Travada em pleno domingo, a guerra judicial em torno do destino do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve perto de ganhar a liberdade, sacudiu o cenário político brasileiro. A três meses das eleições, ainda que Lula seja considerado inelegível e siga preso, o embate jurídico que surpreendeu o Brasil desencadeou reações antagônicas, reacendendo as esperanças da militância petista e, ao mesmo tempo, reforçando o discurso anti-Lula – que tende a beneficiar nomes como o do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), ligado à extrema-direita.
Entre apoiadores do líder petista, o vaivém da Justiça serviu para fortalecer o argumento de que o ex-chefe de Estado é vítima de perseguição e alvo de medidas arbitrárias. Adotada desde sua condenação, em julho de 2017, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a estratégia é a principal aposta do partido para garantir apoio em outubro.
Neste domingo, ao acusar o juiz Sergio Moro e a Polícia Federal de "conluio" na tentativa de manter Lula preso, a presidente nacional da sigla, Gleisi Hoffmann, conclamou os militantes a irem às ruas para demonstrar sua indignação. O objetivo, com isso, é reforçar a mobilização e dar visibilidade ao ex-presidente.
Na prática, aliados avaliam que a participação do ex-metalúrgico na campanha – mesmo que sua candidatura ao Palácio do Planalto não se confirme – desequilibra o jogo. A definição sobre isso, contudo, independe de Lula estar encarcerado ou livre.
— É só uma questão penal — diz o analista político da consultoria MCM, Ricardo Ribeiro.
Assim que Lula for registrado, caberá à Justiça analisar o caso. Como a Lei da Ficha Limpa impede que condenados por colegiado em segunda instância disputem cargos eletivos, a tendência, segundo especialistas, é de que Lula seja declarado inelegível. Nos bastidores, o PT sabe disso e já trabalha com a possibilidade de colocar o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jaques Wagner no seu lugar.
Se Lula estiver solto, a capacidade de transferência de votos tende a se multiplicar. Se não estiver, a aposta é de que sua influência cresça devido aos últimos acontecimentos.
Esse é o principal temor entre os adversários. Do outro lado da trincheira, a reviravolta jurídica elevou o tom do debate e promete acirrar ânimos.
Simpatizantes de Jair Bolsonaro usaram o WhatsApp, ontem, para espalhar o número do celular do desembargador Rogério Favreto – que concedeu o habeas corpus a Lula –, para pedir que os críticos da decisão manifestassem repúdio. Eles também defenderam o voto em Bolsonaro para derrotar o "fantasma" do PT.
Em vídeo, o militar da reserva condenou a decisão de Favreto, afirmando que "pior do que a corrupção no Brasil é a questão ideológica".
— Quase todas as instituições estão aparelhadas — disse o deputado, afirmando que o juiz foi filiado ao PT por quase 20 anos.
Outros nomes no páreo também criticaram Favreto, entre eles o senador Alvaro Dias (Podemos), que classificou a decisão como "anárquica". A ex-senadora Mariana Silva (Rede) declarou estar "preocupada" em relação ao hábeas, já o ex-governador Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB, afirmou que o Brasil precisa de ordem e segurança jurídica e o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB) disse ser absolutamente contra a politização da Justiça. Somente Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Ávila (PC do B) defenderam o fundador do PT. Quanto a Ciro Gomes (PDT), permanecia em silêncio até o início da noite de ontem.
Os próximos movimentos, na avaliação do cientista político Felipe Borba, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), ainda estão sendo calculados.
— É cedo para projetar qualquer coisa, mas é certo que esse imbróglio jurídico vai deixar Lula novamente em evidência na mídia e reacender militâncias, tanto a lulista quanto a antilulista. Tudo indica que teremos, daqui para frente, um acirramento ainda maior da política brasileira, que vinha adormecida com a Copa do Mundo. O debate eleitoral voltou com tudo — conclui Borba.