O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) recebeu, até a tarde desta sexta-feira (5), 17 denúncias contra oito empresas por supostos casos de coação eleitoral. A prática é caracterizada pela pressão feita por empresários para que funcionários sigam orientações políticas e votem em determinado candidato.
No Brasil, houve pelo menos 120 denúncias até o momento. O MPT informa que os registros nacionais cresceram "exponencialmente" na última semana antes do primeiro turno das eleições.
— O empresário não pode impor ou direcionar as escolhas políticas dos funcionários. A irregularidade pode ocorrer de diferentes formas, como em reuniões em que ele afirma o que acontecerá com a empresa em caso de vitória do partido "x" ou do "y" nas eleições —frisa o procurador Bernardo Mata Schuch, do MPT-RS.
Schuch explica que, após o recebimento das denúncias, o órgão distribui os registros para apuração dos procuradores. A partir dessa etapa, a consistência dos relatos é avaliada.
Até o momento, as denúncias no Estado provocaram pelos menos três desdobramentos judiciais. Na Região Norte, o MPT-RS obteve liminar, na Vara do Trabalho de Carazinho, contra a Construtora Mânica JJR. A decisão ocorreu após a empresa publicar nas redes sociais foto de funcionários usando camisetas com mensagens de teor político, em suposto apoio ao candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL).
A construtora e seu sócio-proprietário, Marcelo Mânica, tiveram de se retratar por meio de postagens no Facebook. No documento de esclarecimento, o empresário e a companhia afirmam que os funcionários têm o direito de definir livremente seus votos. Em contato com GaúchaZH, Mânica declarou que a publicação da foto com os empregados não foi um "ato de má-fé". Ele ainda reforçou que as decisões individuais dos colaboradores serão respeitadas.
— Tenho candidato e pensei que poderia expor minha opinião. Quem quisesse pegar uma camiseta poderia usar por livre e espontânea vontade. Jamais houve a intenção de coagir alguém — relatou o empresário.
Outro desdobramento judicial das denúncias no Estado ocorreu em Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo. A Tabacos D'Italia firmou termo de ajustamento de conduta (TAC) com o MPT-RS depois da publicação nas redes sociais de vídeo em apoio a Bolsonaro. Conforme o MPT, a empresa precisaria se retratar em reunião com todos os funcionários e o sindicado que representa os trabalhadores. Em entrevista a GaúchaZH na quinta-feira (4), o empresário Gilmar João Alba disse ter conversado com os empregados e mencionou que não pretendia pressioná-los.
Além dos casos em Carazinho e Venâncio Aires, o MPT-RS ainda ajuizou, na Vara do Trabalho de Gramado, ação contra a Sierra Móveis. O órgão diz ter recebido quatro denúncias de suposta coação eleitoral cometida pelo administrador da companhia, Luiz André Tissot. Segundo o MPT, o empresário teria repassado a funcionários carta na qual listava motivos que o fizeram escolher Bolsonaro na disputa presidencial. GaúchaZH entrou em contato com a empresa, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.
Apurações após o primeiro turno
As denúncias de supostos casos de coação eleitoral são recebidas pelo Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) por meio do site do órgão e em suas unidades espalhadas por Porto Alegre e mais oito municípios gaúchos. Para o procurador Bernardo Mata Schuch, do MPT-RS, os 17 registros no Estado não surpreendem diante do atual contexto político.
— A sociedade está polarizada. Não há como estranhar que, na véspera das eleições, esses casos apareçam em maior número. O que precisamos é de ações firmes para coibir isso, assim como vem ocorrendo — pontua.
Conforme Schuch, o temor de funcionários de sofrer algum tipo de ameaça por parte de empregadores tende a evitar que a quantidade de registros seja ainda maior.
— Acredito que o número de 120 denúncias no país esteja subestimado, justamente pelo medo de perda de trabalho. Com o atual nível de desemprego, é normal que haja receio dos funcionários — ressalta.
O procurador comenta que o MPT-RS seguirá investigando possíveis casos de coação após o primeiro turno das eleições. Schuch destaca que, se os trabalhos de apuração indicarem irregularidades, empresários poderão ser penalizados com o pagamento de indenizações.
Ao longo da semana, o debate sobre o assunto ganhou força no país com o surgimento de episódios como o do proprietário da rede de lojas Havan, Luciano Hang. Apoiador do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), o empresário foi processado pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina (MPT-SC) após a divulgação de vídeo endereçado a funcionários, no qual falava sobre as eleições e o planejamento estratégico da companhia.
Hang negou em mais de uma oportunidade ter pressionado os empregados a votar no capitão da reserva. Apesar disso, cumpriu a decisão da Justiça e publicou nas redes sociais, nesta sexta-feira (5), vídeo que sustenta que os funcionários da empresa são livres para fazer suas escolhas nas urnas.
Empresários e manifestações políticas: o que pode e o que não pode
- O Ministério Público do Trabalho (MPT) afirma que é proibido o direcionamento, por parte de donos de empresas, dos votos de seus funcionários. "Coação é a prática que induz direta ou indiretamente o empregado a votar em determinado candidato. Isso viola a privacidade, a liberdade dele, uma vez que a opção ideológica deve ser respeitada", pontua o procurador Marcelo Goulart, do MPT-RS.
- Empresários, assim como os demais cidadãos, têm o direito de manifestar opiniões e apoio a políticos, desde que "não façam uso da estrutura da empresa para constranger os empregados", diz o coordenador do Gabinete Eleitoral do Ministério Público do Rio Grande do Sul, promotor Rodrigo Zilio. Isso significa que os donos das companhias não podem pressionar as escolhas dos funcionários mediante ameaças, como eventuais cortes de vagas de trabalho em caso de vitória de candidatos adversários.
- Professor da PUCRS e sócio do escritório Cabanellos, o advogado Guilherme Rodrigues Abrão acrescenta que não há lei que proíba empresários de falar sobre preferências políticas em uma conferência com funcionários, por exemplo. Apesar disso, o especialista avalia que esse tipo de encontro "não é indicado", porque pode colocar em risco o direito de escolha dos empregados. Em caso de irregularidades, empresários podem responder a ações judiciais cíveis, trabalhistas e eleitorais.
- O MPT recebe relatos de supostas irregularidades por meio de seu site. Além do canal eletrônico, os registros também podem ser feitos pessoalmente. No Estado, o MPT-RS está presente em Porto Alegre e tem unidades em outros oito municípios (Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santo Ângelo e Uruguaiana). As denúncias podem ser realizadas de forma anônima ou não.