Quem paga a conta de desastres causados por quedas de aviões, como ocorreu em Gramado no fim de semana? Em um primeiro momento, prejuízos são pagos pelo Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil do Explorador ou Transportador Aéreo, o Reta. Ele é mandatório para qualquer aeronave que tenha passageiros, como é o caso da que caiu na Serra. Sem isso, ela não está autorizada a voar. O objetivo é a proteção de passageiros, tripulantes, pessoas e bens no solo, no caso de acidentes aeronáuticos. Sua contratação é de responsabilidade do operador da aeronave (que pode ser o proprietário ou não).
O Reta é calculado de acordo com o peso da aeronave e o número de assentos. Vale tanto para grandes aviões comerciais como para os pertencentes a pessoas físicas — como era o caso do Piper Cheyenne que despencou em Gramado, matando seus 10 tripulantes. O limite dessa indenização aos passageiros, tripulação e para qualquer dano que essa aeronave cause no solo, é baixo. É um seguro feito para pagar tratamentos médicos ou vítimas fatais, mas com valor pequeno.
Esses limites para os valores segurados são determinados pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, atualizados anualmente conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). A atualização mais recente, de junho de 2024, estipula a indenização máxima por passageiro ou tripulante em cerca de R$ 103 mil. Já para danos materiais e pessoais no solo, a indenização pode chegar a R$ 205 mil.
O seguro aéreo obrigatório funciona de maneira similar ao DPVAT, que era o seguro obrigatório para proteção de vítimas de acidentes de trânsito e foi extinto. O Reta é obrigatório pela lei.7565 (de 19 de dezembro de 1986) e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica. No caso específico de Gramado, a Galeazzi (empresa pertencente ao dono do avião) informa que tinha o seguro em situação regular, além de permissão para voar.
Além do seguro obrigatório, é possível contratar junto a seguradoras coberturas "extras" para aeronaves. Uma é o Seguro Casco, que é a proteção da própria aeronave, contratada para proteger esse patrimônio do operador. Cobre, por exemplo, custos de remoção da aeronave após a queda. Outro é o Seguro LUC (Limite Único Combinado), que funciona em acréscimo à apólice do Reta, podendo contratar o limite que desejar. Esses não são obrigatórios. E, além deles, pode ser discutida na Justiça indenização por danos morais e materiais.
Carlos Polizio, presidente da comissão de seguro de cascos aeronáuticos e marítimos da FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais), enfatiza que, quanto ao tipo de avião, pouco muda.
— Não há diferença (em termos de procedimentos a serem realizados pela seguradora) entre um sinistro envolvendo linha aérea ou de uma aeronave empregada na aviação executiva. Nessa comparação, apenas o que muda é a complexidade e a proporcionalidade de perdas que poderá ocorrer — explica.
A reportagem falou também com o engenheiro Gerardo Portela da Ponte Junior, investigador de acidentes aéreos e doutor em Gerenciamento de Riscos e Segurança. Por casualidade, ele estava em Gramado a turismo, na manhã da queda do avião. Apesar de ser especialista em detalhes técnicos, também sabe como funcionam os seguros na aviação. E confirma que qualquer aeronave deve ter o obrigatório. Isso não significa que todos estejam em dia, ressalva.
A primeira responsabilidade em caso de acidente é do proprietário, para isso existe o seguro obrigatório, comenta Gerardo. Mas sempre será um inquérito policial que vai apontar se a culpa foi do piloto, do pessoal da manutenção, do fabricante ou até do tipo de combustível utilizado, exemplifica.
— Ao final da investigação, criminal ou técnica, serão apontados os fatores do desastre. Com base neles o proprietário do avião pode repassar a responsabilidade para outros, ou não. Isso é importante em casos que o dano é grande, valores maiores que a apólice do seguro obrigatório — pondera Gerardo.
Código de Defesa do Consumidor prevê indenização
Muitas vezes, a discussão sobre a culpa e os valores leva anos. É o caso do voo 447 da Air France, que saiu do Brasil rumo à França e caiu no Oceano Atlântico, matando 228 pessoas, em 2009 — e no qual Gerardo atuou como investigador. A fabricante Airbus e a Air France foram absolvidas criminalmente, mas a empresa aérea deve pagar indenizações no campo cível. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor e a legislação aeronáutica impõe à companhia aérea a obrigação de indenizar os prejuízos sofridos pelas vítimas e seus familiares, sem a necessidade de provar falhas ou negligência por parte da empresa.
Uma das saídas para tentar evitar mortes e as custosas indenizações oriundas delas é averiguar bem as condições da aeronave que será usada. O consumidor pode checar se a manutenção do avião em que irá embarcar está em dia, por meio do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), sistema de consulta no qual o consumidor insere o prefixo da aeronave e pode conferir o status em tempo real. Ele pode ser conferido no site da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).