Nesta quinta-feira (9) completa uma semana que a idosa de 73 anos, encontrada pela Polícia Civil em um hotel de Garibaldi depois de ter ficado 44 anos desaparecida, voltou a morar com a família. A mulher foi localizada pelos agentes após uma denúncia anônima sobre maus-tratos e situação semelhante à escravidão. No último dia 2, a idosa reencontrou os familiares e está vivendo, desde então, na casa de uma sobrinha, em Cachoeirinha. Os nomes são preservados a pedido da família.
Desde o encontro, órgãos públicos e os parentes da mulher trabalham em colaboração para saber quais eram as condições em que ela viveu por mais de 30 anos no Hotel Pieta, onde foi localizada, e se houve crime cometido pelo estabelecimento.
O que já se sabe sobre o caso:
Idosa é encontrada após denúncia anônima de maus-tratos
Ao investigar uma denúncia de maus-tratos e de trabalho semelhante à escravidão, a Polícia Civil encontra uma mulher de 73 anos vivendo em um alojamento improvisado no térreo do Hotel Pieta, em Garibaldi, no dia 31 de janeiro.
A idosa estava desaparecida desde 1979 após ter tido um desentendimento com a família. Contudo, ela só teria entrado para o banco de dados de pessoas desaparecidas em 2021, quando familiares registraram o caso e forneceram material genético ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) para comparação em caso de localização. No dia 2 de janeiro, a Polícia Civil promoveu o encontro entre a idosa e a família.
Ministério do Trabalho e Emprego dá início às investigações
As investigações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) têm início para determinar em quais condições a idosa vivia no hotel e qual era a relação trabalhista, para verificar se estava em condição de trabalho análogo à escravidão. Advogado do hotel, Flávio Green Koff, afirma que a idosa era conhecida como Luíza, que chegou a trabalhar com carteira assinada entre 1990 e 2000, mas, desde então, não tinha mais atividade funcional e era apenas sustentada pela família Pieta, proprietária do estabelecimento.
Sobrinha fala com a reportagem pela primeira vez
Em entrevista ao Pioneiro, no dia 3 de fevereiro, a sobrinha da idosa contou como estavam sendo os primeiros dias da mulher em casa e a readaptação. Teve início um processo de reapresentação e aproximação cautelosas com os parentes para que a mulher não fosse surpreendida com muitas informações e encontros ao mesmo tempo.
Vídeo mostra o ambiente onde a mulher vivia no hotel
Um vídeo feito pela Polícia Civil no dia em que a idosa foi encontrada mostra o alojamento em que ela vivia nos fundos do hotel, em um espaço que não foi projetado para receber hóspedes. A polícia diz que a idosa fazia as refeições em uma cozinha improvisada, a poucos metros de distância do quarto, que não tinha iluminação ou janelas.
A polícia relata ainda a existência de teias de aranha no ambiente, banheiro sem pia, móveis velhos e gastos nos cômodos. O órgão não informa sobre as condições de alimentação.
Em segunda inspeção, MTE encontra arrumado o alojamento da idosa no hotel
Na última segunda-feira (6), o MTE faz uma inspeção no Hotel Pieta. Na ação, profissionais encontram o ambiente diferente do visto pelos policiais civis quando a idosa foi localizada.
Desta vez, cozinha, quarto e banheiro estão limpos e o quarto tinha luz elétrica, o que não havia no dia em que a mulher foi achada pelos agentes. Pelas novas imagens é possível ver que os móveis da cozinha, que estavam quebrados, foram consertados, o fogão foi substituído e o banheiro, que não tinha pia, ganhou uma nova.
Idosa faz o primeiro CPF aos 73 anos
Enquanto as investigações seguem em Garibaldi, a idosa faz o primeiro Cadastro de Pessoa Física (CPF), na segunda-feira (6), em Cachoeirinha. Ela nunca teve qualquer documento de identificação.
À reportagem, a sobrinha da idosa relata que ela está empolgada com a novidade e diz ter certeza de que o processo burocrático é "uma coisa boa" para a vida dela. Além do procedimento legal, a tia é levada pela sobrinha a um salão de beleza para deixar os cabelos e as sobrancelhas bonitos para a foto da carteira de identidade.
Idosa afirmou trabalhar no hotel de segunda a segunda
Em conversa com fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na quarta-feira (8), a idosa afirma que trabalhou nos últimos 20 anos no Hotel Pieta de segunda a segunda, das 6h às 16h, com uma hora de intervalo e que não tinha folga na semana. Ela diz ainda que recebia de R$ 25 a R$ 50 por semana.
Os agentes do MTE afirmam que ela teria trabalhado de forma regular no local entre 1986 e 2000, com carteira de trabalho registrada. Depois deste período, ela foi desligada, mas disse que permaneceu atuando na área da limpeza. Assim, ela continuaria vivendo no local e recebendo esse ganho semanal.
O advogado Flávio Green Koff, que representa o Hotel Pieta, nega que a idosa tenha ficado em qualquer função no estabelecimento de Garibaldi nos últimos 23 anos. Koff confirma que a mulher foi desligada no ano 2000, mas que permaneceu lá como alguém da família, sem trabalhar, porque "não teria mais ninguém". O MTE investiga o caso.
Polícia Civil descarta cárcere privado
Também na quarta-feira, a Polícia Civil ouviu dois sócios-proprietários do hotel e uma administradora. O delegado Marcelo Ferrugem descarta o cárcere privado informado anonimamente na denúncia inicial. Afirma que a mulher teria total liberdade de locomoção. Que esta mesma situação pode fazer com que a condição de trabalho análogo à escravidão também seja descartada.
Desta maneira, como acrescenta o delegado, por enquanto, a investigação ainda deve averiguar se a situação em que vivia a mulher configura o crime de maus-tratos a idoso.