O ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) entrou oficialmente na disputa em 11 de setembro, depois dos demais concorrentes. O lançamento tardio da candidatura — no fim do prazo, após Lula ter sido impedido de concorrer — levantou dúvidas sobre a estratégia do PT, traçada pelo líder do partido de dentro da cadeia, em Curitiba (PR).
Até o dia 20 de agosto, Lula despontava nas pesquisas com 37% das preferências, segundo o Ibope. Mesmo condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tinha chances de vencer no primeiro turno. Durante meses, foi declarado candidato pelo PT e vítima de perseguição política. Quando o ex-prefeito da capital paulista foi escolhido para ocupar o seu lugar (com o slogan “Haddad é Lula”), teve início uma ofensiva pela transferência de votos. Não havia tempo a perder.
Desconhecido de parte da população, Haddad arrancou em quinto lugar na briga pelo Palácio do Planalto, com 8% das intenções de voto. Foram necessárias apenas duas semanas para o quadro mudar. Com 96% das urnas apuradas, o candidato do PT obteve 28,50% dos votos válidos.
— Me sinto extremamente honrado pelos votos que recebi e que garantem o Partido dos Trabalhadores no segundo turno. Me sinto também desafiado pelos resultados, que são bastante expressivos. A oportunidade do segundo turno é, particularmente em 2018, inestimável — disse o petista.
Associado a Lula na propaganda de rádio e TV, em entrevistas e debates, o professor universitário consolidou-se como um dos polos do atual cenário político nacional. A histórica briga entre PT e PSDB ganhou novas feições, com o PSL de Bolsonaro no lugar dos tucanos, os maiores perdedores desta eleição.
Embora a ascensão de Haddad tenha empolgado a militância e animado a direção do partido, nem tudo correu como os petistas planejavam. O crescimento de Haddad acabou, paradoxalmente, impulsionando o rival — e em ritmo vertiginoso.
À frente em todas as sondagens, vinculado à extrema-direita e conhecido por empunhar a bandeira anti-PT com entusiasmo, Bolsonaro acabou aglutinando votos de eleitores até então identificados com nomes mais moderados, como Alckmin.
Dali em diante, Haddad ficaria estagnado nos levantamentos e Bolsonaro chegaria perto de encerrar a disputa com êxito neste domingo — o sentimento de alívio diante do resultado, na noite deste domingo, era visível no QG de São Paulo.
Entre o fim de setembro e o início deste mês, Haddad não só se tornou alvo preferencial do capitão da reserva, como passou, junto dele, a atrair as investidas dos demais concorrentes, decididos a denunciar a polarização como caminho inequívoco para mais quatro anos de crise.
A divulgação de um trecho da delação do ex-ministro Antonio Palocci pelo juiz federal Sergio Moro — a menos de uma semana do pleito — foi mais um baque, assim como a entrevista do ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu. O ícone petista disse que seria apenas “questão de tempo” para o PT “tomar o poder". A declaração enfureceu Lula.
— Manda ele ficar calado — teria ordenado o ex-presidente, de dentro do cárcere.
Identificado como antídoto ao “risco PT”, Bolsonaro se mostraria resiliente a críticas. Ganharia apoio de setores ligados à igreja evangélica, ao empresariado e ao agronegócio. Conquistaria simpatizantes em todos os estratos sociais, atrairia aliados de outras siglas e formaria um exército no WhatsApp, transformado em território livre para as fake news.
Quando milhares de mulheres e adeptos do #EleNão foram às ruas protestar contra o capitão, no dia 29, o PT esperava surfar na onda progressista, mas quem ganhou votos foi Bolsonaro. Inclusive na parcela feminina do eleitorado.
A incapacidade de frear o adversário e a estagnação de Haddad provocaram fissuras na direção da campanha. Em reunião na última semana, em São Paulo, uma ala do partido defendeu mudanças, sugerindo que o candidato “fosse mais Fernando” e “menos advogado de Lula”, mas a maioria não aceitou abandonar a cartilha lulista, temendo que eventuais concessões pudessem afugentar a esquerda.
A conquista de uma das vagas no segundo turno foi recebida como bálsamo no PT, ainda que a diferença de votos entre os dois tenha sido grande. Ontem, até a confirmação do resultado, o clima era de preocupação. Quando saíram as primeiras pesquisas mostrando apadrinhados de Bolsonaro no topo, apoiadores que circulavam pelo Hotel Pestana exibiam semblantes fechados.
Agora, a avaliação é de que o segundo turno é uma “nova eleição”. O discurso petista sustentará a necessidade de união de forças contra o que chama de retrocesso, alertando o país para dois desfechos possíveis: a salvação da democracia, atribuída a Haddad, ou a sua derrocada, imputada a Bolsonaro.
— Vamos mostrar à sociedade que não existe saída: é Haddad ou a antipolítica, a ditadura. Quem garante que esse sujeito, se vencer a eleição, não vai fechar o Congresso? Vamos defender com todas as forças a formação de uma frente antifascista, com a participação de todos os partidos que se negam a aceitar o autoritarismo. Inclusive o PSDB, penso eu. Não será uma aliança para governar. Será uma aliança para derrotar Bolsonaro. Esse é o principal mote da campanha, além de deixar claro que Haddad não é um radical, não é o extremo oposto de Bolsonaro, como dizem por aí — disse a deputada federal Maria do Rosário (PT), no sábado.
A cúpula da campanha deve investir ainda em explorar a imagem do candidato como homem religioso e de família, casado há 30 anos com a mesma mulher e pai dedicado e amoroso. O objetivo, com isso, é atrair simpatia de setores arredios.
Em outra frente, o partido planeja ampliar a atuação nas redes sociais, dominadas pelos bolsonaristas. A ordem é desmentir boatos antes que se transformem em verdades e reforçar a retórica antifascista e "contra a disseminação de ódio".
Quanto ao tratamento dispensado a Bolsonaro, ainda havia dúvidas, ontem, sobre a melhor saída. Para alguns petistas, ampliar os ataques ao oponente poderá gerar antipatia e aumentar os índices de rejeição de Haddad, que já são altos. Para outros, o risco de moderar o discurso a essa altura do jogo é maior: pode levar o PT a ficar definitivamente para trás, em uma das eleições mais complexas para a sigla desde que Lula deixou o Palácio do Planalto.