O segundo turno teve início cordial e focado em propostas, mas a situação descambou nos últimos dias de campanha e a disputa pela prefeitura de Porto Alegre foi parar no Palácio do Polícia e deverá render ações na Justiça. No final da manhã de ontem, o candidato Sebastião Melo (MDB) foi à sede da Polícia Civil para registrar boletim de ocorrência contra a adversária Manuela D’Ávila (PCdoB), a quem acusou de ter cometido crime eleitoral e contra a honra em suas inserções de propaganda política.
Melo reagiu a exibições de peças publicitárias da campanha de Manuela na terça-feira, que divulgaram gravações polêmicas. Em resposta ao B.O., Manuela afirmou que o oponente tentava criar um fato eleitoral diante da incapacidade de dizer que discorda das declarações literais de seus aliados.
A candidata se referia a Valter Nagesltein (PSD). Vereador que concorreu a prefeito e foi derrotado no primeiro turno, ele gravou áudio dizendo que vereadores eleitos do PSOL são “muitos deles jovens negros”, “sem nenhuma tradição política, sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho e com pouquíssima qualificação formal”. Nagelstein é um dos apoiadores de Melo no segundo turno.
Manuela também se referiu ao vice-presidente Hamilton Mourão. Ao comentar o assassinato de um homem negro, João Alberto de Freitas, ocorrido no Carrefour, no último dia 19 em Porto Alegre, o vice-presidente da República disse que “no Brasil não existe racismo”. .
Na inserção publicitária, a candidata do PCdoB reproduziu declarações de Mourão e de Nagelstein. Depois, o vídeo mostra uma montagem com imagens de Melo, Mourão, o presidente Jair Bolsonaro e Nagelstein. O locutor da propaganda afirma: “Essa é a turma do Melo. Converse com a tua turma e vote contra o racismo e a favor da igualdade”.
Após a ida de Melo à polícia, Manuela afirmou que processará o adversário com ação de dano moral por injúria e difamação e por denunciação caluniosa.
Nos bastidores da campanha de Melo, a propaganda de Manuela é atribuída ao “desespero” diante da desvantagem dela apontada na pesquisa Ibope divulgada na terça-feira.
– Estou chateado, não esperava isso dela. Tenho relação pessoal boa com a Manuela. Não vou ofender ela pessoalmente, não é o meu estilo. Já esperava que a eleição fosse dura, mas sem pessoalizar. Ela entrou no campo da honra. Se ela tem alguma questão em relação a apoiadores meus, que acha que são racistas, ela que faça o procedimento em relação a eles – diz Melo.
O candidato se disse indignado por conta de sua origem:
– Sou retirante de Goiás, cheguei aqui em 1978, trabalhei em lancheria, carreguei caixa na Ceasa. Convivi com as agruras da vida. Minhas atuações sempre foram pelos que mais precisam, pelos pobres, pelos negros. Ser chamado de racista, para mim, é uma ofensa à honra. Não aceito.
Além de entrar com recurso contra as peças publicitárias no Tribunal Regional Eleitoral, Melo afirmou que irá processar Manuela nas esferas criminal e cível.
À tarde, a candidata concedeu entrevista para a Rádio Guaíba e voltou a tocar no assunto:
– O segundo turno é um debate sobre a verdade. Sobre a verdade relacionada a mim, que sou alvo permanente de mentiras e invenções, e sobre meu adversário. Quero falar sobre quem meu adversário é nesse sentido político. Não invento coisas morais, fake news. Quero apenas que as pessoas saibam o que ele defende.
Na sequência, reforçou as críticas a Melo:
– Tu acompanhaste (dirigindo-se à apresentadora Taline Oppitz) o verdadeiro espetáculo eleitoral criado pelo meu adversário, fazendo boletim de ocorrência e me denunciando na Justiça porque eu teria supostamente o chamado de racista. E ele perdeu, porque é mentira, é factoide eleitoral. O que fizemos foi falar sobre os seus aliados, com as palavras dos próprios aliados falando sobre isso.
Batalhas por pedidos de direito de resposta
Sebastião Melo afirmou que buscaria o direito de resposta em relação às peças publicitárias da campanha de Manuela D’Ávila na Justiça Eleitoral. No início da tarde, o juiz eleitoral da 161ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional, Leandro Figueira Martins, negou, em primeira instância, o pedido de direito de resposta solicitado por Melo.
Na decisão, Martins concluiu que “a propaganda eleitoral, considerando a transcrição, não contém, objetivamente, a existência de qualquer ponderação de natureza ofensiva à honra e à imagem do representante (Melo)”.
Ainda conforme o magistrado, “o que se vislumbra, inquestionavelmente, é um desconforto e um descontentamento” do candidato em relação à crítica de Manuela a partir “das manifestações de pessoas públicas que, no atual momento, o apoiam, envolvendo tema absolutamente sensível (discriminação racial)”.
O juiz deu prazo de um dia para que a defesa se manifestasse e pediu posterior parecer do Ministério Público. A coligação de Melo afirmou que entraria ainda nesta quarta com recurso.
Direito de resposta concedido
Manuela conquistou, na Justiça Eleitoral, direito de resposta de um minuto no programa de Melo na TV. A decisão foi publicada na tarde desta quarta-feira (25) pelo juiz eleitoral da 161ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional, Leandro Figueira Martins. Melo tem até dois dias para apresentar defesa. A campanha eleitoral no rádio e na TV termina nesta sexta-feira (27).
Durante a propaganda de terça-feira (24), Melo acusou Manuela de “falsidade” e “fake news”, atribuindo a sua campanha a divulgação de um áudio vazado, e dizendo que "ganhou na Justiça" uma ação de retirada de notícia falsa do ar que teria sido publicada. A coligação de Manuela disse que não tinha responsabilidade pela postagem que divulgou o suposto áudio vazado, e que, assim, o texto do adversário veiculado na terça-feira (24) não correspondia à verdade.
O juiz Leandro Figueira Martins afirmou, na sua decisão, que a campanha de Melo não conseguiu provar que a autoria do vídeo partiu da campanha de Manuela. “A manutenção da propaganda, nos termos em que veiculada, contendo conteúdo que não representa o fiel retrato da decisão judicial, além nada contribuir para o debate eleitoral, viabiliza o surgimento de prejuízo sem justa causa jurídica, o que pode ser minimizado pelo pronto direito de resposta”, declarou o juiz Martins na sua decisão.
Se não conseguir reverter a decisão, a campanha de Melo terá que conceder, na propaganda eleitoral da TV, direito de resposta de um minuto no horário das 20h30min, com entrega para a emissora geradora até seis horas antes do horário para o início da transmissão. Além disso, a coligação está proibida de veicular novamente o conteúdo apresentado, sob pena de multa no valor de R$ 5 mil. O juiz também determinou que o post no Twitter com o suposto áudio vazado fosse retirado do ar, o que já aconteceu.