Uma reportagem exibida na imprensa, uma publicação que viraliza nas redes sociais ou o apoio de uma terapeuta, de uma amiga ou de um familiar são incentivos valiosos. A conscientização das mulheres sobre seus direitos avança, mas elas ainda precisam de coragem e, muitas vezes, de um empurrão para vencerem o medo e a desconfiança de que suas demandas serão devidamente acolhidas pelo Judiciário.
Essa é a impressão de três advogadas ouvidas por GZH sobre o tema, que encontra respaldo em mais de uma área do Direito. Delma Silveira Ibias, Gabriela Souza e Natália Veroneze comentam, a seguir, quais são as questões do universo feminino mais levadas aos escritórios de advocacia ultimamente. E enfatizam a importância de um assessoramento jurídico preventivo como investimento para que as mulheres não cheguem até os escritórios apenas na condição de vítimas.
Pensão e guarda compartilhada
O que mais leva mulheres aos escritórios de advocacia tem sido um conjunto de questões relacionadas a divórcio ou término de relacionamentos. Nesse contexto, se destacam a pensão alimentícia e a guarda compartilhada.
— Pensão alimentícia tem esse nome, mas não se destina apenas a alimentos, mas à manutenção do padrão de vida da criança — explica Natália Veroneze, que atende seguidamente casos de pais que prometeram pagar determinado valor e não cumpriram, de pensão estabelecida e não paga ou de valor que caducou e não reflete mais as reais necessidades dos filhos, além de pedidos de revisão quando o pai tem novos dependentes.
O valor acordado precisa ser muito bem planejado, contando com gastos como material escolar, uniforme, roupas e tratamentos médicos. Acordos informais, “de boca”, tendem ao fracasso. Um adequado pedido judicial de divórcio ou dissolução de união estável estabelece não só pensão, mas a guarda, o regime de convívio e a partilha dos bens. A guarda compartilhada não tira o dever da pensão.
— É muito doloroso enfrentar um processo de separação e mais doloroso ainda descobrir a real índole dos pais dos filhos após a separação. A pensão e a falta de organização na escala de convívio são causas de muitas brigas entre os casais — comenta Natália.
Violência doméstica
A Lei Maria da Penha protege mulheres diante de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, quando praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Nesse cenário, não são apenas os pedidos de medidas protetivas que chamam a atenção. Existindo filhos, com o movimento da mulher de colocar fim ao relacionamento abusivo, o caso acaba refletindo nas decisões de guarda da criança ou adolescente.
— Têm ocorrido muito falsas denúncias de alienação parental por revanchismo dos homens denunciados por violência. Muita mãe perdeu a guarda depois de denunciar a violência doméstica, tidas como alienadoras — conta a advogada Gabriela Souza.
A mulher consegue findar o relacionamento, mas permanece vítima de violência psicológica. Segundo Natália, os casos que têm chegado ao Judiciário, pela narrativa das mulheres, citam agressores já abusivos antes do fim do relacionamento e que passam a se agarrar ao último elo do casal, ou seja, aos filhos, para continuarem exercendo influência sobre a vida e a autonomia daquela mulher. A lei de alienação tem sido distorcida e usada por abusadores para obter a guarda.
A mulher ainda lida com muito preconceito em todos os ambientes. Com relação a medidas protetivas, por exemplo: em localidades sem delegacia especializada, sofre discriminação e é desacreditada nesses atendimentos.
DELMA SILVEIRA IBIAS
advogada, mestre em direitos humanos, ex-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-RS
— Quando assessorada, a mulher descobre que demandas conjugais e parentais não se confundem e que diversas ameaças feitas por homens em brigas não são elementos jurídicos — explica Gabriela.
Ações indenizatórias
Demandas indenizatórias costumam ocorrer na área de cirurgia estética e, principalmente, no âmbito obstétrico. Para as especialistas, se faz urgente uma educação jurídica para as mulheres. Quando engravidam, um dos primeiros passos deve ser a formulação de um plano de parto, que pode ser protocolado no hospital para garantir sua autonomia.
— A gestante vai para o hospital despreparada. Não sabe que tem direito a acompanhante durante o parto, direito a ser respeitada, a ser consultada sobre todo procedimento. A cliente senta na minha frente e diz: “Não sabia que podia reclamar isso” — conta Delma Ibias.
Qualquer tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causando à mãe perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seu corpo, é considerado violência obstétrica.
— A mulher que sofreu o dano (e buscou reparação) pode usar sua história para que outras não passem pelo que ela passou e isso é muito gratificante — comenta Natália.
Questões ligadas ao Direito da Família, ao abuso doméstico, denúncias de cunho sexual ou envolvendo desigualdade de gênero no trabalho (incluindo assédio moral e sexual) também podem acarretar ações indenizatórias. Gabriela lembra que o STJ entende o dano moral como presumido nos casos de violência doméstica: basta que aconteça para justificar a reparação.
Outros temas importantes
Questões trabalhistas ligadas à desigualdade de gênero e assédio
- O assédio sexual é o ato de constranger alguém com o objetivo de conseguir alguma vantagem sexual. Segundo a advogada Natália Veroneze, já se tem julgados que reconhecem a prática mesmo entre colegas sem relação de hierarquia entre si.
- O assédio moral consiste em condutas abusivas, reiteradas e sistemáticas, por meio de comportamentos, palavras, gestos e agressões, humilhação ou constrangimento, que interfiram na dignidade humana e nos direitos fundamentais da vítima, resultando em prejuízo às oportunidades na relação de emprego.
- Locais de trabalho desestimulam as denúncias pela ideia de que é difícil reunir provas. As mulheres também temem ficar desempregadas. Mas existem, sim, mecanismos judiciais eficientes para proteger as mulheres no ambiente de trabalho - garante a advogada Gabriela Souza. É preciso se informar e buscar seus direitos.
Denúncias ligadas a crimes sexuais (importunação sexual e estupro)
- Importunação sexual significa qualquer prática de cunho sexual realizada sem o consentimento da vítima, com objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
- Exemplos: cantadas invasivas, beijos forçados, ações de “encoxar”, toques sem permissão e masturbação.
- Estupro é o ato de, por meio de grave ameaça ou violência, constranger e obrigar alguém a ter relações sexuais ou qualquer outra ação libidinosa.
- Toques íntimos sem o consentimento também caracterizam estupro.