Um pedido de quase duas décadas, mas que ganhou pressão política nos últimos dois anos agora virou realidade. Caxias do Sul passa a ter um cartório especializado no atendimento a idosos. A inauguração na Central de Polícia está marcada para a manhã desta quinta-feira (23). A equipe de policiais atuará exclusivamente com casos que envolvam pessoas com mais de 60 anos, principalmente os crimes previstos no Estatuto do Idoso (veja quadro abaixo).
O cartório contará com três servidores e duas salas na sede da Polícia Civil no bairro Jardim América. A responsável será a delegada Aline Martinelli, que é titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam).
— É uma antiga reivindicação da comunidade de Caxias do Sul. Cabe a polícia fazer os esforços necessários, dentro dos poucos recursos humanos e materiais que temos, para atender. Este é um "embrião" de uma futura delegacia do idoso. Irá atender de forma especializada aqueles crimes que idosos são vítimas, especialmente aqueles previstos no Estatuto do Idoso — aponta o delegado regional Cléber dos Santos Lima.
A necessidade de um atendimento policial especializado ao idoso foi citada ainda em 2003, quando foi criada a Comissão Especial do Idoso pela Câmara de Vereadores. Na época, o vereador Idair Moschen (PHS) sugeriu ao Governo do Estado a criação de uma Delegacia do Idoso para investigar casos de maus-tratos.
A reivindicação ganhou força em 2019m novamente pelo movimento da Câmera de Vereadores. Na ocasião, o presidente da Comissão do Idoso, vereador Felipe Gremelmaier (MDB), levou um requerimento a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) e afirmou que Caxias do Sul tinha cerca de 70 mil habitantes com mais de 60 anos. O último censo foi em 2010, quando a cidade possuía 46,9 mil idosos.
— Será um espaço apropriado para que o idoso se sinta acolhido, onde poderá se sentir mais a vontade para fazer denúncias e o atendimento terá esse olhar diferenciado. É um benefício enorme para a comunidade. Até então, o idoso estava na vala comum, era mais um número entre milhares de ocorrências policiais. Esse é um início de trabalho, semelhante ao que vimos com a Delegacia da Mulher — comenta Daniele Rech, presidente da Comissão Municipal do Idoso, que mantém a expectativa que a Delegacia de Proteção ao Idoso vire uma realidade em pouco anos.
A Polícia Civil nunca negou a intenção de criar uma Delegacia do Idoso na segunda maior cidade gaúcha. Este atendimento especializado já acontece em Porto Alegre e Santa Maria, desde 2004. A dificuldade era a falta de policiais. O efetivo da Polícia Civil é estimado em menos de 50% do que é considerado ideal para o Estado. A criação do Cartório do Idoso foi possível graças a um remanejamento interno da Polícia Civil na Serra.
— Foi um esforço da Delegacia Regional para atender a comunidade. Ainda precisamos de mais policiais para atender outras demandas em andamento e aguardamos pelas próximas turmas — afirma o delegado Lima.
Em 2020, o Conselho Municipal do Idoso recebeu 332 denúncias. A maior parte (36%) foi de casos de negligência, seguida por violência patrimonial (15%), violência psicológica (14%) e violência física (10%). A maioria das vítimas (62%) são mulheres. Apesar de ser pedidos de ajuda, o Conselho reforça que o canal para denúncias de violência contra idosos é o Disque 100. Com a criação deste cartório, a Polícia Civil passará a contabilizar números de ocorrências em que idosos são vítimas na cidade — o que não é feito por idade atualmente.
Crimes previstos no Estatuto do Idoso
:: Discriminar pessoa idosa, impedir ou dificultar acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou ao exercício da cidadania, por motivo de idade.
Pena: de seis meses a um ano de reclusão.
:: Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde.
Pena: de seis meses a um ano de reclusão. A pena é triplicada se resultar em morte.
:: Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde e entidades de longa permanência ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei.
Pena: de seis meses a três anos de reclusão.
:: Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica do idoso. Subter a condições desumanas ou degradantes, privar de alimentos e cuidados indispensáveis ou sujeitar a trabalho excessivo ou inadequado.
Pena: de seis meses a um ano de reclusão. Se resultar em morte, de quatro a 12 anos.
:: Dificultar o acesso de alguém a qualquer cargo público ou negar emprego por motivo de idade.
Pena: de seis meses a um ano de reclusão.
:: Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso.
Pena: de um ano a quatro anos de reclusão.
:: Reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida.
Pena: de seis meses a dois anos de detenção.
:: Exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso:
Pena: de um a três anos de detenção.
:: Coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração:
Pena: de dois a cinco anos de reclusão.