Uma cidade mais humana é um centro urbano que trabalha com o foco no bem-estar de seus moradores. É um projeto que vai além da infraestrutura, é trabalhar para entender como a população vai atribuir a dinâmica daquele ambiente a partir da sua vida profissional, familiar, social e espiritual. Conforme o professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), doutor em Administração, integrante do City Living Lab, grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração da UCS, Mateus Panizzon, esse modelo de cidade é algo que vem se estudando mais profundamente devido à crise climática.
— Tem uma coisa que a gente está observando muito em nível de City Living Lab, no futuro das cidades, é como que as cidades humanas podem construir capacidades de colaboração para a resiliência, ainda mais nessa questão climática. Tem relatórios das Nações Unidas que já estimam mais de um bilhão de pessoas no mundo migrando nas próximas três décadas por causa das questões climáticas, e a gente vê que Caxias do Sul teve um impacto disso em função da catástrofe climática nesse ano. Então, uma cidade mais humanizada constrói uma rede mais sólida para lidar com essas mudanças — destacou Panizzon.
O professor explicou que cidades mais humanas também dependem da união de todos os órgãos públicos que fazem a gestão de uma sociedade.
— O ponto principal da cidade humana é que, mais do que buscar o bem-estar das pessoas, ela busca pautar as ações pela preservação da vida da população. Então, a gente coloca que, acima de tudo, ela tem que ser um desejo, um compromisso da população e também das lideranças, em todos os seus níveis. A gente está falando de nível executivo, legislativo, judiciário, das forças da sociedade na cidade, incluindo até quem financia o desenvolvimento. Um projeto de cidade mais humana não pode ser um projeto apenas de uma das forças — comentou.
Mateus complementou que para o projeto de uma cidade mais humana ser colocado em prática, é preciso que dados sejam analisados, como o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e o diálogo com as pessoas. Após a explicação do que é esse conceito, o professor pontuou quais são os cinco eixos essenciais para Caxias do Sul se transformar nesse modelo de cidade.
Uma proposta para presente e futuro
1. Vida e bem-estar
"É relacionado à preservação e valorização da vida e como que a infraestrutura da cidade atende as necessidades básicas da população. A gente pode perguntar: "É humano não ter acesso à habitação digna, água, esgoto? Como viver com poluição, desgastar-se com uma mobilidade urbana ineficiente e ter dificuldades em serviços de saúde?. Quais são os impactos que essas condições têm sobre a vida de uma pessoa?". A infraestrutura de serviços básicos e a própria cobertura dessa infraestrutura, especialmente para áreas de risco e vulnerabilidade, é um dos pontos para qualificar uma cidade como mais humana. Porque isso vai ter impacto nos índices de mortalidade infantil, esperança de vida ao nascer, longevidade. Em uma cidade humana, a vida, em todas as suas formas, deve ser priorizada."
2. Segurança e instabilidade
"A gente fala isso muito relacionado a como a infraestrutura da cidade pode ampliar a percepção de segurança. Seja para assegurar a integridade física ou psicológica. Em uma cidade verdadeiramente humana, as pessoas deveriam viver sem medo, né? Seja por causa de baixa criminalidade, mas também por uma baixa instabilidade econômica ou baixa percepção de desigualdade social. A gente até lança aquela pergunta: "Será que é humano um indivíduo viver diariamente com incerteza, com medo de andar na rua, com dificuldade de acesso ao trabalho ou capital para empreender?" Então, qual é a dignidade nesse caso? Esse é um ponto sensível que passa por decisões da cidade no campo de urbanismo, segurança pública, economia, serviço social, entre outros."
3. Inclusão e convivência
"Pensar como que a nossa cidade, os espaços, os ambientes são projetados para permitir maior inclusão, maior interação. A gente pode falar de espaços públicos para convivência, desde parques e museus, até como que a sociedade participa das decisões da cidade, por meio de governança participativa, e aqui entra a questão dos espaços de pensar nas pessoas, desde as crianças até os idosos. A cidade mais humana também estabelece políticas e ambientes que possibilitam maior coletividade e interação, em vez de ter um design urbano que fomenta, muitas vezes, o isolamento das pessoas e que traz consequências como a própria depressão, que é um dos grandes desafios do século. Só que o ponto-chave que a gente vê aqui é que não adianta só o poder público desenvolver os locais, é responsabilidade da população em ocupar esses locais."
4. Cultura e identidade
"A vida é uma construção de experiência e memórias. Então, uma cidade mais humana tem uma valorização da arte, da memória, dos espaços, né? Tanto que isso pode afetar positivamente a autoestima e a emoção das pessoas. Eu gosto de usar o exemplo: pense quando vai em algum local que você se emociona, é por algum motivo, né? Você se sente conectado à cidade. Então, o sentimento em profundidade é um atributo humano, e os sentimentos são valorizados em uma cidade humana. De forma prática, tem um bom exemplo disso, tem cidades brasileiras que estão usando uma abordagem chamada de streetscape, que é um tipo de paisagismo urbano que humaniza a cidade porque ele prioriza a experiência do pedestre. Ele prioriza a convivência com a natureza. Ele tenta estabelecer diferentes percepções sensoriais. Então, você se sente de uma maneira diferente por esses espaços, só que não é uma questão só da beleza em si, mas como é que essa beleza tem um significado. E por isso é que também tem a questão da identidade. A valorização da sua identidade cultural e das múltiplas identidades. A gente pode pensar com muito planejamento urbano e pode refletir os valores que moldaram a cidade."
5. Desenvolvimento humano e oportunidades
"Nós, enquanto seres humanos, temos capacidades extraordinárias. De inventar, de idealizar, de construir, de empreender, mas isso depende de acesso. Recursos de educação, tecnologia, capital e oportunidades. A gente está numa fase hoje que, ao longo da nossa vida, a gente vai ter múltiplas carreiras, vamos precisar ter educação continuada, temos que ter uma visão de desenvolvimento humano. Então, na prática, isso é como a cidade oferta todo um ecossistema de negócios, universidades, institutos de educação, projetos sociais, comunidade, porque ela instituiu muitas e muitas pessoas para colher novas ideias, novos paradigmas, e permite que esse capital humano possa fortalecer os setores tradicionais, mas também criar novos vetores de matriz econômica. Então, esses pilares, eles acabam construindo uma cidade mais humana, mais inclusiva, que consegue promover mais a equidade, o senso de pertencimento e a coesão social."