A reunião tinha se encerrado havia poucos minutos na sede do MDB naquele turbulento final dos anos 1970 em Porto Alegre, época em que a ditadura militar começava a dar sinais de esgotamento. Recém eleito senador, Pedro Simon chamou alguns amigos de canto e comentou a performance de um jovem militante de sotaque esquisito.
— Ele falava, gesticulava, debatia. Eu chamei uns companheiros e disse: “Que rapaz interessante aquele, bem articulado, assertivo”. Estava claro que ali surgia uma nova liderança do MDB — comenta Simon, hoje aos 90 anos de idade.
A vivacidade que encantou a maior estrela emedebista partira de Sebastião Araújo Melo, um estudante secundarista que havia trocado a vida na roça em Piracanjuba, município de 24 mil habitantes no interior de Goiás, pela efusiva cena política da capital do Rio Grande do Sul. Filho de Lázaro e Maria José, um casal de pequenos agricultores que mantinham sete filhos com uma produção de subsistência, Melo não queria seguir o mesmo destino dos pais.
Tinha vontade de estudar, vocação política, repulsa à ditadura e pouca simpatia aos grandes fazendeiros filiados à Arena em sua cidade natal. Mal completou 18 anos, partiu para João Pinheiro, em Minas Gerais, onde conseguiu emprego em uma ferragem. A cidade era maior, com quase o dobro de habitantes do que a terra natal, mas não o suficiente para amainar suas ambições.
Em Piracanjuba, Melo era amigo de um casal de gaúchos que viviam escutando Gildo de Freitas e Teixeirinha, comendo carreteiro e comentando como era lindo o Rio Grande. Decidido a arriscar a sorte, no início de 1978 ele juntou algumas mudas de roupa, parcas economias e partiu para Brasília. Na capital do país, comprou uma passagem da Penha e rumou a Porto Alegre, onde chegou em 16 de fevereiro.
Com pouco dinheiro e sem conhecer ninguém na cidade, foi indicado a procurar a Casa do Estudante, na Rua Riachuelo, mas não era universitário e só encontrou abrigo em um casarão da Fernando Machado. O local era uma espécie de república, com várias pessoas vivendo coletivamente. Melo conseguiu um colchão emprestado e se acomodou em uma cozinha abandonada no segundo andar.
Logo conseguiu emprego de balconista numa lanchonete do Viaduto Otávio Rocha, reforçou o orçamento carregando caixas de verduras de madrugada na Ceasa, matriculou-se no Colégio Marechal Floriano para concluir o Ensino Médio e procurou uma pequena sala que o MDB mantinha nas proximidades do Mercado Público.
Eloquente e com facilidade para arregimentar pessoas, Melo galgou espaços no partido. À época, ele havia conhecido Maria Angélica Andrade, filha de um coronel de Brigada Militar por quem se apaixonou. Juntos, ele abriram uma fruteira e uma empresa de venda de material de construção, a Melo & Andrade Representações Ltda. Em 1981, nasceu seu primogênito, Pablo. Dois meses depois, formalizou a filiação ao partido já mirando o pleito de 1982, quando concorreu a vereador. Com 1.498 votos, Melo ficou de 21º suplente entre os 63 candidatos do MDB. Embora insuficiente, a votação foi considerada boa para um debutante em eleições.
A consagração interna viria em 1985. Porto Alegre havia deixado de ser zona de segurança nacional e teria sua primeira eleição direta para prefeito durante a ditadura. No MDB, havia dois postulantes, José Fogaça e Carrion Júnior. O partido realizou uma prévia e toda a cúpula partidária trabalhava para Fogaça. Melo ficou com Carrion, encarregado de organizar a campanha na zonal 114, que abrangia do centro ao extremo sul da Capital. A vitória avassaladora de Carrion na região, por cerca de 500 votos de diferença, garantiu a ele a cabeça de chapa. Com Fogaça de vice, Carrion acabaria perdendo aquela eleição para Alceu Collares (PDT), mas Melo granjeou prestígio como exímio articulador eleitoral.
— Melo tinha uma militância muito efetiva e naquela eleição isso ficou claro. Ele circulava muito, tinha comando e liderança — pontua Fogaça.
A experiência exitosa levou Melo a tentar novamente a vereança em 1988. Fechadas as urnas, ele obteve 1.532 votos, praticamente o mesmo desempenho de 1982, e ficou de fora mais uma vez.
Quatro anos mais tarde, já separado de Maria Angélica e estabelecido como advogado após cursar Direito pela Unisinos — onde também estudou um ano de Economia —, Melo visitava uma amiga na Zona Sul quando foi levado para conhecer uma família que morava na vizinhança.
— Valéria, vem cá! Quero te apresentar esse moço. Ele é candidato e eu falei para ele que essa casa é cheia de mulher — gritou dona Ivane Dreher.
Aos 30 anos, a publicitária Valéria Leopoldino recém havia se separado do marido e tinha se mudado de São Carlos, no interior de São Paulo, por Porto Alegre. Na ocasião, morava na Tristeza mas estava visitando a mãe e as quatro irmãs no Guarujá. Valéria não gostou da forma como a vizinha introduziu o estranho na casa, tampouco do sorriso farto que ele chegou exibindo.
— Melo era molecão, toda pinta de paquerador. E eu toda certinha, mal tinha saído de um casamento, não queria saber de namoro. Não dei lado, mas ele ficava pedindo ajuda na campanha e eu palpitava em tudo. A gente passava aos noites ao telefone. Uma noite, depois de um evento, tomei a iniciativa e dei um beijo nele. Mas não deixei subir para o meu apartamento — relembra Valéria.
Apaixonado e feliz, Melo enfrentou sua terceira eleição. A performance melhorou, mas seguiu insuficiente, com 2.773 votos. No partido, um acordo prévio o levaria à presidência do diretório metropolitano, mas ele cedeu a vaga a Cezar Schirmer, derrotado no segundo turno por Tarso Genro (PT) na disputa pela prefeitura. Melo se tornou primeiro-secretário e acabou assumindo o comando da legenda em 1995. No ano seguinte, nova frustração na urnas, embora tivesse dobrado a votação, alcançando 5.735 votos.
— Tinha um senhor na Vila Nova que gostava muito de mim mas dizia que não iria mais me dar o voto: “Melo, tu só perde eleição, quero votar em alguém que ganhe” — conta o emedebista.
A felicidade maior estava reservada para datas cabalísticas de 2000. Em 10/01, nasceu João Arthur, seu filho com Valeria. Em 01/10, Melo fez 4.946 votos, o terceiro menos votado entre os 36 eleitos, mas garantiu o primeiro mandato de vereador. Seria reeleito em 2004, com 8.525 votos, e mais uma vez em 2008. Trinta anos depois, o guri que chegara de Piracanjuba trazendo a vida numa mala de papelão rompia a marca dos 10 mil votos e se tornou o terceiro vereador mais votado da Capital.
A capacidade de articulação e de produzir consensos o guindaram duas vezes à Presidência da Casa, vitrine que motivou ambições maiores. Concorreu a deputado em 2010, sem sucesso, mas em 2012 foi eleito vice-prefeito na chapa de José Fortunati (então no PDT, hoje no PTB). À época, sofreu fortes ataques de um então correligionário, o também vereador Valter Nagelstein, hoje no PSD e que cobiçava a vaga de vice.
— Valter é daqueles políticos que sempre acham que é a vez dele — reagiu.
Melo consolidou sua presença constante na periferia da cidade e atuou em momentos críticos, como o incêndio do Mercado Público, em 2013, e o tornado que assolou Porto Alegre em 2016. No mesmo ano, concorreu a prefeito, liderando uma aliança de 14 partidos. Todavia, a robusta máquina eleitoral foi solapada por Nelson Marchezan (PSDB), um candidato jovem e que aparecia na TV caminhando com vigor para defender "uma nova atitude para um novo tempo".
Representando uma coalizão que governava Porto Alegre desde 2004, Melo mostrava uma oratória confusa, dizendo ser "o candidato da mudança e da continuidade". No segundo turno, temendo a rejeição ao presidente Michel Temer, seu colega de partido, se aproximou da esquerda e, em troca do apoio do PCdoB, assinou um manifesto contra medidas de controle fiscal, como o teto de gastos. Perdeu e, sem mandato, voltou à advocacia.
Melo se elegeu deputado estadual em 2018, mas jamais deixou de sonhar com o principal gabinete do Paço Municipal. Para concorrer novamente, superou quatro postulantes dentro do MDB e reposicionou o discurso. A aliança de centro-esquerda em 2016, que tinha o PDT de vice, agora tem o DEM na chapa e um flerte com o bolsonarismo. Contrariando as projeções de todas as pesquisas e inclusive da própria equipe, venceu o primeiro turno impulsionado pela desistência de Fortunati a poucos dias da eleição.
Em casa, Valéria, Pablo e João Arthur não veem a hora de Melo apaziguar a rotina e relaxar longe da política, mesmo que seja dormindo no sofá no meio do filme em família. Mas de preferência na cozinha, onde veste dólmã e chapéu de cozinheiro para exibir os dotes culinários herdados da mãe e aprimorados em cursos profissionais. Longe do fogão, a correria da campanha tem sido severa. No último domingo (22), cercado de apoiadores durante ato no Rubem Berta, abocanhou um churros oferecido por uma ambulante:
— E tá bem bom!