Uma tentativa fracassada de aliança em bloco, interesses partidários e projetos pessoais conflitantes pavimentaram o caminho que separou e uniu José Fortunati (PTB) e Sebastião Melo (MDB) na disputa pelo Paço Municipal em 2020. Após desencontros, mágoas, intrigas e uma decisiva ação judicial que colocou em xeque a chapa do PTB, os dois passaram para o mesmo lado depois de Fortunati renunciar à disputa e, num rápido desenlace, nesta quinta-feira (12), manifestar apoio explícito, pedindo que seus eleitores votem em Melo.
A história começa ainda nas primeiras semanas de 2020, quando os partidos MDB, PTB, PP, DEM, Cidadania e SD, entre outros menores, tentavam formar um blocão para enfrentar Manuela D’Ávila (PCdoB) e o prefeito Nelson Marchezan (PSDB), candidato à reeleição.
Praticamente todos tinham seus pré-candidatos à prefeitura, mas mantiveram a negociação para tentar um acordo. Fortunati estava em Portugal à época, fazendo um mestrado em Ciência Política. Ele regressou ao Brasil em 19 de março, pouco antes do fechamento do aeroporto lusitano por conta da pandemia, e 10 dias depois assinou ficha no PTB, encaminhando a sua candidatura de forma considerada abrupta por políticos que participavam do processo.
Antes parceiros entre 2013 e 2016, quando Fortunati e Melo governaram juntos Porto Alegre como prefeito e vice, agora eles estavam em lados opostos. Seriam adversários porque o MDB não abria mão da candidatura de Melo e, ao que tudo indicava, disputariam os mesmos filões do eleitorado. Isso levou emedebistas a avaliarem, nos bastidores, que Fortunati tinha voltado de Portugal para “melar” o Melo, em um trocadilho com o sobrenome do emedebista. No jogo de poder, estava posta a tensão.
— O objetivo desde o início era criar uma frente que incluísse o bloco do Melo, do Fortunati, do Paim (Gustavo, do PP). Só que, no meio disso, vieram questões pessoais e partidárias que se tornaram maiores. Quando alguém chega e já se posiciona como candidato a prefeito, fecha uma porta. Começou o estresse na relação com todos. Os partidos tinham pré-candidatos, mas não havia imposição, diferente do que aconteceu com a chegada e o lançamento do Fortunati — avalia o vereador Claudio Janta (SD), que levou seu partido a apoiar Melo diante do racha do pretenso blocão.
DEM e Cidadania cederam e resolveram apoiar Melo, mas PTB e PP decidiram seguir rumos opostos em candidaturas próprias. Quando desembarcou no aeroporto de São Paulo, aguardando avião para retornar a Porto Alegre, Fortunati revelou à colunista Rosane de Oliveira que estava sendo “cantado adoidadamente” pelo PTB para chegar à Capital e concorrer à prefeitura novamente. Neste contexto, é apontada como decisiva a influência de Regina Becker (PTB), esposa de Fortunati, para que o “Magrão” acalentasse o sonho de voltar à Praça Montevidéu.
— Mais do que tensão entre o Melo e o Fortunati, acredito que tudo o que aconteceu se deve à pressão para fazer bancada de vereadores. Isso determinou muitos partidos a terem candidato a prefeito. O PTB tem uma nominata grande para a Câmara e precisava de um bom nome para prefeito. É lógico que, tendo um bom candidato, aumenta a chance de fazer mais vereadores — avalia o vereador Idenir Cecchim (MDB), experiente político da Capital.
Para o emedebista, o ex-prefeito era o mais cauteloso dentre os envolvidos no lançamento da sua candidatura, mas acabou cedendo aos apelos do partido.
— Acho que o Fortunati não tinha intenção de concorrer no início, ele não demonstrava essa vontade quando voltou. Pesou o apelo do PTB — analisou.
Presidente do PTB de Porto Alegre, Everton Braz rechaça a hipótese de ruptura tensa. Para ele, sempre houve um entendimento de que cada partido tinha o direito de ter candidatura própria. Ele recorda que, antes do ingresso de Fortunati no circuito, o partido atuava com a ideia de lançar novamente o deputado federal Maurício Dziedricki (PTB) à prefeitura, de bom resultado eleitoral em 2016.
— As coisas andaram bem até o momento em que os partidos começaram a ter pesquisas, cada um achando que poderia ter a cabeça de chapa. Chegou num momento que não havia mais condições de fazer (o bloco). O MDB tinha muita convicção na candidatura do Melo e nós, na do Fortunati. Mas não houve acirramento, sempre foi cordial o trato — assegura Braz.
O fato é que Melo e Fortunati, antigos aliados, foram bater chapa em um dos pleitos mais disputados da história da Capital, em uma luta voto a voto entre os dois e mais o prefeito Marchezan por uma vaga no segundo turno.
O que aconteceu depois ainda não está totalmente esclarecido, mas marcou a eleição para a história. Um candidato a vereador do pequeno PRTB, da chapa de Melo, ingressou com recurso judicial para impugnar a candidatura do vice de Fortunati, André Cecchini, que havia migrado do DEM para o Patriota, por filiação partidária fora do prazo. No dia 9 de novembro, menos de uma semana antes da votação de primeiro turno, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) acatou a petição por unanimidade e não havia mais tempo legal para a substituição do vice. Fortunati tinha duas opções: tentar concorrer baseado em recursos judiciais, correndo o risco de ter todos os seus votos anulados, ou renunciar.
Seu primeiro ímpeto foi reagir: acusou o TRE de golpe por julgar a ação quando ele não poderia mais substituir o vice e disse que questionaria a decisão na Justiça. Mas, diante da situação crítica a poucos dias do pleito, recuou. No dia 11 de novembro anunciou a renúncia. Horas depois, o PTB recebia Melo com festa no seu comitê e, nesta quinta-feira (12), Fortunati obedeceu ao partido e pediu votos para o antigo parceiro do MDB.
Candidato de primeira viagem pelo PRTB, Luiz Armando de Oliveira nega que tenha ingressado com o recurso por motivações políticas. Por telefone, disse à reportagem que a iniciativa partiu exclusivamente dele e de seu advogado — especialista em direito eleitoral, de São Paulo —, após uma “varredura” nas candidaturas à prefeitura de Porto Alegre.
— Cabe aos vereadores fiscalizar, e eu sou candidato a vereador. Dentro disso, fiz uma varredura para comprovar se estão concorrendo em igualdade de condições. Não houve nenhuma motivação política, não existiu intenção nenhuma de golpe — disse o candidato a uma vaga na Câmara Municipal.
A retórica de Oliveira não soou convincente nos bastidores políticos. Regina Becker atribuiu à candidatura de Melo a manobra que derrubou o seu marido da disputa. Em desabafo, disse ter sensação de “tristeza” ao ver a iniciativa ter partido de um antigo aliado, o que é negado pelo MDB.
Passando de candidato muito competitivo em um segundo turno contra Manuela à carta fora do baralho, Fortunati evitou culpar o emedebista pelo indeferimento. Não descartou, porém, o envolvimento do DEM, partido de Ricardo Gomes, vice da chapa de Melo, na articulação:
— Não acredito que o Melo tenha a ver com isso. Acho que (o candidato que ingressou com recurso) foi testa de ferro do próprio DEM, que estava magoado porque o André (Cecchini) tinha entrado e saído do partido — disse, horas após anunciar a renúncia.
Pivô do processo que resultou na retirada da candidatura de Fortunati, Cecchini ingressou no DEM em 2019, incentivado pelo deputado estadual Thiago Duarte, seu colega e amigo pessoal. Nutria planos de concorrer a um cargo executivo, mas, sem espaço no partido, saiu para se filiar ao Patriota em meados de 2020.
Fortunati resolveu acatar a determinação do PTB e abriu apoio a Melo, mesmo com as desconfianças pairando no ar. Um dos advogados que trabalha para Marchezan chegou a acusar um colega vinculado à campanha de Melo de oferecer documentos que embasassem o questionamento da candidatura de Cecchini, os quais acabariam nas mãos do candidato a vereador do PRTB após alegada negativa do PSDB em levar o caso adiante. O MDB refuta a versão.
— Por linhas tortas, aconteceu esse entendimento maior que é muito importante. O pessoal do Fortunati e do PTB está muito engajado — diz o emedebista e vereador Cecchim.