Sugerida pelo vereador Maurício Scalco (PL), a possibilidade de abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os serviços funerários em Caxias do Sul tomou conta da metade final da sessão legislativa de terça-feira (12). A repercussão aconteceu após o deputado federal Maurício Marcon (Podemos), durante podcast na noite de segunda-feira (11), divulgar o nome dos 16 vereadores que não haviam assinado o requerimento – com exceção da presidente Marisol Santos (PSDB), que não assina – e ameaçar publicar as fotos dos parlamentares que não apoiassem a abertura da comissão de inquérito.
– Estão devendo vela pra qual santo? Daqui dois dias, quem não assinar, vou fazer outro vídeo colocando o rostinho de cada vereador, vou colocar nas minhas redes e nos meus grupos de Whats – disparou Marcon, durante o Podcast Tendel, dos políticos caxienses alinhados à direita.
O questionamento “estão devendo vela pra qual santo?” e a ameaça de expor os vereadores nas redes sociais não agradou aos parlamentares. Foi o próprio Scalco que trouxe o assunto para a sessão, praticamente na metade do encontro. Ele criticou o horário da audiência pública que vai tratar da licitação dos serviços funerários (marcada para o dia 21 de março, uma quinta-feira, às 10h) e a outorga de cerca de R$ 3 milhões a ser paga pelas empresas interessadas em realizar essa atividade na cidade.
— A prefeitura quer fazer uma concessão onerosa, ou seja, para a empresa poder participar e entrar no mercado, tem que pagar um valor inicial, fora o investimento que terá que fazer para montar sua estrutura de empresa. Essa concessão onerosa é de R$ 3 milhões. Uma empresa de pequeno e médio porte provavelmente não vai conseguir participar dessa concessão. Abrir mercado é possibilitar que várias empresas participem, não colocando um valor que não é nem um pouco baixo — avaliou o vereador Scalco.
A partir dessa fala, todas as manifestações na sessão foram a respeito do processo licitatório previsto pela prefeitura e a proposta de abrir uma CPI, para investigar o que Scalco chama de “monopólio dos serviços funerários”. Foram pelo menos 17 vereadores que usaram a sessão para abordar sua visão sobre o tema. Boa parte dos vereadores citou a audiência pública no dia 21 como uma oportunidade de debater o assunto antes de realizar uma comissão de inquérito.
— Dê tempo ao tempo, vereador Scalco, para vencermos as etapas do debate, da audiência pública, das questões jurídicas. É um tempo que vários vereadores precisam para amadurecer essa questão — apelou Rafael Bueno (PDT).
Contrariedade ao monopólio foi unânime
Ainda na sessão, os parlamentares se manifestaram contrários ao chamado monopólio. Mesmo assim, reforçaram uma posição contrária à instalação de uma CPI a poucos meses de uma eleição municipal, sem o devido debate prévio sobre o assunto. Em apartes, os vereadores da direita tentaram argumentar que não se tratava de uma estratégia política, e que o período se devia a prazos prometidos pelo secretário do Meio Ambiente, João Uez, para tratar do assunto.
— Meu interesse é de abertura de mercado, mas não através de uma CPI a seis meses da eleição. Podemos esgotar esses assuntos debatendo com a sociedade. Não precisa ameaçar nem expor nenhum vereador. A gente não reduz esse debate a questões como “se assina esse documento, tu é a favor do monopólio, se não assina, tu é contra”. A gente não pode reduzir assim — disse Lucas Diel (PDT).
— Colocar sua foto ou dizer qual foi sua posição não seria vergonha nenhuma se o senhor está ciente daquilo que quer votar. Eu entendo como transparência. Está sendo feito agora (o pedido de CPI) porque o secretário (João Uez) pediu pelo menos seis meses, foi cobrado, toda vez se pedia mais um mês e se esgotou. Não é por causa das eleições. Com os senhores combinando voto, não conseguimos aprovar nada — respondeu Gladis Frizzo (MDB).
Scalco ainda tem apenas seis assinaturas para abertura da CPI (além dele, Alexandre Bortoluz, Adriano Bressan, Gladis Frizzo, Ricardo Zanchin e Sandro Fantinel apoiam o pedido). São necessários oito dos 23 parlamentares para pedir a abertura de uma comissão de inquérito.
Outorga será de R$ 3,1 milhões
O termo de referência enviado e aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) e que vai embasar o teor do edital, foi publicado no site da prefeitura na tarde de terça-feira. Este documento traz as regras e estabelece as exigências que condicionam o funcionamento das empresas, além de padrões mínimos para cada tipo de serviço funerário prestado. Como esta é uma atividade de responsabilidade do poder público, é necessária uma concessão do Poder Executivo para que empresas façam a oferta de velórios, preparação e transporte de cadáveres e comercialização de produtos como urnas e caixões.
Os serviços funerários serão concedidos mediante o pagamento de um valor de outorga, definida no termo de referência em 70.390 Valores de Referência do Município (VRMs). Para o ano de 2024, a prefeitura estabeleceu que cada VRM equivale a R$ 44,67, portanto, cada empresa interessada em prestar serviços funerários em Caxias do Sul terá que pagar R$ 3,14 milhões para obter o direito de oferecer essa atividade à comunidade. O termo de referência não explica como foi constituído o valor da outorga. O prazo previsto para a concessão é de 10 anos, e poderá ser prorrogado pelo mesmo período.
Uma audiência pública está marcada para o dia 21 de março, uma quinta-feira, às 10h, no auditório da prefeitura. A realização de uma reunião aberta à comunidade é uma exigência dos processos de licitação. Após essa audiência, a prefeitura fará os ajustes técnicos e jurídicos no termo de referência e então publicará o edital.
A partir do edital, o município vai conhecer as empresas interessadas na prestação deste tipo de serviço. Atualmente, apenas o Grupo L. Formolo presta o serviço em Caxias. Nada impede que apenas a L. Formolo participe da licitação e cumpra os requisitos propostos pela prefeitura. Entretanto, para poder seguir atuando, terá que seguir as diretrizes pré-estabelecidas pelo Executivo. Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria do Meio Ambiente (Semma), há um contrato válido entre a empresa e o município, cuja prorrogação foi aprovada pela Câmara de Vereadores há alguns anos. A Semma, entretanto, não soube precisar quando o acordo foi assinado e prorrogado.
Lei foi aprovada em 2021
Atualmente, há uma lei, aprovada pela Câmara em 2021, que prevê a prestação dos serviços funerários por empresas concessionárias em Caxias. Esta lei foi regulamentada por um decreto do prefeito Adiló Didomenico (PSDB) assinado em outubro do ano passado. “Foi a forma definida para controlar, por exemplo, as questões das gratuidades para pessoas em vulnerabilidade. Toda vez que uma empresa de fora atua na cidade sem estar devidamente habilitada, o município reduz o número de velórios sociais”, afirma nota enviada pela Semma.
O termo de referência prevê também a criação de uma Central Municipal de Serviços Funerários, que terá o prazo de oito meses a partir da primeira outorga para ser instituída. Ela terá a competência de organizar as ações do serviço funerário em Caxias, prestando às famílias informações sobre as empresas à disposição para prestação dos serviços necessários, e será composta pelas empresas que participarem da licitação.
O que diz o termo de referência
- "Pelo direito de explorar os serviços funerários, objeto desta licitação, cada concessionário classificado deverá pagar o valor mínimo de outorga de 70.390 VRMs ao município de Caxias do Sul."
- "Da mesma forma, cada concessionário classificado deverá prestar, gratuitamente, serviço funerário a pessoas e/ou famílias em situação de vulnerabilidade social, mediante solicitação do concedente, na proporção de 12% do total dos serviços funerários prestados mensalmente pela concessionária, com base nos dados do mês imediatamente anterior ao da prestação, respeitando o sistema de rodízio."
- "Os valores dos Serviços Funerários Essenciais não deverão exceder 65 VRMs para o padrão I, simples, e 70 VRMs para o padrão II, especial. Quando se tratar de serviço especial infantil, não poderá exceder 35 VRMs."
- "O prazo da concessão será de 10 anos, prorrogáveis por igual período."
- "É vedado às concessionárias praticar preços, dos serviços básico e especial, superiores ao permitido."