O volume de denúncias de coação eleitoral no primeiro e no segundo turnos do pleito deste ano preocupa o Ministério Público do Trabalho (MPT). Procuradores do trabalho ouvidos por GaúchaZH afirmam que jamais viram situação semelhante. A facilidade de compartilhamento de informações pelas redes sociais e WhatsApp também é citada como motivo para que os casos viessem à tona.
O cientista político Léo Voight acredita que houve um recrudescimento de velhas práticas eleitorais do século passado para garantia de votos. Entre setembro e outubro deste ano, o MPT divulgou um balanço com 200 casos registrados. O Estado de Santa Catarina lidera o ranking, com 100 denúncias, seguido do Rio Grande do Sul, com 32, e do Paraná, com 25. Se em eleições anteriores houve casos semelhantes, ou foram pontuais ou não foram denunciados, segundo membros do MPT.
O procurador-geral do MPT, Ronaldo Fleury, atribui o grande número de casos à facilidade atual em acessar ferramentas de denúncias. Segundo ele, a vigilância perante supostas coações eleitorais é fundamental para o sistema democrático.
— Para que de fato a democracia seja respeitada, é necessário que todos tenham direito à liberdade de manifestação e de pensamento, que suas escolhas políticas sejam respeitadas — diz Fleury.
No Rio Grande do Sul, o procurador do trabalho Bernardo Mata Schuch, responsável pelo Coordenadoria de Combate à Discriminação e de Promoção de Igualdade do MPT no Estado, entende que a polarização envolvendo a sociedade neste pleito pode ser um dos fatores que levaram ao crescimento do número de denúncias. Isso ocorreu principalmente porque empregadores interferiram no direito constitucional do cidadão de escolher o seu candidato.
Ele cita como exemplo a distribuição de e-mails institucionais e funcionais externando a política das empresas e direcionando o voto dos colaboradores, bem como reuniões de trabalho coagindo e induzindo à escolha de um determinado candidato, além de cartazes nas empresas avisando dos riscos para os empregos se o candidato que a direção escolheu não vencer as eleições.
Schuch faz alertas sobre quais são as atitudes permitidas aos empregadores para que não seja configurada a coação eleitoral. De acordo com o procurador, o dono de uma empresa tem direito de expressar a livre convicção política nas redes sociais, desde que não influencie ou imponha a sua vontade aos subordinados.
— Ele não pode ignorar o direito do trabalhador de escolher livremente o seu candidato. O fato de o trabalhador ser subordinado à empresa não retira o seu direito à livre convicção política — diz Schuch.
A maioria dos empresários reconheceu a ilicitude e promoveu a retratação após Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
— Em geral, a retratação é a leitura da decisão judicial ou do Termo de Ajustamento de Conduta, ou a publicação desse esclarecimento aos empregados em uma reunião, numa rede social, por e-mails institucionais. Geralmente, é o mesmo meio usado ilegalmente para propagar a convicção política do empregador — conclui Schuch.
Em momentos de crise, prática de coação eleitoral é mais grave
O procurador do trabalho em Caxias do Sul Ricardo Wagner Garcia lembra que em momentos de crise, como o Brasil vive, esse tipo de pressão, mesmo que velada, se torna ainda mais grave.
— A lei não exige motivo para a demissão de um empregado. É muito difícil que um empregado se manifeste em relação a um candidato que não é da preferência de seu empregador, porque o risco de demissão é imediato.
Para Garcia, a diferença desta eleição para as demais no que diz respeito à coação eleitoral não está na polarização, mas nas posições firmadas pelos candidatos.
— Eu tenho 25 anos de Ministério Público e nunca vi atitudes assim, dos empregadores, com essa força, com essa violência moral.
A procuradora do trabalho no Paraná Cristiane Sbalqueiro Lopes reforça o que disse Garcia, afirmando que casos de coação eleitoral não aconteciam, por isso a ausência de levantamentos em eleições anteriores.
— Há quatro anos, tinha muito menos Whatsapp, as redes sociais não estavam tão popularizadas como agora. Então, se aconteceu, não chegou a ser objeto de denúncia. O Ministério Público do Trabalho não tem registro de denúncias disso. De fato, essa é a primeira eleição que isso está acontecendo.
Para a procuradora do trabalho em Passo Fundo Priscila Dibi Schvarcz, trata-se de reflexo da "polarização da sociedade como um todo". Com duas décadas de MPT, a procuradora do trabalho em Santa Catarina Márcia Kamei Lopez Aliaga lamenta os casos registrados.
— Quando uma questão eleitoral chega no ambiente de trabalho, da forma como chegou, realmente não há como dizer que estamos em uma situação usual. Eu mesma nunca tinha investigado algo a respeito, é a primeira vez. Com a questão de redes sociais, isso ganha uma dimensão que antes nunca nos deparamos.
O procurador do trabalho Bernardo Mata Schuch deixa um recado para tranquilizar os trabalhadores.
— Todo trabalhador, apesar de ser subordinado juridicamente, mantém o seu direito constitucional, fundamental, ao voto. O trabalhador não pode se sentir constrangido em votar em fulano e beltrano. Ele tem o direito de escolher livremente o seu candidato.
Entidades patronais e de trabalhadores acompanham os casos
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) pede que denúncias de assédio sejam feitas na própria entidade, nos sindicatos ou diretamente no MPT. O presidente da CUT no Rio Grande do Sul, Claudir Nespolo, diz que a atenção é total, principalmente para o segundo turno.
— Estamos preocupados com isso e estamos insistindo que os trabalhadores denunciem toda forma de coação, porque está em curso uma falta do seu direito de livremente decidir o futuro que ele quer para o país. Se eles insistirem, obviamente nós vamos estar denunciando e vamos estar exigindo que a Justiça execute a multa.
A Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) informou ter sido criada, junto com o setor jurídico da entidade, uma cartilha antes das eleições para orientar os associados.
— Uma cartilha eleitoral foi distribuída aos nossos diretores e também aos sindicatos patronais filiados à casa. Nessa cartilha, um advogado especialista em direito eleitoral colocou o que as empresas podem ou não podem fazer — afirma o presidente em exercício da Fiergs, Gilberto Ribeiro.
Já a Federasul, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que acompanha os casos com atenção.