Corretoras que atuam na bolsa de valores, bancos e empresas de recomendação de investimentos se tornaram protagonistas na contratação de pesquisas eleitorais neste ano. Doze dos 134 levantamentos de intenções de votos para presidente registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em setembro, até dia 21, foram encomendadas por companhias que compram e vendem ações na bolsa, administram fundos ou fazem recomendações de aplicação financeira.
Quatro pesquisas foram acionadas pela corretora XP Investimentos, três pela Genial Investimentos, três pelo banco BTG Pactual e duas pela empresa de recomendação Empiricus Research. No total, foram gastos R$ 729 mil.
Profissionais do mercado se surpreendem com a ofensiva de firmas financeiras na seara eleitoral. Nas eleições presidenciais de 2010 e 2014, as pesquisas eram usadas principalmente para conhecimento interno, como subsídio para analistas decidirem quais ações comprar ou vender. Pouco chegava ao conhecimento público. Neste ano, entretanto, os levantamentos passaram a ser semanais, e divulgados em redes sociais e na grande mídia, lançando combustível no sobe-desce da bolsa e do dólar.
Valter Bianchi Filho, sócio e diretor de Investimentos da gestora Fundamenta, avalia que algumas empresas têm utilizado as pesquisas como instrumento de marketing, seduzindo clientes com materiais que vendem como valiosos e exclusivos, mas questiona se este procedimento é feito de maneira totalmente transparente.
— Uma coisa é usar a pesquisa de forma privada, outra, bem diferente, é enviar aos clientes e levar o resultado a público, influenciando as decisões dos investidores. Isso tem que ser feito com cuidado para não gerar ainda mais incertezas no mercado — analisa.
Profissionais do mercado avaliam que parte dos institutos contratados são pouco conhecidos, o que gera certa insegurança quando à metodologia empregada. Um dos levantamentos contemplou apenas o eleitorado de São Paulo, por exemplo, mesmo sendo uma apuração de dados para eleição presidencial. A reportagem verificou ainda que 10 dos 12 levantamentos foram realizados por telefone, método considerado por alguns estatísticos como menos preciso.
— O risco é que algumas pesquisas sejam enviesadas de forma a apontar que um candidato favorito do mercado esteja crescendo, para reduzir a volatilidade (sobe-desce abrupto nas ações) — alerta José Junior de Oliveira, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais/Extremo Sul (Apimec-Sul), que representa 400 agentes em Santa Catarina, no Paraná e no Rio Grande do Sul.
A diferença de método pode explicar a discrepância de dados em relação a questionários realizados presencialmente. Uma pesquisa encomendada pelo banco BTG ao instituto FSB, que ouviu 2 mil pessoas por telefone, sob registro BR-06478/2018 no TSE e divulgada 17 de setembro, apontou o candidato Jair Bolsonaro (PSL) com 33% das intenções de voto, bem à frente de Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), com 16% e 14%, respectivamente. Resultado distinto de uma pesquisa contratada pela TV Globo e O Estado de S.Paulo divulgada no dia seguinte pelo Ibope, que aplicou questionário pessoal junto a 2.506 eleitores. Registrada como BR-09678/2018 no TSE, apresentou uma disputa mais parelha: Bolsonaro com 28%, seguido por Haddad (19%) e Ciro Gomes (11%).
Movimento atrai atenção da Comissão de Valores Mobiliários
A Justiça Eleitoral permite a publicação de pesquisas pagas por empresas privadas, desde que registradas no TSE até cinco dias antes da divulgação. No entanto, a reportagem apurou que o movimento das corretoras tem chamado a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável por fiscalizar os agentes do mercado de capitais. Fontes do órgão admitem que a quantidade de levantamentos neste ano é atípica, mas até o momento não foram identificadas irregularidades.
Para que sigam as normas da CVM, as corretoras não podem usar a informação antes de apresentarem ao público, sob risco de adotar "prática não equitativa" na bolsa. Ou seja, mesmo que a corretora tenha conhecimento dos resultados antes, não deve realizar movimentações na bolsa ou no câmbio com o uso desses dados até divulgá-los ao público. A "xerife do mercado" deve ser comunicada quando essas pesquisas não forem para uso privado. Quem descumprir a regra pode sofrer advertência ou ser proibido de atuar no mercado de ações.
Alguns profissionais do mercado veem como positiva a pulverização de pesquisas entre bancos e corretoras. Rilton Brum, diretor da Elite Investimentos, afirma que o volume maior de dados ajuda os investidores a enxergarem o cenário político e econômico com mais clareza.
— Não vejo um risco alto dessas pesquisas vazarem antes e influenciarem o mercado. Até por que é difícil prever como os demais investidores reagirão aos resultados — avalia Brum.
Advogado experiente na defesa de bancos e corretoras em investigações movidas pela CVM, Claudio de Souza Timm, sócio do escritório de advocacia TozziniFreire, vê como natural a encomenda e divulgação das pesquisas em um cenário eleitoral tão incerto. Ele explica que os levantamentos são lícitos desde que respeitem duas regras: não cometam inside trading (uso de informações privilegiadas, antes de serem levadas ao conhecimento dos demais investidores) e sejam comunicadas à Justiça Eleitoral e à CVM.
— É legal e ético que as empresas financeiras contratem e divulguem pesquisas, desde que não resvalem nestas duas práticas — afirma Timm.
Empresas buscam cenário mais claro
O coordenador da área de Análise Política da Genial Investimentos, Ribamar Rambourg, afirma que esta é a primeira eleição que a empresa encomenda pesquisas de intenção de votos, e o objetivo é avaliar as tendências políticas do país. A opção de tornar públicos os dados se deve à decisão de compartilhar informações com os clientes. As pesquisas têm sido divulgadas sempre antes da abertura ou depois do fechamento do mercado, de acordo com as normas do setor financeiro, garante ele.
— Depois da divulgação aos clientes, os levantamentos serão disponibilizados nos nossos canais de comunicação por entendermos que se tratam de informações de interesse público — explica Rambourg.
Em mensagem por e-mail, a Empiricus informou que é uma editora e que "assim como outras empresas de comunicação, encomendou pesquisa eleitoral e distribuiu o resultado aos assinantes de Empiricus e Crusoé". O BTG disse, por nota, que a divulgação "Atende a uma demanda de seus clientes por um conteúdo de qualidade. A pesquisa contratada junto ao Instituto FSB Pesquisa, e divulgada ao público em geral, inclusive para a imprensa, é registrada no TSE e exclusivamente feita aos finais-de-semana, com divulgação antes da abertura do pregão de cada segunda-feira". A XP avisou que não atenderia ao pedido de posicionamento em razão de agenda.
O que dizem os profissionais do mercado
Não acho ruim que bancos e corretoras divulguem pesquisas, são informações a mais no mercado. O fato de serem institutos novos, que fogem do "dueto" Ibope-DataFolha, é interessante para que se avalie métodos diferentes. Mas o eleitor precisa ser crítico na análise dos resultados, verificar onde foi feita a coleta de dados e o tipo de questionamento.
Na Europa é comum bancos e corretoras ampliarem as pesquisas às vésperas de eleições. A questão é que, no ritmo atual, com levantamentos divulgados quase diariamente, há ainda mais volatilidade no mercado. Parece que o objetivo (dos bancos e das corretoras) é mais comercial, mostrar serviço aos clientes, do que efetivamente prever o resultado de eleições. O fato de muitos levantamentos serem por telefone não contribui para um cenário tão preciso.
Me parece que as pesquisas estão sendo usadas como ferramenta de marketing, e é preciso discutir a ética desta prática. Se eu torno os resultados públicos e sei que podem afetar a disposição de votação, isso tem que ser feito com muita responsabilidade.
Apesar de gerar volatilidade, acho positivo que haja mais pesquisas e de institutos diferentes. São mais informações para a tomada de decisão. Mas não se pode ter certeza de que quem encomendou não terá acesso antecipado aos resultados. É preciso confiar na seriedade do mercado, até por que as punições para inside trading são pesadas.
É positivo haver mais pesquisas, pois ajuda o analista a diluir o risco de cada uma delas, comparar resultados e avaliar os efeitos no mercado. Não vejo um risco alto dessas pesquisas vazarem antes e influenciarem o mercado. Até por que é difícil prever como os demais investidores irão reagir aos resultados.
O mercado está buscando uma explicação de quem vai para o segundo turno, mas não acho que a divulgação dessas pesquisas seja a melhor opção, pois abre margem para que os resultados possam ser enviesados. O receio que tenho é que essas pesquisas acabem tendo um viés que tente influenciar as eleições, apontando que um candidato preferido do mercado esteja subindo.