Um dia depois de vencer a eleição à prefeitura de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB) engatou nova agenda cheia. Concedeu diversas entrevistas e encontrou o atual prefeito Nelson Marchezan para iniciar o processo de transição de governo, que será mais curto neste ano.
Ainda meio “zonzo” com tantos compromissos e poucas horas dormidas, Melo discorre nesta entrevista sobre os planos para os próximos dias e o início da gestão, em 1º de janeiro de 2021.
Confira abaixo os principais trechos da conversa de 40 minutos.
Após a vitória, o senhor falou em tratar com o governador Eduardo Leite sobre o Cais Mauá. O que exatamente o senhor pretende discutir?
Vou cuidar de todos os bairros, mas quero cuidar primeiro do Centro. Tem desafios no Centro que saltam aos olhos. O Mercado Público é um deles. O Viaduto Otávio Rocha é outro. Aquele edifício, o esqueleto da Marechal Floriano, é outro. E o Cais Mauá. A cidade elevou seu alto astral com o trecho 1 da Orla. Estamos construindo o trecho 3, temos de fazer o trecho 2 e, ali, não abro mão de uma marina. E o Cais Mauá, vamos combinar, 30 anos que não sai do papel. Vamos fazer um santo caseiro. Vou dizer ao governador: “O que o senhor precisa da prefeitura para fazer um santo caseiro?”. O que é um santo caseiro? Qualquer coisa que acontecer lá é melhor do que ficar fechado. Sei que tem uma competência do Estado, que dificilmente o Estado vai abrir mão disso. Mas, se o governador topar passar a gestão da área para a prefeitura, eu toparia pegar. Se ele não quiser, vou me colocar ao lado dele para ver no que posso ajudar. Do jeito que está, não dá.
Na prática, o que seria o santo caseiro?
Se o governador quiser fazer a gestão com o governo local (prefeitura), eu topo. Uma cogestão. A licença (para abertura de negócios) vai ser para o outro dia. O Cais está na cidade de Porto Alegre. O maior interessado tem de ser o prefeito. As melhores cervejas do Brasil, hoje, estão em Porto Alegre. Transforma um galpão daqueles numa cervejaria artesanal. Pega uma vinícola para assumir um galpão também. É claro que vai dar certo. O santo caseiro é não inventar a roda: "Vou fazer um edifício de 72 andares". Aí tem o licenciamento, vem o ambientalista, vem a audiência pública. Sabe quando vai acontecer? No dia em que eu não for mais prefeito da cidade.
Se o governador topar passar a gestão da área (do Cais Mauá) para a prefeitura, eu toparia pegar.
Os casos de covid-19 seguem se multiplicando e as UTIs dos hospitais estão próximas da lotação. O senhor se elegeu assegurando que não fechará a economia em hipótese alguma. Se essa onda atual de contágio se agravar, o senhor não tem receio de, logo no primeiro ano de mandato, se tornar um prefeito de Milão? Ele até apoiou o slogan "Milão não para". Depois, com milhares de corpos pela cidade, se arrependeu. Ele entrou para a história por isso.
O mundo não adotou atitude única sobre a questão do covid-19. A Argentina fez isolamento e tem resultado que não é bom na pandemia. Prefiro um operário trabalhando com máscara, com luva, do que deixar esse operário que mora lá na periferia, numa residência pequena, com família, com um isolamento social que ele não tem. Até porque existem as ações controladas, que podemos controlar com os setores produtivos. E tem as manifestações não controladas na cidade. E sabemos que acontecem. Ou não tem festa acontecendo em Porto Alegre? Algumas são descobertas. E aquelas que não são descobertas? Existe a hierarquia das leis. Tu achas que eu, sendo advogado, que fui conselheiro da OAB, vou rasgar um decreto do governador? Ou vou dizer que não vou cumprir? Não. Posso até recorrer. Esse equilíbrio entre economia e saúde temos de fazer. Não vou cometer ato que vai colocar em risco a população. Não esperem isso de mim. Vamos tomar as melhores decisões. Não teremos um prefeito irresponsável.
O senhor foi um vice-prefeito que teve espaço para atuar. O que planeja delegar ao seu vice eleito, Ricardo Gomes (DEM)?
Penso que o Ricardo é um quadro de altíssima qualidade. Ele vai ter muitas funções delegadas, entre elas cuidar do desenvolvimento econômico, do licenciamento mais rápido, de um governo mais digital, o que eu quero que ele coordene. Precisamos de gestão mais tecnológica, com autolicenciamento. Nos grandes empreendimentos, queremos unificar o licenciamento. Quero também propor uma lei para credenciar escritórios que possam fazer licenciamento. O Ricardo terá papel balizador no desenvolvimento econômico da cidade. Esse é o carro-chefe da gestão.
Considerando os partidos que lhe apoiaram no segundo turno, ter uma base aliada numerosa na Câmara não será problema. Mas, com uma base grande, a sua reforma administrativa terá de ampliar o quadro de secretarias?
Não vou aumentar a máquina pública, nem que a vaca tussa. Uma reforma administrativa só tem sentido se melhorar a entrega de serviços na cidade. É evidente que vai ser um governo de composição na política. É melhor dizer isso claramente. Por que o governador Eduardo Leite fez mudanças como permitir a venda da CEEE? Ele compôs um governo. E o Melo vai compor um governo. Agora, tem setores do governo, como Educação, Saúde e Fazenda, em que os partidos, se tiverem quadros bons, que indiquem. Mas não vou aceitar indicação para a Fazenda, que vai cuidar do caixa da prefeitura, se não for um quadro extraordinário.
Não vou aceitar indicação para a Fazenda, que vai cuidar do caixa da prefeitura, se não for um quadro extraordinário.
O senhor vai compor na política dentro do número de estruturas existentes hoje, sem acréscimos, isso?
Jamais. Por exemplo: ter uma secretaria da questão animal ou do esporte e lazer? O importante é ter políticas públicas nessas áreas. Quero ter estrutura nessas duas áreas, mas não precisa necessariamente ser uma secretaria. Não podemos ter essa quantidade de campos de futebol abandonados, centros comunitários abandonados, as pessoas não tendo áreas de lazer. Tem que ter o mínimo de orçamento para isso. Tudo tem de ser sopesado, mas não pretendo aumentar o governo para acomodar partidos políticos.
O senhor tem clareza sobre o primeiro setor ou companhia da prefeitura em que pretende lançar edital de concessão, de PPP ou de privatização?
Mercado Público eu quero entregar para os permissionários em seguida. Se eles toparem botar o dinheiro, é com eles que vou fazer. Se não toparem, vou ver alternativa. Parque Maurício Sirotsky Sobrinho foi lançada licitação, não tem motivo para mexer.
De quais quadros o senhor não abre mão de contar na sua equipe de governo?
Não abro mão de bons quadros dos partidos políticos. Os partidos indicam e eu vou escolher.
José Fortunati (PTB) foi importante para a sua vitória. Apoiou o senhor mesmo depois de toda a polêmica que levou à renúncia da candidatura. Há algum compromisso com Fortunati?
Fortunati é um grande quadro, grande parceiro, foi um grande prefeito. Assim como o (ex-prefeito José) Fogaça. Agregamos algumas pautas que vieram do PTB. Uma delas, que o Fortunati sempre me falou muito forte, foi cuidar dos animais. Quero discutir com ele esse tema dos animais, entre outros. Ele também pediu para eu conversar com o pessoal do Imesf (Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família, extinto após decisão do Supremo Tribunal Federal). Fortunati é um belíssimo conselheiro.