Caxias do Sul deve ter um marco histórico nesta terça-feira, na Câmara de Vereadores. Uma primeira mulher trans pode assumir uma vaga no Legislativo caxiense, mesmo que por duas sessões, enquanto vigorar a licença-paternidade de Lucas Caregnato (PT). Trata-se de Cleonice Araújo (PT), 42 anos, mais conhecida como Cleo, ativista do movimento LGBT+. A confirmação só ocorrerá se os vereadores acolherem por maioria absoluta dos integrantes da Câmara (12 votos) as justificativas dos suplentes Rose Frigeri e Alfredo Tatto, ambos do PT, abrindo mão de assumir a cadeira para as sessões desta terça e quarta-feira. Na quinta, o titular já deve regressar.
Estudante de Direito, Cleo mora em Caxias do Sul há 17 anos. Natural de Rio Branco (MT), descendente de indígenas, ela foi expulsa de casa aos 11 anos de idade já por sua orientação sexual, e conta que acabou levada para uma fazenda no interior do município do Centro-Oeste. No local, o acolhimento se transformou num pesadelo, afinal ela e outras crianças eram obrigadas a se prostituírem.
Foram quatro anos em cativeiro, até uma denúncia libertar essas crianças. Cleo descreve que foi levada então a uma congregação da Igreja Católica, mas teve que deixar o local aos 17 anos porque sua opção sexual era um impeditivo para permanecer. Ela já se identificava com o gênero feminino.
Como mulher trans, Cleo teve de se prostituir para conseguir se manter e estudar durante o dia. Em Santa Catarina, sua nova residência, ela abriu seu primeiro salão de belezas e depois casou-se. O casal mudou-se para Caxias do Sul, onde o marido mantinha uma fábrica de álbuns de fotografia. Ela morou primeiro no bairro de Forqueta e depois mudou-se para o Medianeira. Atualmente, é uma ativista pela causa LGBT+. Cleo é presidente do Conselho Estadual de Políticas LGBT, do Conselho Municipal de Direitos Humanos e da ONG Construindo Igualdade. O papel na ONG é pioneiro em ter uma casa de acolhimento para a população LGBT+.
— Eu comecei como voluntária da ONG Construindo Igualdade, depois coloquei meu nome para concorrer (à presidência) e já estou no segundo mandato. A ONG trabalha com a população LGBT, mulheres vítimas de violência e pessoas que convivem com o vírus HIV. Nós temos vários projetos, e o último, que era compromisso de campanha, de criar uma casa de acolhimento para pessoas LGBTs, a única na Região Sul do país e a primeira do Brasil. Como eu fui expulsa muito jovem, não tive todas as oportunidades como boa parte da população LGBT. Essa casa não tem apoio público ou de políticos, mantida pela sociedade caxiense — explica Cleo.
Cleo diz que pretende, em sua curta primeira passagem pela Câmara, protocolar um projeto para políticas públicas para a comunidade LGBT+.
— Tenho essa responsabilidade batendo todos os dias na minha porta, mas não apenas por ser a única pessoa trans (na Câmara). Vou representar uma parcela da sociedade que é excluída todos os dias, desde a sua família até o mercado formal de trabalho e aos acessos à educação. Vou representar essas pessoas que estão à margem da sociedade. Essa é a minha responsabilidade, meu compromisso que todos podemos estar ali nesse espaço que é do povo — afirma Cleo.