Tramita no Senado e tem tomado conta dos debates em redes sociais o projeto de lei que inclui o programa Escola sem Partido dentro da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996). A iniciativa, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), propõe que sejam incluídos como princípios da educação nacional, por exemplo, a neutralidade política, ideológica e religiosa, o pluralismo de ideias, a liberdade de aprender e de ensinar, a liberdade de consciência e de crença e o reconhecimento da vulnerabilidade do aluno como parte mais fraca na relação de aprendizado.
O projeto vai a detalhes: estabelece uma série de deveres aos professores e determina que as regras sejam afixadas nas salas de aulas e nas salas de professores das instituições de educação básica em cartazes com, no mínimo, 90 centímetros de altura por 70 centímetros de largura e fonte (tipo da letra) em tamanho compatível com as dimensões adotadas.
– Esses deveres já existem, pois decorrem da Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Isto significa que os professores já são obrigados a respeitá-los, embora muitos não o façam – diz Miguel Nagib, coordenador do Movimento Escola sem Partido, que inspirou a elaboração do projeto de lei.
Para ele, a proposta é importante para que os estudantes saibam que têm o direito de não ser doutrinados e manipulados por seus professores.
– A doutrinação e a propaganda política, ideológica e partidária nas escolas e universidades é um fato notório nos últimos 30 anos. Esse fato veio a ser corroborado em 2008 por uma pesquisa realizada pelo Instituto Sensus, segundo a qual 80% dos professores da educação básica reconhecem que o seu discurso em sala de aula é “politicamente engajado” – argumenta.
Projetos de lei baseados no anteprojeto do movimento já foram apresentados nas Assembleias do Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Espírito Santo, Ceará, Distrito Federal e Rio Grande do Sul e algumas Câmaras de Vereadores. Na Assembleia gaúcha, a proposta é de autoria do deputado Marcel Van Hattem (PP).
"Alunos são mais autônomos"
Ao mesmo tempo em que ganha adeptos, a proposta gera o contraponto. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ), um grupo de docentes e estudantes de licenciaturas criou o movimento Professores contra o Escola Sem Partido.O grupo entende que o projeto é uma tentativa de intimidar professores e censurar temas, como o de gênero, por exemplo. Para Renata Aquino, integrante do movimento, se na esfera privada a família pode pensar e agir da maneira que quiser, na escola é preciso discutir e abordar certos temas, porque é o espaço onde se convive com pessoas diferentes.
– Mesmo quando existe um professor que busca se impor demais, os alunos não aceitam isso passivamente. O que a gente vê hoje em dia são alunos muito mais autônomos. E, hoje em dia, o desafio é conseguir trazer o aluno para sala de aula. A gente está constantemente disputando com celular, internet, Facebook, Pokémon Go. A gente acha complicado chamar o aluno de audiência cativa, quando a educação é um direito – diz Renata.
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Mais que simplesmente ganhar adeptos, o grupo do Rio de Janeiro quer que as pessoas conheçam, a fundo, o projeto e o Movimento Escola sem Partido.
– Nossa campanha é de conscientização sobre o Escola sem Partido, sobre a educação ser um direito, sobre como é absurdo chamar os alunos de audiência cativa, sobre como a escola funciona de um jeito muito diferente de como eles (defensores do projeto) falam. É um absurdo ter que explicar isso depois da série de ocupações (de escolas). Nosso maior foco é levantar o nível do debate – acrescenta Renata, que é formanda em História pela UFF.
Em Caxias do Sul
A proposta, que tramita atualmente na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, divide opiniões também em Caxias do Sul.
A Coordenadora do mestrado e do doutorado em Educação da UCS, Terciane Ângela Luchese é contrária à iniciativa por entender que ela cerceia a liberdade do professor.
– O professor precisa pintar um cenário de possibilidades. Quem escolhe qual cor enxerga melhor, pensa melhor, é o aluno. Ele nunca será convencido exatamente pelo que o professor diz, mas precisa ter possibilidades para pensar o que é melhor. Essa proposição é totalmente descabida, conservadora, é um retrocesso nós pensarmos que isso possa estar acontecendo. É a mesma coisa pensarmos que os pais produzem exatamente aquilo que são nos filhos. Os pais apresentam o que são e os filhos fazem as suas escolhas – argumenta.
O coordenador da graduação da FSG, Marcos Paulo dos Reis Quadros, é a favor da projeto. Embora considere que sejam necessários “refinamentos” no texto, acredita que as escolas precisam estar longe de cores partidárias. Para ele, os contrários tendem a enfatizar uma suposta inibição do pensamento ou da limitação do professor em sala de aula, quando, na verdade, é o oposto.
– Ele (projeto) valoriza o pluralismo, o livre debate, sem deixar recair num ponto de vista parcial. O professor deve passar conhecimento científico. E o conhecimento superou a esfera da opinião. A opinião é fora da sala, com os amigos. Sobretudo no ensino superior o que a gente espera é o conhecimento científico, baseado em dados, evidências, hipóteses, e não em opinião. O projeto não limita a liberdade de debate. Mas o professor não tem o direito de se posicionar ou fazer proselitismo – justifica.
Confira a opinião de professores da educação básica:
"É uma falácia acreditar que professor e política podem andar separados. Todo ato humano é um ato político, logo, ensinar enquanto ação humana também estará imbuído de política. Escola sem partido, sim. E na prática, o fato de haver concurso e estabilidade já faz a escola ser sem partido. Somos estáveis e isto nos tornaria imunes à influência de partido A, B ou C. Agora, querer que um professor desvincule seu fazer pedagógico da política é querer que o professor não tenha opinião e ensine somente o que um governo A ou B decida. Em uma palavra sobre isto: ridículo." Marcus Serafim, professor de Biologia
"Acredito que seja um retrocesso, uma vez que não dá nenhum enfoque direto a uma vertente ideológica ou outra, mas se faz refletir a respeito da realidade política, social, econômica do país e do mundo na escola. Acredito que seja mais uma tentativa de limitar a atuação docente em questões polêmicas." Gabriel Souza da Silva, professor de Português
"Acredito em escola sem partido. Difícil é encontrar um professor de História sem partido ou isento o bastante para conversar sem tentar convencer". Maridalva Leite, professora de Português e Inglês
"É uma interferência desnecessária e prejudicial, feita por pessoas que não têm nem conhecimento e nem a prática da sala de aula. A autonomia das escolas e a autoridade dos docentes diminui dia a dia já há anos e isso não melhora o quadro da educação no Brasil. A coisa toda é uma falácia. Não há ser humano que consiga ser totalmente neutro. Mas não se trata aí de pregar a neutralidade, pois este projeto quer tornar uma ideologia como mandatória nas escolas. O que podemos evitar é sermos intelectualmente desonestos. Validar um ponto de vista com fatos ou lógica falsos, por exemplo. Mas não conheço muita gente nas escolas que façam isso. A liberdade de expressão e de pensamento são sagradas, e não são menos sagradas se o indivíduo é professor. Se o professor não estiver transmitindo inverdades comprovadas na sua aula, como dizer que o Sol gira ao redor da Terra, que 2+2 são 5, ou que a Inquisição não existiu, ou cometendo um crime, ninguém deveria interferir em seu trabalho". Luiz Hasse, professor de História
"Sou a favor da escola sem partido, devido a fatos que tenho observado e que vêm acontecendo no cotidiano das escolas, principalmente naquela em que estou trabalhando, onde alguns indivíduos oportunistas manipularam claramente jovens alunos com mentes em formação. Foram claramente influenciados. Veja bem: o poder que está nas mãos dos professores, pois podemos influenciar nossos alunos. Sabe-se que muitas das ideologias de vários partidos são passadas, se não descaradamente, muitas vezes subliminarmente." Justina da Rosa, professora de Biologia
O Programa Escola sem Partido é uma proposta de lei que torna obrigatória a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com o seguinte conteúdo:
1. O professornão se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
2. O professornão favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4. Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.
5. O professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
6. O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.
No portal e-Cidadania do Senado é possível opinar sobre o projeto de lei Escola sem Partido. Clique aqui para saber como participar.