Às 9h33min desta terça-feira (14/9), a ativista do movimento LGBT+ Cleonice Araujo, conhecida como Cleo, 42 anos, tomou posse na Câmara de Caxias do Sul para ocupar a vaga do vereador Lucas Caregnato (PT) e tornou-se a primeira vereadora trans da história do município. Lucas entrou em licença-paternidade, devendo retornar na sessão de quinta-feira. Cleo é a terceira suplente do PT para a Câmara e fez 1.045 votos na eleição de 2020.
Para que Cleo pudesse assumir, ainda que por apenas duas sessões, nesta terça e na quarta-feira, os dois primeiros suplentes petistas, Rose Frigeri e Alfredo Tatto, foram convocados pela Câmara para assumir a vaga. Eles informaram que declinavam de ocupar a cadeira por razões de suas atividades profissionais. Cada desistência informada ao plenário precisou ser votada e aprovada por maioria absoluta dos vereadores (no mínimo 12 votos) para que então o suplente seguinte fosse chamado, até chegar à convocação de Cleo, que subiu à tribuna para fazer o juramento.
Na sequência, em declaração de liderança, Cleo leu discurso que havia preparado, em que destaca a importância de sua presença na Câmara para a representação política de minorias:
— Meu corpo trans, de origem indígena, marcado por lutas que a sociedade impôs, hoje representa o corpo e a vida das pessoas que se assemelham a mim. Estou aqui em nome das pessoas que possuem apenas as esquinas noturnas como alternativa, em nome das diversas feminilidades que são violentadas todo dia, estou aqui em nome de adolescentes que são expulsos de casa por serem quem são, estou aqui em nome de todas as minorias que, assim como eu, ainda não possuem um lugar justo de ocupação em nossa cidade. (...) É muito importante que nossa cidade veja que existimos, que somos reais, que somos capazes de lutar a favor de um mundo melhor e comum a todos. Minha presença anuncia a possibilidade de uma cidade que vive e celebra as diferenças e encontra na pluralidade uma expressão da democracia e de um projeto de sociedade — destacou Cleo.
Ela recebeu as boas-vindas de praticamente todos os vereadores. Entre as diversas manifestações, a saudação do vereador Felipe Gremelmaier sintetizou a importância do momento.
— Muitas vezes, a gente não se dá conta, mas estamos vendo a história acontecer — salientou, em referência ao dia histórico para a Câmara de Vereadores e Caxias do Sul.
— Sua presença está marcada na história de Caxias do Sul — frisou o vereador Rafael Bueno (PDT).
A vereadora diz que pretende, em sua curta primeira passagem pela Câmara, protocolar um projeto para políticas públicas para a comunidade LGBT+.
História de lutas
Estudante de Direito, Cleo mora em Caxias do Sul há 17 anos. Natural de Rio Branco (MT), descendente de indígenas, ela foi expulsa de casa aos 11 anos de idade já por sua orientação sexual, e conta que acabou levada para uma fazenda no interior do município do Centro-Oeste. No local, o acolhimento se transformou num pesadelo, afinal ela e outras crianças eram obrigadas a se prostituir.
Foram quatro anos em cativeiro, detalha ela, até uma denúncia libertar essas crianças. Cleo descreve que foi levada então a uma congregação da Igreja Católica, mas teve que deixar o local aos 17 anos porque sua opção sexual era um impeditivo para permanecer. Ela já se identificava com o gênero feminino.
Como mulher trans, Cleo conta que teve de se prostituir para conseguir se manter e estudar durante o dia. Em Santa Catarina, sua nova residência, ela abriu seu primeiro salão de belezas e depois casou-se. O casal mudou-se para Caxias do Sul. Atualmente, é uma ativista pela causa LGBT+. Cleo é presidente do Conselho Estadual de Políticas LGBT, do Conselho Municipal de Direitos Humanos e da ONG Construindo Igualdade. O papel na ONG é pioneiro em ter uma casa de acolhimento para a população LGBT+, ponto marcante da luta de Cleo.