Para colocar em prática o plano de governo na área da segurança pública, Jair Bolsonaro (PSL) precisará convencer o Congresso a aprovar novas leis e, mais do que isso, modificar a Constituição. Entre as medidas já anunciadas pelo presidente eleito e aliados, ao menos duas delas dependem de proposta de emenda à Constituição (PEC).
Uma das mais polêmicas é a de redução da maioridade penal para 16 anos. A Carta Magna prevê, em seu artigo 228, que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. Assim, qualquer modificação seria inconstitucional.
— Entendo que é cláusula pétrea e não poderia ser alterada — analisa o constitucionalista Eduardo Carrion, professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público.
A posição de Carrion prepondera entre especialistas, mas há quem defenda a possibilidade de mudanças por meio de PEC, desde que jovens com mais de 16 anos e menos de 18 anos recebam tratamento diferenciado, em unidade exclusiva, separado dos presos adultos.
Uma emenda constitucional nesses termos já foi debatida em Brasília. Em agosto de 2015, a redução da maioridade chegou a ser aprovada em segundo turno na Câmara, mas a proposta segue parada na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania do Senado desde outubro de 2017.
Outro tema controverso está na área prisional. Bolsonaro quer reduzir a progressão de regime, as saídas temporárias do semiaberto e trancafiar em penitenciária de segurança máxima autores de crimes hediondos.
É possível extinguir o regime semiaberto por meio de projeto de lei, mas o fim da progressão para o cumprimento de pena é considerada inconstitucional e só poderia ser modificada com a instalação de nova Assembleia Constituinte.
— A Lei de Execução Penal prevê a individualização da pena, que trata da forma como cada apenado se comporta, como é sua conduta, se ele trabalha ou estuda. O princípio da individualização da pena está previsto na Constituição como cláusula pétrea — explica Luiz Fernando Calil de Freitas, procurador de Justiça, coordenador da Procuradoria de Recursos do Ministério Público Estadual e também professor de Direito Constitucional na Fundação Escola Superior do Ministério Público.
Para flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, Bolsonaro necessitará da maioria simples de votos da Câmara e do Senado. A mesma regra vale para eliminar a investigação contra policiais que matam em serviço, um dos excludentes de ilicitude que o presidente eleito pretende alterar. A proposta é vista com ressalvas até entre apoiadores de Bolsonaro e alvo de contestações de especialistas.
— Não acredito que passaria no STF (Supremo Tribunal Federal). Se passar, o Brasil poderá ser comparado a países de quinta categoria. Só o 007 tinha licença para matar, mas era filme — critica o procurador de Justiça aposentado Lenio Luiz Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor em Direito do Estado.
Punir como terrorista quem invadir propriedades rurais e urbanas pode ser aprovado via projeto de lei pelo Congresso, mas a proposta também enfrenta resistência.
— O que permite definir crime de terror é a finalidade da ação. O terrorismo tem como meta desestabilizar o Estado e a ordem pública. Uma invasão específica, sem estar conectada a outra perspectiva, não pode ser considerada como terrorismo. Entendo que o projeto seria inconstitucional por falta de proporcionalidade. A pena deve ser adequada à gravidade do crime. É exagero usar tiro de canhão para matar passarinho — adverte Calil.
DETALHE
- Para ser aprovada, uma proposta de emenda à Constituição tem de ser apreciada em dois turnos na Câmara e no Senado com votos de três quintos dos seus integrantes – 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.