A violência psicológica contra a mulher agora é crime. Há cerca de um mês, foi sancionada a Lei 14.188/2021 que alterou o Código Penal, caracterizou esse tipo de conduta criminosa e estipulou uma punição para os agressores.
Mesmo que já estivesse prevista na Lei Maria da Penha, a novidade é classificada como um grande avanço pela juíza Madgéli Frantz Machado, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre:
— É importante ter um tipo penal específico que possamos identificar para as pessoas passarem a enxergar como uma ação violadora dos direitos humanos das mulheres. Além da punição em si, ajuda a fazer as pessoas compreenderem, se prevenirem e a atuarem para não passar por situações semelhantes, ou ainda ter coragem para pedir ajuda.
A advogada Natália Veroneze explica que a violência psicológica geralmente faz parte de um ciclo que pode resultar em agressão física ou até em feminicídio. Por isso, é preciso ficar alerta.
— Há uma certa previsibilidade nessa evolução. Quando uma mulher relata a violência psicológica, é um sinal de atenção importante. A próxima ocorrência pode ser física — diz Natália, que atua no Direito em prol da proteção das mulheres.
Mas, na prática, como comprovar esse tipo de crime? E como identificar que você é vítima de violência psicológica no relacionamento? Donna conversou com a juíza Madgéli e a advogada Natália para tirar dúvidas sobre esse tema. Confira a seguir:
O que é violência psicológica?
A nova lei, que alterou o Código Penal, caracterizou a violência psicológica como o ato de "causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação".
Na prática, não costumam ser apenas brigas ou discussões pontuais de casal, mas um comportamento reiterado do agressor baseado em controle, posse e humilhação. A advogada Natália explica que o homem pode ter atitudes como afastar a mulher do convívio de amigos e familiares, descredibilizar a companheira por meio de manipulação (ela é sempre "a louca") e minar sua autoestima para gerar dependência emocional ("apenas eu sou capaz de te amar, quem vai querer ficar com você?"). Também é comum o agressor proibir a vítima de trabalhar, de sair de casa, quebrar seus itens pessoais, como o celular, o que a deixa distante de sua rede de apoio, inclusive para pedir ajuda. Geralmente, a violência vai se agravando, por isso, fique atenta aos sinais.
Como comprovar?
Essa é uma das grandes questões acerca deste tema. Diferentemente da violência física, que deixa marcas visíveis no corpo, o abuso psicológico não é evidente. Tanto a juíza Madgéli quanto a advogada Natália acreditam que um laudo técnico assinado por um médico ou especialista será essencial para a comprovação do crime. Testemunhas (como familiares, vizinhos, empregados domésticos e colegas de trabalho), gravações de áudio, filmagens, prints de mensagens (foto da tela do celular), também são válidos para embasar a denúncia.
— No caso da violência psicológica, normalmente há uma recorrência nas agressões. Histórico de atendimento médico, print de mensagens que comprovam essa humilhação constante, comentários nas redes sociais, é importante reunir tudo isso mostrando a data de cada prova para dar elementos mínimos para o promotor de Justiça oferecer a denúncia — explica a juíza Madgéli.
Já Natália faz outra ressalva: a necessidade de capacitar o poder público, da Polícia ao Judiciário, para acreditar na palavra da vítima. Isso porque há uma parcela de mulheres que não consegue reunir as provas ou tem medo de se colocar ainda mais em risco ao tentar filmar as humilhações, por exemplo.
— Na maioria das vezes, o abuso ocorre na esfera íntima, em casa, quando ela está sozinha. A gente precisa ter uma conscientização para que a palavra da vítima seja levada em conta. Tem que ter uma delegacia da mulher que faça o boletim de ocorrência, que não ache que é "mimimi" — avalia a advogada.
Quais as barreiras?
A comprovação do crime é um dos pontos que mais suscita discussões no momento. Na opinião de Natália, por exemplo, o laudo psicológico é indispensável e se torna mais relevante quando baseado em uma sequência de sessões, configurando o acompanhamento psicológico de fato. De preferência, o atestado deve ter origem no atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS), o que ajuda a ratificar a imparcialidade do documento. A juíza Madgéli vai na mesma linha: para a lei fazer diferença, é preciso ter uma rede de atendimento preparada para receber essa vítima. O SUS também precisa ter papel ativo na prevenção da violência doméstica, explica a jurista:
— O maior número de mulheres que exigem medidas protetivas e registram ocorrência são aquelas que usam o SUS. E o hospital ou o posto de saúde têm que comunicar a polícia quando houver no mínimo a suspeita de violência, está previsto em lei. Até a mulher chegar na delegacia já pode ter passado diversas vezes pelo SUS, apresentar depressão, ansiedade, distúrbios, comportamentos que muitas vezes são sintomas dessa violência.
Qual a punição?
A pena é reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. Caso haja lesão corporal, por exemplo, a pena pode chegar a quatro anos.
Como denunciar?
O primeiro passo é registrar o boletim de ocorrência. Neste momento, se você já conseguiu reunir provas (conversas no WhatsApp, e-mails, comentários em redes sociais, vídeos, fotos, histórico médico, laudo etc), é importante imprimir e levar junto. Quanto mais provas forem anexadas, maior a chance do processo ter elementos mínimos para ir adiante e chegar a uma condenação. Solicitar na delegacia a medida protetiva também é importante, pois garante, pelo menos em tese, que o agressor não terá contato com a vítima.
Ao denunciar, a mulher também será encaminhada à rede de apoio e proteção, incluindo atendimento psicológico. E, se você conhece alguém que é vítima desse tipo de violência, mostre-se disponível para ajudar. Também é possível fazer uma denúncia anônima pelo número 180 ou, em caso de risco iminente, o indicado é entrar em contato com Brigada Militar pelo 190.
O que mais diz a Lei 14.188/2021?
O texto define ainda o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica. A campanha estabelece um protocolo silencioso e seguro para a mulher poder denunciar que sofre violência. Ao ir até uma farmácia, por exemplo, a ideia é apresentar ao atendente um sinal de "X" em vermelho na palma da mão. Nesse caso, os funcionários devem acionar imediatamente a polícia para acolhimento da vítima.
A iniciativa ainda prevê que os poderes Executivo e Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e órgãos de segurança pública possam atuar junto a entidades privadas para a promoção do programa – o que permitiria, portanto, o convênio de diferentes empresas privadas, como hotéis, mercados, farmácias, repartições públicas e outros.
Onde pedir ajuda
- WhatsApp da Polícia Civil: (51) 98444-0606
- Emergências: 190 (Brigada Militar)
- Disque-Denúncia: 181
- Denúncia Digital 181: ssp.rs.gov.br/denuncia-digital
- Central de Atendimento à Mulher: 180
- Delegacia Online: delegaciaonline.rs.gov.br
- Delegacia da Mulher de Porto Alegre (atendimento 24 horas). Endereço: Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia. Telefone: (51) 3288-2172 ou 197 (emergências). As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias.