Com os trabalhos encaminhando-se para o final, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da saúde pública de Caxias do Sul passa a mirar, neste momento, a direção dos hospitais Geral e Pompéia. Em reunião extraordinária na manhã desta quinta-feira, a comissão aprovou a convocação da superintendente do Pompéia, Lara Vieira, e da presidente do Pio Sodalício das Damas de Caridade de Caxias, Sandra Barp. Ainda esta semana, na segunda-feira (25), os integrantes da CPI aprovaram a convocação do diretor-geral do HG, Sandro Junqueira, do ex-presidente da Fundação Universidade Caxias do Sul (Fucs), José Quadros dos Santos, e do procurador-geral da Fucs, Maurício Salomoni Gravina. As datas das oitivas ainda não foram divulgadas.
Até agora, a CPI já ouviu cinco testemunhas e recebeu mais de 70 documentos da Secretaria Municipal da Saúde, das empresas gestoras das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), dos hospitais e do Conselho Municipal de Saúde (CMS). A partir das investigações, a comissão identificou irregularidades no registro de horas médicas dos profissionais na UPA Central, que geraram um custo de R$ 1,3 milhão aos cofres públicos. De acordo com a prefeitura, essa situação foi identificada em agosto de 2022 e o processo de ressarcimento contra o InSaúde (gestor da UPA Central) está em andamento desde abril deste ano.
Em manifestação no plenário no dia 21 de setembro, a relatora da CPI, vereadora Estela Balardin (PT), fez um resgate do trabalho da comissão nos últimos três meses. Na fala, ela enfatiza que, até o momento, os pontos de maior atenção identificados pela comissão são referentes à UPA Central.
– Uma fraude na gestão das horas dos pontos médicos, vindo de uma empresa quarteirizada. Quarteirização esta que é vedada no contrato da UPA Central. Então, a gente não pode pormenorizar esse fato. Isso é algo muito grave. A prefeitura já tinha conhecimento disso, mas a população não – afirmou Estela Balardin.
Instalada em 3 de julho, a CPI da Saúde tem 120 dias para realização dos trabalhos. O prazo conta a partir da constituição da comissão, que ocorreu em 27 de junho, e encerra-se em 25 de outubro. Existe a possibilidade de ampliar o período por mais 120 dias, o que ainda deve ser votado pelos parlamentares.
Atenção básica também tem problemas
Para o presidente da CPI, Rafael Bueno (PDT), outro ponto observado ao longo dos trabalhos é que muitas das pessoas que vão às UPAs poderiam ser atendidas nas unidades básicas de saúde (UBSs), nos bairros.
– Oitenta por cento das pessoas que vão nas UPAs não estão sendo atendidas nas UBSs, ou seja, a atenção básica na ponta está falhando. Vemos o montante maior do orçamento da saúde que se investe na alta complexidade. Não conseguimos atender na ponta, e estamos gastando muito na alta complexidade, nos hospitais. Isso causa uma grande preocupação, porque ou o dinheiro é mal aplicado, ou tem falhas no sistema e precisamos achar os furos.
Em depoimento à CPI da Saúde em 5 de setembro, a secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi, foi perguntada sobre a avaliação que faz da gestão da saúde em Caxias do Sul. Ela reforçou que a oferta de consultas nas UBSs é a “maior dos últimos anos” e afirmou que uma das melhorias que poderia ser feita para aprimorar o serviço na cidade é a organização das agendas.
– Precisa melhorar a organização das agendas, regrando o fluxo de acessos, e já estamos trabalhando por meio do Agenda+UBS. Se a gente olhar o todo, não temos falta de consultas, temos limitações físicas em pontos da cidade, onde poderíamos ter mais médicos para garantir o atendimento às demandas. Nos horários estendidos, nas UBS que funcionam até as 21h, temos ociosidade de agenda. Na nossa gestão, não se fala em redução de serviço, se fala em aumento de acesso – enfatizou.
Principais pontos identificados
Horas médicas irregulares
- O que diz a CPI: a situação foi constatada após os depoimentos do então diretor da UPA Central, Alessandro Ximenes, e da secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi. Os profissionais, ligados à empresa JC Serviços Médicos S/S que prestava serviço ao InSaúde e da qual os médicos são sócios, apresentaram uma produção de horas maior do que a quantidade de serviços prestados. O quantitativo gerou um custo irregular à prefeitura de R$ 1,3 milhão.
- O que diz a prefeitura: a irregularidade foi identificada pelos servidores da Secretaria de Saúde em agosto de 2022 e o processo de ressarcimento foi aberto em abril de 2023, antes do início da CPI.
Quarteirização
- O que diz a CPI: a contratação de empresas que têm médicos como sócios (no caso da UPA Central) ou dos próprios profissionais via PJ (caso da UPA Zona Norte) caracteriza, na avaliação dos vereadores, uma quarteirização — que é quando uma empresa terceirizada contrata uma segunda empresa para suprir a demanda. No contrato da prefeitura com o InSaúde, e no convênio com a gestora da UPA Zona Norte, a Fundação Universidade Caxias do Sul (Fucs), a prática é vedada.
- O que dizem os envolvidos: no depoimento à CPI, a secretária de saúde afirmou que "o plano de trabalho original das UPAs prevê que todos funcionários sejam contratados via CLT, mas com médicos isso não foi possível". Ainda de acordo com Daniele, "a realidade da contratação de médicos via CLT não é atrativa e custa mais caro", e confirmou que ambas as UPAs adotam o modelo de contratação. Segundo a diretora da UPA Zona Norte, Renata Demori, "se fizéssemos uma contratação via CLT ou com servidores públicos, não fecharíamos a escala médica".
Sala do sono
- O que diz a CPI: foi confirmada a existência de uma sala na UPA Central, na qual médicos e profissionais da unidade fariam descansos em horário de trabalho, ou seja, quando deveriam estar prestando atendimento à população. Popularmente, o espaço ficou conhecido como "sala do sono".
- O que diz a prefeitura: a situação foi identificada pela Secretaria da Saúde no final de junho e, na primeira semana de julho, o espaço foi desfeito, voltando a funcionar como sala de procedimentos. No depoimento à CPI da Saúde, a secretária Daniele confirmou a existência do espaço, que seria uma sala criada para isolamentos durante a pandemia, e que imediatamente, ao ter conhecimento, foi determinado o fechamento do espaço. Ela disse que não foram identificadas irregularidades nas horas de serviço prestadas em função do espaço.
Próximas etapas
Hospital Geral
Com as oitivas do diretor-geral do HG, Sandro Junqueira, do ex-presidente da Fucs, José Quadros dos Santos, e do procurador-geral da Fucs, Maurício Salomoni Gravina, já confirmadas, a CPI deve fazer questionamentos em relação às obras de ampliação do HG. Para o presidente da comissão, Rafael Bueno (PDT), não houve transparência com os recursos utilizados e na abertura dos novos leitos, que estão em andamento.
Os vereadores devem ainda questionar os depoentes em relação a documentos, como o Habite-se e o alvará de prevenção e proteção contra incêndio (APPCI) do novo prédio, dos quais os parlamentares querem esclarecer se estão de acordo com a legislação.
Hospital Pompéia
Em relação ao Pompéia, a CPI aprovou a convocação da superintendente da instituição, Lara Vieira, e da presidente do Pio Sodalício das Damas de Caridade de Caxias, Sandra Barp. O assunto principal será o fechamento da maternidade no hospital, previsto para 2024, após o fim do contrato atual entre o Pompéia e a prefeitura, em dezembro deste ano.
O assunto vem sendo discutido desde julho do ano passado, quando o Pompéia comunicou ao Executivo o fechamento do setor materno-infantil na instituição, e que, portanto, deixaria de prestar o serviço tanto à prefeitura, via SUS, quanto aos pacientes privados. Em depoimento à CPI da Saúde, a secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi, afirmou que irá negociar a manutenção do serviço e garantiu que não irá aceitar o fechamento desta ala “sem longas discussões”. Já a superintendente do hospital, Lara Vieira, explicou que a decisão já está tomada, mas que todos os outros serviços prestados pelo Pompéia à prefeitura deverão ser mantidos.