
A eleição de 2018 no Brasil, já atípica diante da polarização ainda mais evidente, trouxe uma preocupação a mais. Trabalhadores estão sendo coagidos por empregadores a votar em determinado candidato. O que antes eram casos isolados, ou que mal vinham à tona, neste ano passaram a ser motivo de preocupação do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Desde o início da campanha eleitoral, em 16 de agosto, até o fechamento desta reportagem, foram registrados pelo MPT 200 casos de coação eleitoral.
Oito em cada dez foram sobre pressões de empregadores a empregados que ocorreram na região sul do país.
O Estado de Santa Catarina lidera o ranking, com 100 denúncias, seguido do Rio Grande do Sul, com 32, e do Paraná, com 25.
Rio Grande do Sul
O MPT no Rio Grande do Sul recebeu 32 denúncias de coação eleitoral. Em Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, a Tabacos Ditália teve que firmar termo de ajuste de conduta com o MPT em Santa Cruz do Sul, comprometendo-se a se retratar aos empregados por campanha política realizada na empresa, registrada em vídeo compartilhado nas redes sociais.
A gravação mostra o proprietário da Tabacos Ditália, Gilmar João Alba, em um galpão, rodeado de funcionários, tentando influenciar o voto deles.
— Nós dependemos de vocês. Ou as empresas não vão para a frente. Mas se nós, empresas, não existirmos no mercado, quem são vocês? Quem são vocês? Vocês são menos ainda.
A retratação da Tabacos Ditália foi feita em reunião na sede da empresa, com participação de todos os trabalhadores e do sindicato profissional. A denúncia de coação eleitoral chegou ao MPT por meio do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Fumo e Alimentação de Venâncio Aires. Em caso de descumprimento, a Ditália deverá pagar multa de R$ 50 mil.
Em Carazinho, norte gaúcho, o caso de maior repercussão envolveu a Construtora Mânica. A procuradora do trabalho em Passo Fundo, Priscila Dibi Schvarcz, foi quem conduziu a ação.
— Ela era bastante evidente, inclusive houve fornecimento de camisetas do candidato pelo empregador aos empregados. Os empregados fizeram uma espécie de campanha política. Uma espécie de apresentação de apoio ao candidato através do fornecimento dessas camisetas no horário de trabalho, dentro de um canteiro de obra.
Conforme a procuradora do trabalho, a Construtora Mânica e seu proprietário, Marcelo Mânica, firmaram acordo comprometendo a abster-se, imediatamente, de influenciar o voto de quaisquer de seus empregados.
No Vale do Caí, o MPT obteve liminar contra a Móveis Kappesberg. A empresa tem sede em Tupandi e filiais nos municípios gaúchos de São Vendelino, Caxias do Sul e Porto Alegre. Além disso, tem unidades em São Paulo e Recife. A Justiça do Trabalho determinou que a Kappesberg se retratasse, publicando comunicado por escrito, na página oficial da empresa no Facebook e na sua conta no Twitter. A empresa também teve que encaminhar o mesmo comunicado a todos os seus empregados por e-mail e via WhatsApp. Em caso de descumprimento de qualquer das determinações, a multa será de R$ 300 mil por infração.
Em Gramado, na serra gaúcha, o proprietário da Sierra Móveis, Luiz André Tissot, também coagiu empregados a votar em um determinado candidato.
— O sócio de maior mando dentro da empresa escreveu uma carta elogiando o candidato que ele acha melhor, aquele em que ele vai votar, e distribuiu aos empregados — conta o procurador do trabalho em Caxias do Sul, Ricardo Wagner Garcia.
Segundo o procurador, trata-se de uma forma de violação da intimidade do trabalhador.
— Dentro da empresa o trabalhador é subordinado ao seu patrão. Então a empresa tem o poder de mando, consequentemente, uma orientação desse tipo nunca é um pedido de igual para igual, mas um pedido de cima para baixo, de quem manda e pode demitir.
Paraná
Foram 25 denúncias de coação eleitoral no Paraná. O caso com maior repercussão naquele Estado foi do empresário Pedro Zonta, dono da rede de supermercados Condor, com 48 unidades espalhadas pelo Paraná e Santa Catarina. A procuradora do Trabalho no Paraná, Cristiane Sbalquiero Lopes, conta que Zonta enviou uma carta para todos os funcionários indicando que votassem em um determinado candidato.
Sustentava que o voto estaria baseado em uma série de razões, como por exemplo, a importância da família e dos valores sociais. No final da carta, segundo a procuradora, o empresário pede que considerem a proposta e ressalta que não cortaria 13º salário e férias dos colaboradores.
Em reunião com o empresário para entender o que estava ocorrendo, Cristiane conta que ele não sabia que tratava-se de coação eleitoral.
— Ele disse que isso não era uma promessa, uma tentativa de compra de votos — ressalta Cristiane.
Um acordo acabou sendo firmado com o empresário e as medidas aplicadas de imediato, como envio de e-mails e mensagens pelo WhatsApp com a garantia de liberdade do voto, sem qualquer futura represália.
Santa Catarina

A denúncia com maior repercussão no país teve origem em Santa Catarina, onde o dono da rede de lojas Havan, Luciano Hang, enviou um vídeo a seus colaboradores, manifestando sua posição política e, no entendimento da Justiça do Trabalho, tentando influenciá-los a votar em determinado candidato. Hang admite demissões em caso de vitória do adversário.
— E se eu não abrir mais lojas, ou se nós voltarmos para trás, você está preparado para sair da Havan? Você está preparado para ganhar a conta na Havan?
A Havan foi obrigada a se retratar e teve que veicular um vídeo em suas páginas institucionais no Facebook e no Twitter contendo o teor da decisão judicial.
A procuradora do trabalho em Santa Catarina, Márcia Camei Aliaga, foi quem moveu a ação contra a Havan.
— Para tudo há de haver uma medida de equilíbrio e este equilíbrio está previsto na Constituição Federal. Não é uma questão que o MPT inventou, não é um devaneio de procuradores — ressaltou Márcia.
O que dizem as empresas:
Kappesberg
Ao acatar decisão judicial, a empresa comunicou seus colaboradores e amigos quanto ao direito de escolher livremente candidatos a cargos eletivos.
Sierra Móveis
A direção da empresa preferiu não se manifestar.
Tabacos Ditália
A empresa informou que acatou todas as exigências do MPT e fez no dia seguinte à denúncia uma retratação perante os funcionários, inclusive na presença do sindicato local, reforçando a total liberdade de escolha.
Construtora Mânica
A empresa informou que já se retratou perante funcionários ao firmar termo de ajustamento de conduta com o MPT. No entanto, negou que tenha ocorrido coação eleitoral, destacando que houve apenas uma manifestação em rede social sobre a posição da construtora perante o futuro do país.
Rede de lojas Havan
A empresa afirma que tem com seus mais de 13.000 colaboradores muito mais do que uma relação meramente laboral. Também que incentiva a livre expressão, facultando a todos direito de opinião. Segundo a Havan, em momento algum houve "coação e ameaça" ditas pelo Ministério Público do Trabalho.