
Considerada mais um passo contra o preconceito e a desigualdade nas disputas eleitorais no Brasil, a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), de aplicar desde já a distribuição proporcional de recursos do fundo eleitoral para candidatos negros é alvo dúvidas no Estado. A menos de duas semanas do início da campanha, os cinco partidos com maior número de filiados no Rio Grande do Sul ainda definem como viabilizar a medida. Parte deles considera curto o prazo para adequação.
Inicialmente, segundo decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a mudança — que vale também para o tempo de propaganda no rádio e na TV — só seria adotada no pleito de 2022. No entendimento do TSE, a Constituição impede modificações no processo eleitoral a menos de um ano da data da votação.
Apesar disso, Lewandowski decidiu antecipar o prazo a partir de ação movida pelo PSOL e pela ONG Educafro, que pediam a aplicação da nova regra já em 2020. Para o ministro, a novidade “não implica qualquer alteração das regras do jogo em vigor”. Na avaliação dele, “a Corte Eleitoral somente determinou que os partidos políticos procedam a uma distribuição mais igualitária e equitativa dos recursos públicos”.
A questão é que, quando o assunto foi analisado no TSE, pelo menos um terço das siglas já havia informado ao tribunal quais seriam seus critérios de divisão do fundo e agora precisam rever a estratégia. Além disso, até o momento, não há regulamentação da medida.
No Estado, partidos como o PDT aguardam instruções da Justiça Eleitoral para definir os próximos passos.
— Sou amplamente a favor da alteração. Minha preocupação é quanto à exiguidade do tempo para a implementação. O que a gente espera é que venha uma resolução normativa do TSE que oriente os partidos de forma objetiva. No momento, há insegurança jurídica — pondera o deputado federal Pompeo de Mattos, presidente estadual do PDT.
À frente do MDB no Estado, Alceu Moreira afirma que a legenda deve discutir o assunto nesta quarta-feira (16) e que também tem dúvidas sobre como proceder. O parlamentar diz que não questiona o mérito da decisão, apenas a forma como foi tomada.
— Nosso partido está bem organizado, mas e os menores, que não têm diretórios em todos os municípios? Como vão atender à norma? A decisão é atabalhoada e cria uma grande confusão na véspera do processo. Não só isso: é uma decisão monocrática. Pode, inclusive, ser revista — ressalta o parlamentar.
De fato, a decisão de Lewandowski foi tomada individualmente e deve passar pelo plenário do STF. A expectativa é de que isso ocorra o mais breve possível.
Presidente do PP no Rio Grande do Sul, Celso Bernardi espera para que os ministros mantenham o prazo original, imposto pelo TSE.
— A mudança vai ao encontro da vontade dos afros, mas é impossível colocá-la em prática neste ano. Já estamos quase iniciando a campanha. Não dá mais tempo. É totalmente fora da realidade — reforça Bernardi.
PT e PTB têm reuniões previstas para esta terça-feira (15) para definir como atender à determinação. Segundo o deputado estadual Luís Augusto Lara, que preside o PTB no Estado, “não cabe ao partido questionar a decisão do STF, apenas cumprir”. O deputado federal Paulo Pimenta, presidente do PT gaúcho, defende a mudança:
— Fomos informados pelo diretório nacional de que vamos regulamentar internamente a questão, com a ajuda da nossa assessoria jurídica. Apoiamos a decisão e vamos cumprir.
No PSOL, autor da ação, a presidente estadual da sigla, Camila Osório Goulart, afirma que “não há desculpa” para não garantir aos negros os mesmos direitos dos demais candidatos. Ela destaca que a legenda já contava com isso e que está preparada.
— Para nós, essa medida é fundamental. Infelizmente, os partidos tradicionais acabam privilegiando homens e brancos. O PSOL já tem tradição de apostar tanto nas mulheres quanto na negritude. Temos quase 30% de candidatos negros nessa eleição e não vemos dificuldade em atender à nova regra. Ao contrário, ficamos bem felizes — diz Camila.
Entenda o que foi decidido
- A partir de consulta enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), a Corte decidiu, em agosto, que as verbas do fundo eleitoral e o tempo de propaganda no rádio e na TV devem ser distribuídos de forma proporcional à quantidade de candidatos negros de cada partido
- Por entender que a Constituição proíbe mudanças no processo eleitoral a menos de um ano das eleições, o TSE definiu que isso passaria a valer apenas na disputa de 2022 e que, até lá, seria publicada a regulamentação da medida (que detalha como funcionará na prática)
- Ou seja: as siglas não são obrigadas a lançar número mínimo de concorrentes negros, como já ocorre com as mulheres (que devem ocupar no mínimo 30% das vagas). O que mudou foi a forma de distribuição do dinheiro e do horário eleitoral. Cabe aos próprios postulantes declarar a sua raça à Justiça Eleitoral
- Após a decisão, o PSOL e a ONG Educafro entraram com ação no STF pedindo a antecipação da medida, sob o argumento de que, frente à “violação a princípios e direitos constitucionalmente previstos”, que pregam a igualdade de direitos, “é plenamente possível admitir que os incentivos às candidaturas de pessoas negras, nos termos delimitados pelo TSE, sejam aplicados desde já”
- O ministro Ricardo Lewandowski atendeu ao pedido, concluindo que a decisão não pode ser compreendida como alteração do processo eleitoral, pois não foi envolve mudança nas regras das convenções partidárias, nos coeficientes eleitorais ou na “extensão do sufrágio universal”
- Para Lewandowski, a obrigação dos partidos políticos de tratar os candidatos de forma equitativa decorre do dever de resguardar o regime democrático e os direitos fundamentais e de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade”
- Por ser monocrática (individual), a decisão ainda será avaliada em plenário, pelos demais ministros do STF. Por enquanto, não há data prevista para isso