Belga radicado na Colômbia, o cientista político e administrador Jean Edouard Tromme, consultor internacional em desenvolvimento sustentável, foi um dos painelistas do 1º Simpósio "O Futuro Que Queremos", que ocorreu esta semana no UCS Teatro, organizado pela Fundação Marcopolo. Tromme é o atual diretor de Projetos e Estratégia do Escritório Resiliência da cidade colombiana de Medellín.
Considerada uma das cidades mais violentas do mundo entre as décadas de 1980 e 1990, graças em grande parte ao cartel liderado pelo narcotraficante Pablo Escobar, atualmente Medellín é membro da Rede das 100 Cidades Resilientes da Fundação Rockefeller. Além disso, se tornou o segundo destino mais visitado da América Latina, atrás apenas do Rio de Janeiro. O número de homicídios registrados na cidade, que foi de 6.349 em 1991, baixou para 623 em 2018 e para 358 em 2023.
Durante sua passagem pelo evento, Tromme atendeu a reportagem para apontar tópicos que podem ajudar uma cidade como Caxias do Sul a se tornar mais resiliente. Como cada cidade enfrenta suas próprias mazelas, com infinitas particularidades, o belga destaca que não há uma receita. Há, no entanto, o que o cientista político chama de ingredientes para uma receita, como os cinco listados abaixo. Tromme destaca, ainda, que resiliência é uma questão sobre pessoas:
- Nós aprendemos que a resiliência sempre foi uma disciplina das ciências exatas, mas em Medellín nós passamos a entender resiliência como uma perspectiva social: é o conjunto de atitudes, comportamentos, que levam a um território ser diferente. Para Medellín, durante anos, foi a capacidade que nós tivemos, como sistema urbano, de resistir, superar e aprender com a violência urbana que tivemos por mais de meio século.
1. Conhecer as pessoas
Entender que resiliência não é uma questão de cidades pensadas como estrutura. Enquanto a resiliência de uma estrutura é material, a resiliência da cidade é a resiliência das pessoas. É preciso conhecer o que as pessoas que vivem na cidade querem, o que sonham para elas e para os seus filhos.
Na América Latina existe uma desconexão muito grande entre o que o mundo político propõe e faz, e o que as pessoas esperam realmente que seja feito. Em 99% das campanhas eleitorais, o candidato se apresenta com suas propostas, dizendo tudo o que ele vai fazer, mas é muito raro quando um político aparece disposto a eventualmente escutar propostas que venham das pessoas, sobre o que ele pode fazer para ajudá-las.
2. Aprender com os erros
Saber que a política não são os políticos. A política é uma maneira sem armas de fazer a guerra. Mas não a guerra que mata, e sim uma guerra contra a fome, contra a falta de oportunidades. É uma maneira muito potente de atacar o problema da falta de oportunidades. Resiliência, aqui, é querer aprender com uma situação para que ela não se repita. É tentar, com inovação, resolver uma dificuldade ou um desafio. Uma maior compreensão da potência do sistema público como instrumento facilitador para a transformação social é um ingrediente muito importante.
3. Gerar confiança
A relação das pessoas com o mundo político está mediada, de modo geral, pela desconfiança. Parece que enquanto um vive em marte, o outro vive na terra. Isso se dá, principalmente, porque nossas democracias ainda são muito jovens, e não chegaram a um nível de maturidade importante para debater alguns processos, para encarar conversas mais incômodas.
Político e sociedade se comunicam como um pai com uma criança, seja pelo viés do paternalismo ou do paternalismo. Estas duas maneiras têm, em comum, a palavra pátria, que se refere ao pai. transformar a maneira como estes dois mundos se relacionam passam pela construção de uma confiança que só será possível quando houver uma comunicação diferente desta que nos acostumamos a ver.
4. Superar o discurso "Pai para Filho"
Para superar esta mediação que se dá pelo paternalismo, ou pelo patronalismo, tem que passar pelo sistema de prestação de contas. Transparência é muito importante. As pessoas do mundo político pensam que são muito poderosas, que podem fazer o que querem. Por outro lado, o cidadão se acostumou a pensar que exercer a cidadania, participar da democracia, se resume a comparecer à urna a cada quatro anos para votar.
Pela perspectiva da resiliência, é importante que um lado aprenda a prestar contas e que o outro saiba exigir essa prestação. É uma maneira de fazer evoluir esta democracia imatura ainda que temos. Esse amadurecimento vai tomar tempo, mas, seguramente, especialmente uma pessoa que tenha filhos, vai desejar para eles um mundo que seja cada vez mais capaz de gerar mais oportunidades para as pessoas. Não se trata apenas do sentido de cobrar e ser vigilante, mas sim de dizer ao político: "quando eu votei em você, foi porque nós dois nos comprometemos em ir em frente".
5. Aproximar as oportunidades das pessoas
Não dar por certo que criar algo novo irá funcionar automaticamente. O trabalho precisa ser feito o tempo todo, a fim de aproximar as pessoas das oportunidades e as oportunidades das pessoas. Não pode ser feito apenas em um sentido. O poder público adora anunciar que ofereceu uma quantidade de bolsas de estudos, mas as pessoas que poderiam se interessar muitas vezes nem ficam sabendo dessa oportunidade. De uma perspectiva de oportunidades de transformação e de resiliência, é importante não dar as coisas por óbvio. É preciso buscar, um a um, o sonho das pessoas, principalmente aquelas pessoas que estão tão preocupadas em garantir sua sobrevivência, que perderam a capacidade de enxergar mais além.