O toque habitual do telefone não anunciava a notícia que seria dada à uma família de Cachoeirinha, Região Metropolitana, pela Polícia Civil de Garibaldi, na Serra. Na última terça-feira (31), familiares que buscavam uma mulher desaparecida há 44 anos, souberam que ela tinha sido encontrada viva, a cerca de 108 quilômetros de distância. A idosa de 73 anos estava desaparecida desde 1979, quando teve um desentendimento com parentes e decidiu ir embora. O reencontro com a família ocorreu nesta quinta-feira (2).
Depois da ligação, policiais enviaram uma foto à uma das sobrinhas da idosa para confirmar ser a mesma pessoa. A imagem causou um misto de emoções na sobrinha e na mãe, que fez o reconhecimento da irmã na mesma hora.
Entre idas e vindas aos cartórios da região e na Polícia Federal, a família nunca teve qualquer registro que indicasse o local onde ela poderia estar. Chorando, a sobrinha revela à reportagem sobre o momento em que procurou até mesmo por um atestado de óbito.
— A gente ficou muito tempo procurando por ela, fomos à Polícia Federal e não encontramos o CPF e nenhum registro de que ela existia. Então, fomos ao cartório e pedimos uma segunda via da certidão de nascimento para procurar um registro de óbito. Não tem coisa mais dolorosa de fazer — contou a sobrinha de 44 anos, que pediu para não ser identificada.
Conforme lembra a sobrinha, o registro do desaparecimento da idosa foi feito só em 2021, depois dos familiares assistirem à uma reportagem do Jornal do Almoço. A matéria da época informava que a Polícia Civil estava coletando materiais genéticos de familiares de pessoas desaparecidas, para cruzar com os dados de indigentes que tivessem sido registrados no Departamento Médico Legal (DML).
A notícia de que a mulher foi encontrada causou tumulto na família e todos quiseram se deslocar de Cachoeirinha a Garibaldi para vê-la depois de tantos anos. Ainda conforme a sobrinha, profissionais da Assistência Social de Garibaldi prestaram os primeiros atendimentos e continuam em contato com a família para averiguar como está a saúde da idosa.
O tímido reencontro
Para não assustar a idosa, que está lembrando aos poucos dos familiares e de pessoas com quem conviveu há 44 anos, a "grande família" está fazendo encontros tímidos. De pouco em pouco, todos os que estão longe poderão rever e conversar com ela, respeitando os momentos em que ela se abre para falar.
Conforme a sobrinha, ela ainda está se habituando a nova realidade e ainda não desfez as malas que trouxe do hotel porque acredita que vai voltar para o local a qualquer momento. Para respeitar a privacidade dela, que morou sozinha por tantos anos, a sobrinha a acolheu em um espaço que fez na própria casa para receber uma irmã da idosa há algum tempo. Conforme a sobrinha, a irmã de 81 anos faleceu há cerca de um mês.
— Toda essa situação é muito emocionante porque há um mês nós perdemos outra tia e nunca imaginamos encontrar essa depois de tantos anos de procura — lembra a sobrinha emocionada.
Atualmente, dos oito irmãos da idosa, cinco estão vivos. A mãe deles faleceu em 2011, aos 101 anos, sem ter qualquer notícia da filha.
— O que estamos fazendo agora é reapresentar ela para os familiares, ela não reconhece todo mundo porque lembra dos rostos deles jovens e já passaram 44 anos. É estranho, mas de pouquinho ela vai lembrando de todos os que estão vivos ainda. Nosso trabalho é respeitar o tempo dela, respeitar quando ela quer falar e o que ela quer falar e acolher com todo carinho e amor que a gente tem — afirma a sobrinha.
Conforme relata a sobrinha, a tia é vaidosa, gosta de pintar os cabelos e tem um cuidado carinhoso com as próprias coisas. O contato entre elas é divertido e, aos poucos, ela brinca com a idosa para fazer ela rir e conhecer melhor o novo ambiente em que está vivendo.
Vivendo em um hotel
A sobrinha acredita que, com base nos relatos da Polícia Civil à família, a idosa estava vivendo enclausurada em um espaço sem iluminação. A desconfiança dos patentes é de que ela estivesse trabalhando até os dias atuais para pagar pelo espaço que fica no subsolo do Hotel Pieta. Ainda conforme a sobrinha, a idosa fala pouco e não come muito. Os familiares acreditam que ela não tinha o hábito de fazer muitas refeições enquanto esteve morando no hotel.
De acordo com a Polícia Civil, os agentes receberam a informação de que uma pessoa estaria vivendo no hotel em situação de maus-tratos, em um ambiente com condições degradantes. Ao averiguar a informação, os policiais encontraram a idosa fisicamente bem, mas com sinais de confusão mental. A mulher, que morava no hotel há cerca de 30 anos, estava falando pouco e assustada com toda a situação.
O assessor jurídico do hotel, Flávio Green Koff, disse, nesta tarde, à reportagem que a mulher, conhecida no local como Luíza, foi funcionária do estabelecimento no período de 1990 a 2000. Depois, o contrato da mulher foi encerrado, mas, ela não queria sair da cidade e não tinha para onde ir. Disse que, então, os herdeiros não sabiam o que fazer e a deixaram ficar no hotel. Que nestes últimos 23 anos Luíza não tinha atividade funcional no hotel, mas era sustentada pela família Pieta.
Segundo Koff, a mulher não queria ir embora e não tinha documentação, permanecendo no local. Atualmente, ela residia em um quarto de nove metros quadrados e tinha acesso a um banheiro, que ficava cerca de 20 metros distante da peça. No quarto, ela tinha uma cozinha, onde preparava o próprio alimento, quando não queria se alimentar no hotel. O advogado garante que ela tinha acesso ao restaurante e era sustentada financeiramente, podendo pegar dinheiro do hotel para ir ao mercado ou farmácia.
Os próximos passos
Os próximos passos para a nova vida da idosa serão fazer o registro dos documentos que ela não tem. Conforme a sobrinha, por causa do feriadão de Nossa Senhora dos Navegantes nesta quinta (2), os serviços na cidade de Cachoeirinha só voltam na segunda (6).
Além da documentação, a família pretende buscar a assistência social do município para conseguir o atendimento de saúde que ela precisa e auxílio psicológico.
— Vamos atrás desse acompanhamento psicológico pra que ela consiga lidar com essa mudança da melhor forma. Queremos que ela saiba que estamos aqui pra festejar a vida dela com todo amor e saudade que ficaram acumulados nesses 44 anos — declarou.
A parente disse que a família buscará na Justiça os direitos da mulher para que ela possa se aposentar e viver os próximos anos de vida com dignidade.