Nem mesmo o decreto da Diocese de Caxias do Sul, informando de que os cerimoniais funerários em Caxias do Sul só seriam realizados pela empresa L. Formolo, ou os discursos vigorosos do vereador Maurício Scalco (PL) na tribuna legislativa, denunciando o que chamou de “monopólio”, sensibilizaram os parlamentares a embarcar no pedido de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os serviços funerários na cidade. Scalco, que encabeça a proposta, reuniu até agora cinco assinaturas, além da própria — são necessários no mínimo oito nomes para protocolar o pedido de abertura da comissão. Todos os favoráveis são da oposição ao governo, alinhada com a direita.
A situação dos serviços funerários em Caxias é denunciada pelos parlamentares da direita desde 2021, quando o então vereador Maurício Marcon (agora deputado federal pelo Podemos) abordava o tema no Legislativo municipal. No ano passado, o vereador Scalco retomou o assunto na tribuna, já acusando a possibilidade de abrir uma CPI. Nas sessões de 27 e 28 de fevereiro deste ano, ele trouxe a pauta de volta à discussão no plenário, cobrando a necessidade de abrir o mercado para este tipo de serviço.
— No momento de mais dor, as pessoas estão pagando mais caro. Há um monopólio em Caxias do Sul. A gente traz esse fato há três anos aqui (para a Câmara). Todos (os vereadores) deveriam abraçar essa causa, a quebra do monopólio. Estamos há três anos falando no mesmo assunto, nesse meio tempo morreram muitas pessoas e as famílias tiveram que pagar um valor até 40% acima do mercado da região — manifestou Maurício Scalco na sessão do dia 28 de fevereiro.
Um dia antes, na sessão de 27 de fevereiro, o parlamentar do PL exibiu um decreto, assinado pelo bispo Dom José Gislon, da Diocese de Caxias do Sul, de que “todo e qualquer serviço funerário a ser realizado nas capelas, salões paroquiais e demais departamentos da Mitra Diocesana de Caxias do Sul somente poderão ser realizadas pela empresa concessionária L. Formolo Cia Ltda.”. O documento tem como uma das justificativas uma notificação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), que estabelece multa de R$ 4,7 mil para “infrações cometidas”.
Scalco esbarra em composição da Câmara
Este documento da Diocese foi o estopim para que o vereador Scalco voltasse a pedir uma CPI. Desta vez, ele chegou a buscar assinaturas, mas ainda não obteve o apoio necessário para sugerir a instalação da comissão de inquérito. O tema esbarra na composição da Câmara de Vereadores, que tem hoje 11 parlamentares alinhados com o prefeito Adiló Didomenico (PSDB), e outros cinco que fazem oposição, porém ideologicamente ligados à centro-esquerda — são portanto 16 vereadores que não têm pretensões de acompanhar pautas da oposição de direita.
Neste contexto, precisando de pelo menos mais duas assinaturas, restaria apenas Felipe Gremelmaier (MDB), que não se coloca nem na situação nem na oposição, e não é alinhado com pautas da direita. Nesta terça-feira (12), Scalco deve se reunir com vereadores nos bastidores da sessão ordinária na tentativa de conseguir o apoio necessário.
A respeito do decreto assinado pelo bispo, a assessoria de comunicação da Semma afirma que a lei 670/2021, aprovada pela Câmara, prevê que o serviço seja prestado por empresas concessionárias no município. “Foi a forma definida para controlar, por exemplo, as questões das gratuidades para pessoas em vulnerabilidade. Toda vez que uma empresa de fora atua na cidade sem estar devidamente habilitada, o município reduz o número de velórios sociais”, afirma nota enviada pela Semma.
Serviço foi regulamentado ano passado
No ano passado, em 27 de outubro, o prefeito Adiló assinou um decreto que estabelece exigências que condicionam o funcionamento das empresas, além de padrões mínimos para cada tipo de serviço funerário prestado. Como se trata de um serviço público, é necessária uma autorização do Poder Executivo para que empresas façam a oferta de velórios, preparação e transporte de cadáveres e comercialização de produtos como urnas e caixões, por exemplo.
Este documento vai nortear um processo licitatório, que deve conceder os serviços funerários por 10 anos, mediante o pagamento de um valor de outorga a ser definido. O valor que for arrecadado a partir da concessão do serviço será dividido em 70% para o Fundo Municipal do Meio Ambiente (Fundema) e 30% à Fundação de Assistência Social (FAS). O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) recebeu a minuta do edital ainda no ano passado e já retornou ao município com a validação do trâmite. O próximo passo será a realização de uma audiência pública, marcada para o dia 21 de março, a partir das 10h, no auditório da prefeitura.
A partir do edital, o município vai conhecer as empresas interessadas na prestação deste tipo de serviço. Atualmente, apenas o Grupo L. Formolo presta o serviço em Caxias. Nada impede que, na licitação, apenas esta empresa participe e cumpra os requisitos propostos pela prefeitura. Entretanto, para poder seguir atuando, ela terá que seguir as diretrizes pré-estabelecidas pela prefeitura, com um prazo definido para atuação.
“A audiência será feita no prazo legal, em horário comercial tendo em vista a participação da população que achar poder contribuir com este assunto importante, e de representantes de entidades e de empresas interessadas no processo. Após levantadas todas as informações na audiência, as questões jurídicas e técnicas, se houver, serão encaminhadas e em seguida o edital da licitação será publicado”, explica nota enviada pela Secretaria do Meio Ambiente.
Assinaturas e rito da CPI
- São necessárias assinaturas de um terço dos parlamentares caxienses, ou seja, oito dos 23.
- Os vereadores que já assinaram o pedido de abertura da CPI dos serviços funerários: Adriano Bressan (PRD), Alexandre Bortoluz (Progressistas), Gladis Frizzo (MDB), Maurício Scalco (PL), Ricardo Zanchin (Novo) e Sandro Fantinel (PL).
- A Lei Orgânica Municipal estabelece que as CPIs "têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno, para apuração de fato determinado e por prazo certo".
- Já o regimento interno da Câmara diz que "as Comissões de Inquérito deverão ouvir os acusados e poderão determinar diligências, inquirir testemunhas, requisitar informações, requerer a convocação de secretários municipais ou equivalentes e praticar os atos indispensáveis para o esclarecimento dos fatos".