Caxias do Sul chegou ao fim de 2022 com o menor número de assassinatos desde 2003, quando foram registradas 67 mortes violentas. Até o sábado (31), a ferramenta Contador da Violência do Pioneiro contabilizou 77 vítimas. Portanto, este é o menor registro em duas décadas, conforme levantamento realizado pela reportagem desde 1976.
Embora os números ainda sejam elevados, os dados podem ser interpretados de forma positiva em diferentes aspectos. Desde 2004, o número de vidas perdidas em homicídios, feminicídios e latrocínios sempre ficou acima dos 80 casos por ano. O total de casos do ano que passou representa uma queda de quase 25% em relação a 2021, quando 102 pessoas foram mortas no maior município da Serra. Não houve casos de latrocínio (roubo com morte).
Além disso, nos últimos 15 anos, apenas três, além de 2022, ficaram abaixo da contagem centenária: 2008 (96), 2014 (99) e 2019 (89), conforme a ferramenta do Pioneiro. Não alcançar os 100 assassinatos é um dos objetivos das autoridades de segurança de Caxias do Sul, que já chegou a contabilizar 150 mortes violentas há poucos anos, em 2016.
Para o delegado Caio Márcio Fernandes, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, a integração das forças de segurança pública, com o apoio do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), reflete na redução dos índices:
— Em primeiro lugar, é o trabalho integrado dos órgãos de segurança pública. Nós temos reuniões mensais, onde, em conjunto com a Brigada Militar, realizamos estudos e estratégias. Outra coisa é a permanente troca de informações entre as instituições, que é muito rica e gera esse resultado. Além disso, a confiança que o Ministério Público e o Judiciário têm no nosso trabalho, porque acatam os pedidos que nós fazemos. Graças a isso, conseguimos trazer uma resposta técnica e com provas robustas, que viabilizam a manutenção dos criminosos, tanto executores, quanto mandantes, no sistema penitenciário — aponta Fernandes.
O comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), tenente-coronel Emerson Ubirajara de Souza, acrescenta que o trabalho do setor de inteligência da Brigada Militar, por meio da análise criminal de dados, e a rápida resposta aos crimes contra a vida colaboram para frear a violência na cidade.
Isso dá um sinal para aquelas pessoas que cometem homicídio e para as organizações criminosas: a polícia dá uma resposta rápida.
EMERSON UBIRAJARA DE SOUZA
Tenente-coronel
— Assim que ocorre o delito, nós já começamos a buscar qual é a motivação do crime, quem provavelmente cometeu, nossa inteligência já vai atrás de imagens para identificar os autores... Para se ter uma ideia, neste ano, fizemos 12 prisões em flagrante por homicídio. Isso dá um sinal para aquelas pessoas que cometem homicídio e para as organizações criminosas: a polícia dá uma resposta rápida. De certa forma, desanima e desencoraja os delinquentes — acredita o tenente-coronel.
Ubirajara também pondera que a Brigada Militar trabalha na antecipação dos crimes, prevendo, por exemplo, situações de possíveis revides logo após uma ocorrência. A partir da identificação dos suspeitos, as forças policiais se concentram em determinadas regiões da cidade para evitar novas mortes. Esta análise de cada caso também é feita a partir da troca de informações com a Polícia Civil.
Caso de mulher arrastada por carro chamou a atenção pela brutalidade
Das 77 vítimas de 2022, 63 são homens (81,8%) e 14 são mulheres (18,1%), sendo que, destes, sete são casos de feminicídio. Este, inclusive, é o tipo de crime que registrou crescimento expressivo em Caxias em relação ao ano anterior, quando duas mulheres foram mortas nesse contexto.
Um dos casos de maior repercussão e que mais chocou os caxienses envolveu uma mulher, mas é tratado como homicídio. Na noite de 27 de novembro, Angélica Schena, 28 anos, foi arrastada, em um Gol, por mais de um quilômetro nas ruas de Caxias do Sul. O motorista João Carlos da Rosa, 72, foi indiciado pela Polícia Civil por homicídio doloso qualificado por meio cruel.
Rosa chegou a ser preso em flagrante no dia do crime, mas teve liberdade provisória concedida três dias depois. O advogado de defesa, Lucas Mohr, mantém o posicionamento de que o homem não conhecia Angélica e que foi surpreendido por ela naquela noite, acreditando se tratar de um assalto.
Serra reduz índices; Farroupilha dobra número de mortes
Em termos regionais, também há queda no número de mortes violentas em 2022 em relação ao ano anterior. Em 2021, os 49 municípios de abrangência do Pioneiro contabilizaram 238 assassinatos, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) e contagem da ferramenta Contador da Violência.
Já em 2022, foram 213 mortes violentas nas mesmas cidades de janeiro a dezembro. Dessas, 13 foram feminicídios e seis foram latrocínios, segundo o levantamento da SSP até o fim de novembro e apuração da reportagem até o dia 31 de dezembro — confira os dados no gráfico com total de assassinatos e o detalhamento por feminicídio e latrocínio.
Por outro lado, alguns municípios da Serra deixaram as autoridades em alerta pelo avanço da criminalidade no ano que passou. É o caso de Farroupilha que, no início de março de 2022, já havia contabilizado 13 assassinatos, alcançando o total de mortes de todo 2021. O município registrou 26 mortes violentas, o dobro do ano anterior, segundo a Polícia Civil.
Conforme o delegado Ederson Bilhan, os meses que concentraram o maior número de mortes foram fevereiro (7) e novembro (6). Ele afirma que a maior parte dos assassinatos está relacionada com o tráfico de drogas.
— Foram questões bem pontuais em razão do tráfico de drogas e briga entre facções. Os meses de fevereiro e novembro inflacionaram a estatística. Mas preciso deixar bem claro que todos os casos nesses dois meses ou já foram dadas as respostas ou está sendo dada a resposta, no sentido de prisão, indiciamento. Não se trata de um problema desenfreado. São questões pontuais, que, infelizmente, elevaram nosso índice — defende Bilhan.
Dos 49 municípios da Serra avaliados, 23 não registraram nenhum homicídio, feminicídio ou latrocínio no período de 1° de janeiro a 30 de novembro de 2022. Portanto, as mais de duas centenas de mortes violentas contabilizadas se concentram em 26 cidades da região.
Feminicídios aumentaram 44% na região
Embora os índices gerais demonstrem recuo na violência na região, ainda há situações preocupantes. Em 2022, os feminicídios aumentaram na soma dos 49 municípios de abrangência do Pioneiro. Até o sábado, a reportagem contabilizou 13 vítimas, sendo sete delas em Caxias. No ano anterior, foram nove mulheres mortas na Serra, um aumento de 44%. Os dados levam em consideração o levantamento mensal da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
O caso mais recente do maior município da Serra ocorreu em 16 de novembro. Daiana da Luz, 38, foi assassinada a tiros por volta das 22h dentro da casa dela no bairro Cruzeiro. O autor do feminicídio é Paulo Fernando Welter, 34, ex-companheiro da vítima, que atirou contra ele mesmo logo depois do crime. Antes dela, entraram para as estatísticas Bruna Grasselli de Jesus, 28, Jussara de Souza Oliveira, 51, Carla Aparecida dos Santos, 42, Marivane Geraldina Cavalheiro de Oliveira, 49, Jéssica de Paulo Rodrigues, 25, e Lindamir dos Santos, 32.
Para o delegado regional da Serra, Augusto Cavalheiro Neto, o número de vidas de mulheres perdidas alerta para a necessidade de fortalecer a rede de proteção após a denúncia.
Se nós fortalecermos a rede de proteção, a tendência é que consigamos evitar o maior número de feminícidios possíveis.
AUGUSTO CAVALHEIRO NETO
Delegado regional da Serra
— Com o empoderamento e com as campanhas, nós conseguimos mostrar para as mulheres que elas não são obrigadas a suportar relacionamentos abusivos. Aumentaram as denúncias e as ocorrências. Agora, com esse aumento de casos, nós temos que aumentar e implementar ainda mais a atenção e o cuidado no pós-ocorrência. Se nós fortalecermos a rede de proteção, e isso envolve não só a Polícia Civil, como todas as outras instituições, a tendência é que consigamos evitar o maior número de feminícidios possíveis — argumenta.
Além de Caxias, Antônio Prado, Gramado, Ipê, São Francisco de Paula, Serafina Corrêa e Veranópolis registram feminicídios na Serra em 2022, conforme levantamento da SSP.
OUTROS DADOS DE CAXIAS DO SUL
:: A Brigada Militar (BM) realizou 12 prisões em flagrante em casos de homicídio em 2022.
:: A Polícia Civil contabilizou 130 prisões entre temporárias, preventivas e flagrantes, por intermédio da Delegacia de Homicídios.
:: Em operações direcionadas para prevenção de homicídios, a BM apreendeu 318 armas de fogo. A Delegacia de Homicídios, por sua vez, apreendeu 13 armas.
:: Até o fim de novembro, 193 investigações foram remetidas ao Poder Judiciário pela Delegacia de Homicídios, sendo que o índice de esclarecimento é superior a 70%. As investigações se referem, em sua maioria, a casos de tentativa de homicídio e assassinatos.
Fonte: Brigada Militar e Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa.