Na véspera de completar 100 dias de governo, assinalados nesta próxima segunda-feira (10/4), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diz estar satisfeito com seu governo. A afirmação foi feita em encontro com a imprensa na sexta-feira (6/4) para tratar dos primeiros momentos do seu terceiro mandato. Na avaliação de lideranças de diversos setores da Serra, a instabilidade econômica e os problemas na saúde são apontados como os principais desafios deste início de governo.
No período, Lula tem a seu favor a retomada de projetos sociais lançados nos seus primeiros governos e da sucessora Dilma Rousseff, como o Bolsa Família — que voltou a nomear o programa de auxílio às pessoas de baixa renda, chamado de Auxílio Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro —, o Mais Médicos e o Minha Casa Minha Vida.
Por outro lado, o petista enfrentou seus primeiros desafios no comando do país. Logo no oitavo dia, em 8 de janeiro, viu Brasília ser invadida e depredada por manifestantes antidemocráticos e apoiadores do ex-presidente Bolsonaro. No final do primeiro mês, o governo federal encarou a denúncia da morte de 570 crianças yanomamis por causas evitáveis nos últimos quatro anos, em terra indígena em Roraima. Acompanhou, nos 100 dias, a tragédia no Litoral Norte de São Paulo, onde as chuvas causaram a morte de 65 pessoas, as denúncias de trabalho análogo à escravidão na Serra Gaúcha e o ataque à creche em Blumenau, em Santa Catarina.
Na Fazenda, pasta comandada por Fernando Haddad, o governo federal tenta aliviar a pressão econômica ocasionada pela inflação e pelas altas taxas de juros. Logo em 12 de janeiro, Haddad anunciou um pacote para zerar déficit de 2,3% do PIB no orçamento de 2023, cerca de R$ 242 bilhões, para menos de 1%. O governo também anunciou a valorização do salário mínimo, de R$ 1.212 para R$ 1.320 a partir de 1º de maio, primeiro aumento real, de 9%, em quatro anos. No início de fevereiro, o Copom manteve a taxa básica de juros (Selic) em 13,75%, e a Petrobras aprovou a distribuição de R$ 215 bilhões em dividendos de 2022, o que corresponde a 120% do lucro da companhia. A respeito dos combustíveis, com o fim da desoneração e aumento no preço da gasolina, o ministro Haddad anunciou em 28 de fevereiro o imposto sobre exportação de petróleo. No final de março, apresentou a proposta de arcabouço fiscal, um conjunto de regras que tem como objetivo evitar o descontrole das contas públicas.
Politicamente, Lula se elegeu em contraponto às polêmicas de Bolsonaro, mas reúne suas próprias controvérsias. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, foi bancado pelo atual presidente, mesmo após ter usado jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) e recebido diárias para viagem que envolveu compromissos particulares. Quanto aos ministros, tanto Márcio França (Portos e Aeroportos) quanto Carlos Lupi (Trabalho e Previdência) anunciaram medidas do governo federal sem o aval da Casa Civil, o que gerou ruídos internos no Executivo e um pedido público de Lula para que seus ministros não divulgassem nenhum projeto sem autorização, e que não quer "propostas de ministros", mas de governo.
Um dos episódios mais marcantes até agora é a entrevista que Lula concedeu ao portal Brasil 247 em 22 de março. Quando questionado sobre seu período preso em Brasília, muito emocionado, lembrou que era questionado por procuradores se "estava tudo bem?", e sua resposta era que só estaria tudo bem "quando eu f... esse Moro" (referindo-se ao ex-juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná). No mesmo dia, a Polícia Federal deflagrou operação contra uma possível tentativa de assassinato de Moro pelo PCC, o que foi chamado de "armação" pelo presidente.
100 dias de governo Lula:
- Na posse em 1º de janeiro, Lula assina 52 decretos e quatro medidas provisórias, e estrutura o governo em 37 ministérios, suspende armas e registros de novos CACs, restabelece o Fundo Amazônia, extingue a Funasa, além de revogar o incentivo ao garimpo ilegal e os sigilos de Bolsonaro.
- No dia 8 de janeiro, manifestantes antidemocráticos e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadem e depredam as sedes dos Três Poderes, em Brasília. No dia seguinte, Lula reúne-se com presidentes da Câmara de Deputados e Senado Federal, membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e 23 dos 27 governadores para repudiar invasões.
- Em 20 de janeiro, site denuncia morte de 570 crianças yanomamis menores de 5 anos em território indígena em Roraima. No dia 21, Lula visita região e STF inicia investigações do caso.
- Lula demite general Julio Cesar Arruda do comando do Exército, por ter se recusado em revogar nomeação de aliado de Bolsonaro para o Batalhão de Ações e Comandos de Goiânia. Para o lugar de Arruda, Lula nomeia o general Tomás Ribeiro Paiva.
- Lula retoma compromissos com a política externa e tem seus primeiros encontros com lideranças estrangeiras. No dia 23 de janeiro, foi à Argentina e encontrou-se com o presidente Alberto Fernández. No dia 30, recebeu o chanceler alemão, Olaf Scholz, em Brasília. Em 10 de fevereiro, Lula é recebido pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na Casa Branca.
- Lula relança Minha Casa Minha Vida, em substituição ao programa Casa Verde Amarela do Governo Bolsonaro, focado no público com renda de até R$ 2,6 mil.
- Governo federal anuncia primeiro aumento real do salário mínimo em quatro anos, de R$ 1.212 para R$ 1.320 a partir de 1º de maio.
- Com o fim da desoneração dos combustíveis em 28 de fevereiro, preço da gasolina volta a aumentar e ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anuncia imposto sobre exportação do petróleo.
- Governo anuncia nova versão do Bolsa Família, no lugar do Auxílio Brasil, com valor de R$ 600, acréscimo de R$ 150 por criança até seis anos e de R$ 50 para famílias com filhos de 7 a 18 anos.
- Mais Médicos é relançado, com preferência para profissionais brasileiros. Dos atuais 13 mil médicos, programa deve se estender para 28 mil.
- Em entrevista ao portal Brasil 247 no dia 22 de março, Lula lembra que, quando estava na prisão, tinha vontade de "f..." o ex-juiz Sergio Moro, que o condenou em primeira instância.
- No dia que marcou a volta do seu antecessor (30 de março), Jair Bolsonaro, ao Brasil, Lula anuncia a proposta de arcabouço fiscal.
- Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, anuncia a antecipação da sua aposentadoria para 11 de abril. Com a saída, Lula terá a primeira de duas indicações ao STF durante seu mandato.
Como lideranças da Serra avaliam os 100 dias de Lula
Valdir Walter, presidente da UAB Caxias (União das Associações de Bairros de Caxias do Sul): "O governo federal precisa olhar com mais carinho para a população mais carente, que foi sacrificada e hoje ainda continua, em função do preço muito alto dos alimentos, que gera uma situação muito difícil e complicada. Para aquele assalariado que ganha seus R$ 1,5 mil, está cada vez mais difícil de sobreviver. O governo federal precisa urgentemente criar um mecanismo para que a classe de baixa renda tenha uma situação melhor na sua alimentação e educação. Um país só vai ser desenvolvido se tiver educação, não tem outra magia. Está mais do que na hora de incentivar universidades, criar cada vez mais bolsas. Não queremos gratuidade, mas as bolsas são importantes porque é só assim que conseguimos colocar os nossos filhos dentro de uma universidade. Isso é primordial, e estamos pedindo socorro nessas questões. Na saúde, estamos agonizando, em nível nacional. Sabemos o grande problema que temos na saúde de Caxias do Sul, então o governo federal precisa incentivar mais a saúde. Temos pessoas aguardando há dois anos por uma cirurgia em Caxias. Com o Mais Médicos, acredito que esta situação deve dar uma amenizada. Estamos pedindo urgência nestas questões."
Celestino Loro, presidente da CIC Caxias (Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul): "A nossa visão do governo Lula ainda é de tentar entender o cenário e os reflexos das medidas que estão sendo anunciadas ou implementadas. Estamos assistindo a uma mudança nas metas de inflação e nas regras de controle fiscal que ainda não estão muito claras. Tudo isso coloca toda a economia e seus agentes em compasso de espera. Vimos como ponto negativo a alta taxa de juros, e entendemos que o papel do governo é justamente o de criar as condições para que os juros sejam reduzidos, garantindo segurança para o mercado e mostrando, efetivamente, o controle das contas públicas. Temos preocupação também com a ideia de estouro do teto de gastos públicos, que, na nossa visão, precisa de controle. Ainda estamos na fase de tentar entender se o discurso vai ser a prática, ou se a prática vai estar distante do discurso."
Helio Marchioro, diretor executivo da Fecovinho (Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul): "Nos últimos anos, nós passamos de uma taxa Selic de 3,75% para 13,75%, ou seja, a essas taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro, nós não temos condições de produzir alimento. A agricultura familiar gera tributo, gera riqueza, oportunidade de trabalho, renda e produz alimento para o mercado interno. Estamos trabalhando forte com o governo e já foi anunciado um valor complementar ao Plano Safra 2022, de forma emergencial, a taxas de 6%. Isso equaliza um pouco o endividamento das cadeias de alimento. Com relação ao Ministério do Trabalho, abrimos um diálogo franco na construção de um sistema de informações e aplicativos de autogestão, para que o setor da agricultura familiar possa interpretar melhor o momento que estamos vivendo, ter informações necessárias para a gestão das propriedades e das vinícolas e ampliar o leque de possibilidades para utilização da mão de obra local ou regional nas nossas atividades. Precisamos acelerar o processo de controle de fronteiras, e destaco a abertura que estamos tendo para diálogos com o grupo de trabalho que coordenamos junto ao Ministério da Agricultura e dentro da Câmara Setorial sobre os descaminhos. Somos testemunha do esforço do governo federal, mesmo com contingente pequeno de profissionais, e estamos percebendo resultados."
Felipe Gremelmaier, vereador de Caxias do Sul pelo MDB: "O embate do presidente com o Banco Central em relação aos juros e a instabilidade econômica causam muita insegurança, tanto ao mercado quanto à população. Já é tempo de o governo resolver essa situação, para que o país gere mais emprego e renda, e que os preços dos produtos castiguem menos o consumidor. Por outro lado, a reabertura dos Ministérios do Esporte e da Cultura deve ser comemorada. São duas áreas importantes que, quando recebem investimento, refletem positivamente na qualidade de vida e na inclusão social."