homogênea, mas há bandeiras predominantes como o combate à descriminalização do aborto, outros temas ligados à pauta de costumes, e questões paroquiais como benefícios fiscais e concessões de canais de comunicação.
A Assembleia de Deus é a denominação com o maior número de parlamentares eleitos na eleição passada, com 27 nomes, seguida pela Universal (17) e pela Batista (oito). Na análise por Estados, São Paulo vem em primeiro lugar, com 18 representantes. O Rio Grande do Sul figura empatado com a Bahia em quarto lugar, com cinco parlamentares.
O Brasil, que tradicionalmente nunca foi dividido em clivagens sociais do ponto de vista eleitoral, começa a mostrar que estamos avançando para uma possibilidade de clivagem religiosa. Há uma divisão entre os católicos, mas em sua maioria talvez até tenham uma posição mais de centro-esquerda, enquanto a maioria dos evangélicos fica na centro-direita ou na direita.
PAULO PERES
Cientista político e professor da UFRGS
O cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Peres lembra que a eleição de parlamentares é um dos pilares do avanço evangélico sobre a política nacional, mas não o único.
— No STF, recentemente, o Bolsonaro nomeou um ministro evangélico. O Ministério da Educação passou a ter controle dessas lideranças religiosas. Os evangélicos também estão no Centrão, que desde 2016 ganha força e atualmente é muito poderoso — afirma Peres.
O cientista político observa ainda que o cenário atual pode consolidar uma "clivagem religiosa" na política brasileira, ou seja, uma configuração do debate político e eleitoral baseada na fé — seja ela evangélica, católica ou afro-brasileira, entre outras.
— O Brasil, que tradicionalmente nunca foi dividido em clivagens sociais do ponto de vista eleitoral, começa a mostrar que estamos avançando para uma possibilidade de clivagem religiosa. Há uma divisão entre os católicos, mas em sua maioria talvez até tenham uma posição mais de centro-esquerda, enquanto a maioria dos evangélicos fica na centro-direita ou na direita — analisa o cientista político.