O Instituto Rosa Del Este, que desenvolve atividades integrativas de assistência social e educação para as mulheres e seus filhos vítimas de violência doméstica, recebeu recentemente R$ 150 mil, por meio de verba parlamentar. A instituição atua há dois anos e seis meses em Caxias do Sul, com atendimento realizado exclusivamente por cerca de 30 voluntários. O valor recebido será direcionado à contratação de seis profissionais, para um período de seis meses.
A coordenadora, Janaina Nascimento, explica que no espaço alugado de 160 metros quadrados, na Avenida Júlio de Castilhos, são atualmente atendidas 65 mulheres e oito adolescentes, filhos delas:
— A mulher chega a nós por busca espontânea ou indicação. Aqui a gente acolhe e atende as demandas dela. Todo o atendimento é voluntário e gratuito.
A equipe contempla áreas da coordenação, assistência social, psicologia, nutrição e sexologia. Cada caso é um caso, segundo Janaina: há vítimas que precisam ser orientadas sobre a violência que sofreram, receber orientações jurídicas, ter atendimento psicológico ou de saúde. Ainda, os filhos podem ser inseridos em atividades e palestras para ressignificar os traumas sofridos. A manutenção dessas atividades é custeada pela própria equipe no momento. No entanto, para a continuidade do trabalho, o ideal seria o recebimento de aportes financeiros das esferas municipal, estadual e da União.
— Não recebemos recursos do poder público, então, nós buscamos (ajuda) direto com o deputado federal gaúcho Dionilso Marcon (PT) — conta Janaina.
O envio do dinheiro foi aprovado na segunda-feira (17), porém ao vir do Governo Federal, ele deve obrigatoriamente ser encaminhado para a Secretaria Municipal da Saúde de Caxias. O petista garantiu, por meio de ofício, que o valor deve ser somente destinado ao Instituto Rosa Del Este. O repasse ocorrerá até o mês de julho deste ano.
A coordenadora destaca que seriam necessárias a contratação de mais de seis pessoas para o atendimento completo a uma vítima de violência doméstica. Porém, mesmo com o quadro disponível no momento, a instituição já atendeu a mais de 450 mulheres, destas apenas três retornaram para os agressores após as atividades, garante Janaina.
— Temos que entender que ninguém tem o direito de julgar (a vítima), porque não conhecemos a história, não admito julgamento, cada história é única — explica, falando sobre o retorno de algumas mulheres para o ciclo de violência.
Na trama da violência doméstica, qual o meu papel?
Denunciar. As cidades de Caxias do Sul, Garibaldi, Cotiporã e Vacaria, juntas, acenderam um alerta na área da segurança pública na Serra Gaúcha, que já registra oito feminicídios em 2023. Só no mês de janeiro, quatro mulheres foram vítimas de feminicídio. Em fevereiro houve uma morte; em março, duas, e em abril, uma. Ao longo de 2022, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública, 13 crimes contra a mulher foram registrados na Serra Gaúcha, sete destes foram em Caxias do Sul.
A coordenadora do Comitê de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, Maureen Kahler Bagattini, do grupo Mulheres do Brasil Núcleo de Caxias do Sul, destaca que difundir a informação do que é violência e o apoio da rede familiar são imprescindíveis para combater o crime de feminicídio.
O primeiro passo, segundo ela, é identificar as diferenças entre um relacionamento abusivo e amor, cuidado e conforto. A mulher precisa conhecer o que é violência e identificar essas atitudes no parceiro. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
— Informação e apoio podem ser fatores que reduzem crimes, porque o julgamento da sociedade como um todo deixa a mulher mais humilhada, com mais medo, têm vergonha. As mulheres têm vergonha, porque é ruim admitir que você está com uma pessoa que tem sentimento de posse sobre você — afirma a coordenadora.
A mulher quando está sofrendo em um relacionamento abusivo tem alguns sentimentos como vergonha, medo e inferioridade. Maureen explica que o psicológico da vítima é fortemente afetado pelas falas do agressor. Além do receio de deixar os filhos longe do pai, a situação econômica, o sentimento, entre outros fatores, interfere diretamente na demora em romper esse relacionamento tóxico.
A coordenadora de Projetos do Instituto Maria da Penha, localizado em Fortaleza- CE, Rose Marques, reforça que uma das características da violência doméstica é o afastamento da vítima do núcleo familiar. A mulher sozinha fica mais vulnerável às pressões psicológicas e as agressões.
Na maioria das vezes, ainda antes de ocorrerem agressões físicas, a família já pode perceber alguns sinais e alertar a vítima. Rose fala que esse alerta deve ser feito por alguém com quem ela tenha mais intimidade. Além do alerta, essa pessoa deve estar aberta para ajudar na denúncia, separação e se necessário abrir a própria casa para que a vítima se sinta mais segura.
— A família tem um papel muito importante no fortalecimento da mulher, especialmente quando essa família não desiste. Alguns momentos tem-se que recuar e outros chegar junto, mas, tem que estar sempre aberto e disponível, dando apoio incondicional. Isso que se espera das famílias, mas muitas vezes as mulheres atravessam sozinhas essa violência — destaca a cearense.
Maureen Bagattini complementa que o papel da família nestes casos é de escuta, compreensão da situação sem um pré-julgamento. Instigar que a mulher fale o que está acontecendo entre as quatro paredes de casa e a acompanhe na denúncia. Ao fazer o registro de ocorrência, segundo Maureen, também é importante a garantia que haja a medida protetiva e ela seja cumprida, também pela mulher. Essa medida se conhecida e bem executada será eficaz na segurança da vítima.
Ainda falta conhecimento sobre a legistação
Já se passaram 16 anos desde a criação da, Lei Maria da Penha, porém, segundo uma pesquisa de opinião realizada pelo Senado Federal entre outubro e novembro de 2021, entrevistando 3 mil mulheres, denominada "Violência doméstica e familiar contra a mulher - 2021", 81% das brasileiras afirmam não conhecer, por completo, os benefícios da lei. Ainda, destas 27% já sofreram algum tipo de violência.
No site do Instituto Maria da Penha, com a sede localizada em Fortaleza (CE), há a uma descrição sobre a violência doméstica, dividida em fases, protagonizadas pelo companheiro da vítima. Na primeira, o agressor começa a ter acessos de raiva com frequência e em situações insignificantes. A vítima fica preocupada em realizar ações que pode provocá-lo. A segunda fase é a materialização das agressões verbais, atos de violência física se iniciam. Neste momento, há duas formas de ação por parte da vítima, ou o medo é severo demais ela paralisa e continua no relacionamento abusivo por vergonha, ou ainda, já toma uma atitude e denuncia o homem.
Na terceira fase descrita pelo instituto vem o arrependimento. No intuito de conseguir a reconciliação, o agressor torna-se carinhoso e o casal vive em uma lua de mel. A vítima é sufocada por presentes e atitudes educadas. Estes atos estreitam a relação entre o casal, tornando a mulher mais dependente. Entretanto, após alguns meses o ciclo volta a parte 1.
A vítima de violência doméstica apresenta sinais
Esse mesmo ciclo foi descrito pela psicóloga do Centro de Referência da Mulher (CRM) de Caxias do Sul, Tatiana Leidens. No atendimento à vítima, é possível notar esse comportamento do agressor, além de algumas características físicas e emocionais na mulher.
Tatiana cita que uma vítima de violência apresenta alterações psicológicas como sentimento de culpa, pois carrega para si as atitudes violentas do marido, acreditando que as mesmas ocorrem porque ele está cansado ou estressado com terceiros. Outros indicativos são preocupação com o casamento ideal, alteração cognitiva, falta de memória, de atenção, desregulação emocional, agressividade com os filhos e demais pessoas a sua volta, dores crônicas, falta de apetite e perda de sono.
Segundo a psicóloga, a vítima, ao perceber a violência, agrava a situação com o isolamento social, desenvolve ansiedade e síndrome do pânico. Ainda, em diversas vezes, procura um alento no uso excessivo de álcool e drogas.
Tatiana destaca que as vítimas deste ciclo violento precisam de uma rede de apoio. O empoderamento feminino e a entrega de segurança são alguns dos fatores que a encorajam para dar um basta nas agressões. O Centro atende mulheres em duas situações. Aquelas que chegam de forma espontânea, na busca de tirar dúvidas, ter um atendimento psicológico para entender qual o grau de violência se enquadra, muitas vezes elas vêm sem um boletim de ocorrência ou medida protetiva solicitadas. Em outros casos, a mulher chega através da rede de atendimento como Centre de Referência de Assistência Social (CRAS), forças de segurança e demais serviços públicos.
O centro tem a sede dentro da prefeitura, ali se faz uma triagem da situação individual e social da vítima. O grau de violência que ela se encontra e as possíveis medidas. Uma delas é o registro da ocorrência e o encaminhamento para a casa de acolhimento Viva Rachel. Tatiana explica que cada caso é um caso e todos são atendidos, inclusive familiares que também estão sendo ameaçados pelo agressor.
Opções em que podem ser feitas as denúncias no RS
Polícia Militar : telefone 190
Central de Atendimento à Mulher(Canal criado pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres ): telefone 180
Disque denúncia: telefone 197
Whatsapp/Telegram: telefone (51) 98444-0606