Um dia após surpreender e liderar o primeiro turno à prefeitura de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB) manteve rotina agitada: são apenas mais duas semanas de disputa com Manuela D’Ávila (PCdoB).
Nesta segunda-feira (16), Melo reuniu aliados para discutir estratégias. Mais cedo, ele recebeu apoio de Gustavo Paim (PP). Agora, espera buscar apoios de ex-candidatos como Valter Nagelstein (PSD) e João Derly (Republicanos). Juliana Brizola (PDT) também será procurada.
Nesta entrevista, Melo fala sobre suas prioridades caso eleito, privatizações e relações políticas com o bolsonarismo.
O senhor fala em reabrir todas as atividades econômicas em 1º de janeiro. Poderia citar especificamente quais seriam?
Te dou um exemplo: o setor de eventos está muito mal. Não adianta eu abrir uma casa de eventos em que cabem 300 pessoas e permitir dez lá dentro. As academias estão funcionando, mas pode ter protocolo revisado, com mais pessoas fazendo no mesmo horário. São revisões de protocolos que você pode fazer. Não tem dificuldade para um bar, dentre os que não tem algazarra, funcionar até mais tarde. Qual o problema de quem quer comer um churrasco no Barranco às duas da madrugada? Não vou tratar de costumes na cidade. Essas atividades e outras eu pretendo reabrir, com os protocolos necessários.
Está na hora de tratar disso. Já temos Estados brasileiros que estão fazendo, não temos que inventar a roda. Grêmio e Inter são paixões de nossas vidas. Vamos analisar, com certeza.
Como o senhor apresenta um discurso mais liberalizante, somado ao aumento recente de casos, não se corre um risco excessivo de a população relaxar na prevenção e a situação degringolar?
A saúde, sim, em primeiríssimo lugar, mas a economia precisa estar junta nessa decisão. A população de Porto Alegre me conhece o suficiente para saber que não será com 62 anos, com a experiência que adquiri, que serei um prefeito irresponsável para colocar em conflito a vida das pessoas. Tudo que é essencial para a cidade precisa ser levado em conta. A UTI é importante, mas para quem não tem o prato de comida, isso também é importante. Para quem montou negócio e está trabalhando enlouquecidamente para não quebrar, isso também é essencial. As coisas precisam ser equilibradas e eu vou ser o prefeito do equilíbrio. As decisões serão tomadas com base na ciência. Penso que muitas das decisões daqui, mesmo ditas em nome da ciência, foram decididas na política.
Se o debate no segundo turno for nacionalizado, o senhor poderá se posicionar como o candidato alinhado ao presidente Jair Bolsonaro?
Eu sou candidato a resolver a melhoria da saúde de Porto Alegre, tapar os buracos nas ruas, começar um programa de creche noturna, captar água para quem não tem. Prefeito não pode se envolver com questões ideológicas, ele tem de resolver problemas. Meus temas são locais.
O senhor, se eleito, pensa em privatizar companhias municipais como o DMAE e a Procempa?
As coisas precisam ser equilibradas e eu vou ser o prefeito do equilíbrio. As decisões serão tomadas com base na ciência.
SEBASTIÃO MELO
O marco regulatório que o Congresso aprovou estabeleceu regramentos. Eu acho que Porto Alegre terá de adotar uma agência reguladora. Temos hoje 60% de esgoto tratado, tem capacidade instalada para aumentar um pouco mais, mas eu serei um prefeito de muitas parcerias público-privadas (PPPs). Entre as parcerias que quero fazer, está o tratamento de esgoto, a captação de água, a saúde e as creches comunitárias. Manter a nossa iluminação pública, uma PPP que começou lá atrás e foi concretizada no governo do atual prefeito. E está correta. Eu vou chamar a empresa para conversar se ela pode antecipar a troca das lâmpadas LED. São 100 mil pontos de lâmpadas na cidade de Porto Alegre. Mas não pode trocar lâmpada só na Ipiranga, na Assis Brasil e na Protásio Alves. Tem de trocar também no Campo da Tuca, no Belém, no Sarandi, nas ilhas. Fazer um troca parelha na cidade. O nosso governo será de muita PPP. E essa é uma diferença fundamental com a minha concorrente, que é defensora contumaz do estatismo.
E a Procempa?
Te falo sobre a Procempa e a Carris. Eu vou chamar as operadoras privadas e a Carris para uma mesa de negociações e vou repactuar a licitação (do transporte coletivo). A licitação atendeu a legalidade, mas não os interesses do cidadão. Hoje tem falta de linha, falta de horário, ônibus sujo ou que anda vazio em horário de pouco passageiro. Existe um marco legal que permite mexer na licitação para atender o cidadão. Eu vou fazer isso. E a Carris vai estar nessa mesa. Por que eu boto dinheiro público só na Carris e não nas outras do sistema? Na pior das hipóteses, então o dinheiro que se bota na Carris, se bota no sistema. Por que só uma empresa é deficitária? Não estou dizendo que vou privatizar a Carris. Isso depende de um procedimento. O atual prefeito se elegeu com essa tese, mas não fez. Eu preciso resolver o problema do transporte. Se, na repactuação, eu tiver de abrir o capital da Carris, privatizar a Carris, eu estou aberto. Mas não se resolve mexendo só na Carris.
Quanto à Procempa, penso que ela não está cumprindo o seu papel de desenvolver tecnologia na cidade e atender o seu cliente, que é a prefeitura. Não pode ter um governo do carimbo, da papelada, sendo que temos uma companhia de processamento de dados em Porto Alegre. A Procempa precisa de uma agenda de melhorar a tecnologia na gestão, na saúde, na Fazenda, na arrecadação de tributos. Eu pretendo sentar com a Procempa e dizer o seguinte: o cardápio que eu quero é esse. Se não pode atender, está bom, vamos ao mercado. Se puder atender, é com a Procempa que eu quero comprar.
Se o prefeito for ao mercado buscar produtos, a Procempa vai existir para quê?
Ela pode ser a gestora da tecnologia. Talvez a solução de implantação possamos buscar no mercado. Não tem conflito nisso.
O senhor criticou Marchezan por acabar com a segunda passagem gratuita para os trabalhadores no transporte público. Hoje Porto Alegre já tem a tarifa mais cara do Brasil, mesmo com essa redução de R$ 0,15 no meio da campanha. Se voltar a segunda passagem, vai ter impacto no preço. Cogita subsidiar o transporte público?
A crítica que eu fiz é que foi tirada a segunda passagem em 2017 e, quando faltam dias para a eleição, tu vai lá e tira R$ 0,15 centavos por conta de uma decisão que tinha sido tomada 90 dias atrás. Foi eleitoreiro. Foi essa a minha crítica. Não vejo condição de voltar a segunda passagem. O que vou fazer é repactuar. E nacionalmente vou tentar convencer os homens públicos do Brasil que precisamos criar o SUS do transporte público. Quando um cidadão não tem dinheiro para ir a um médico, todos nós pagamos para ele ir através dos tributos. Hoje quem financia o pobre que anda de ônibus é o próprio pobre. Precisa de um fundo nacional de mobilidade urbana. O governo federal vai ter de tirar de algum lugar. E retirar os impostos das cadeias produtivas do ônibus. Não tem milagre.
Quando o senhor era vice-prefeito, a gestão tinha um grande projeto que, apesar das tratativas, não saiu do papel pelos altos custos: o metrô de Porto Alegre. Se eleito, o senhor pretende retomar algum projeto de maior porte ou está tudo arquivado por falta de dinheiro?
Hoje quem financia o pobre que anda de ônibus é o próprio pobre. Precisa de um fundo nacional de mobilidade urbana. O governo federal vai ter de tirar de algum lugar.
SEBASTIÃO MELO
O desejo de ter um metrô leve, de superfície, tem que estar no nosso programa. Agora dizer que vou escavar a cidade, fazer um metrô subterrâneo, não tem dinheiro e não está nos meus planos. Teria de ser um projeto mais barato em modelo de PPP. E não vejo hipótese de dinheiro federal para isso. Te dou um exemplo: o trecho da orla 1 está pronto, o trecho 3 está encaminhado. Imagina arrumar um investidor que ligue o Centro Histórico de Porto Alegre até o Barra Shopping, aproveitando os estacionamentos que temos no Marinha, no Harmonia. Planejamento urbano é a alma da cidade.
O senhor foi oposição à ditadura. Em 2016, teve como candidata a vice a Juliana Brizola (PDT) e, em 2018, o senhor não acompanhou o MDB gaúcho no apoio a Jair Bolsonaro. Como justificar o novo Melo e a sua ampla aliança com a direita, incluindo o bolsonarismo, os conservadores e os liberais?
É a pergunta mais fácil de responder. É o Melo do diálogo. O Melo que amadureceu. É preciso buscar parcerias para governar. O Brasil precisa de um choque de capitalismo verdadeiro, com proteção social. A aliança que fizemos é de projeto. Em 2016, havia uma aliança montada, o PDT era o prefeito, mas se olhar o meu programa de governo daquela eleição, vamos ver que essas teses que eu defendo hoje, todas estavam lá. Mas o problema é que eu tinha uma vice com tendência mais à esquerda, então o que fica no imaginário de vocês (jornalistas) e da população é que o Melo é um cara de esquerda. Não. O Melo é um democrata. Junto de Pedro Simon e tantos outros lideramos a luta pela democracia no país. E faria tudo de novo. As pessoas só olham quando o Melo sentou numa mesa que tinha uma bandeira de Cuba atrás, mas não olham o Melo que trabalhou numa lancheria para ralar, que saiu lá do interior de Goiás e andou cinco dias de ônibus para chegar aqui, carregar caixa na Ceasa, se tornar advogado, vereador, vice-prefeito e deputado. Eu acredito no diálogo.