Pela segunda vez desde 2016, Canela registrou três homicídios em um mês. As mortes colocaram o município de 45 mil habitantes como a oitava cidade gaúcha mais violenta em janeiro, junto com Novo Hamburgo, Gravataí e outros quatro municípios que também tiveram três mortes por violência no mês passado. Aparecer entre as 10 cidades gaúchas é uma situação inédita para Canela.
A outra vez que Canela teve três homicídios em um mês foi em fevereiro do ano passado. Na ocasião, foram duas mortes durante brigas de família e uma execução relacionada ao tráfico de drogas, que colocaram o município turístico como o 14º mais violento daquele mês — 2020 terminou com seis assassinatos na cidade.
Nos últimos cinco anos, a cidade teve outros quatro meses com dois homicídios registrados. A média foi de seis assassinatos por ano. Ou seja, no primeiro mês de 2021, Canela já teve metade da média de mortes por violência no ano.
Vale ressaltar que o primeiro mês deste ano ainda teve outras duas mortes ligadas com fatos violentos. No dia 20 de janeiro, o motoboy Lucas Ebertz Angeli, 27 anos, foi espancado por vários homens em via pública. As agressões foram filmadas e circularam por redes sociais. Oito dias depois, Angeli morreu em um hospital. Contudo, a perícia preliminar apontou que a morte aconteceu "em razão da debilidade da vítima pelo uso contínuo de drogas" e, por isso, o caso não é tratado como homicídio.
Um caso semelhante aconteceu no dia 9 de janeiro, quando Rafael Narciso Schuch, 27 anos, foi agredido por dois vizinhos. Menos de 48 horas depois, Schuch morreu. Segundo a análise pericial divulgada pela Polícia Civil, a causa da morte foi uma overdose de drogas.
O ano mais violento de Canela foi 2019, quando foram registrados 11 homicídios. A estatística colocou o município da Região das Hortênsias como a 28ª cidade gaúcha mais violenta daquele ano.
Envolvimento de adolescentes chama atenção
Para além das mortes, o envolvimento de menores de idade com a criminalidade também chamou a atenção em Canela durante o mês de janeiro. Inclusive, um adolescente de idade não divulgada foi apontado pela Polícia Civil como o autor do duplo homicídio no bairro Eugênio Ferreira. O crime aconteceu na madrugada de 14 de janeiro, quando dois homens chegaram em uma residência e atiraram 12 vezes contra seus rivais.
O jovem infrator foi apreendido com o revólver calibre .38 e uma pistola .22 no dia seguinte ao crime. Segundo a investigação, o ataque ao ponto de tráfico foi ordenado por um detento do Presídio Estadual de Canela.
Em suas manifestações, o delegado Vladimir Medeiros costuma ressaltar que praticamente todos os homicídios em Canela estão diretamente relacionados ligados à guerra entre facções pelo tráfico de drogas. É o crime organizado que recruta estes jovens para a delinquência.
— Essa utilização da mão de obra adolescente pelos grupos criminosos não é um fenômeno recente. É algo que verificamos desde 2018. Grande parte dos fatos graves tem sido cometido por adolescentes, sejam ligados à facção ou não. São homicídios, roubos e tráfico de drogas — aponta Medeiros.
O chefe da Polícia Civil de Canela aponta que 25 adolescentes estiveram envolvidos em fatos graves no ano passado, sendo que alguns deles participaram de mais de um ato infracional. As idades são variadas, mas na maioria dos casos os infratores estão se aproximando dos 18 anos.
— É uma questão bastante complexa. Em geral, observamos que são adolescentes envolvidos em uma família extremamente desestruturada, que não possuem referências paterna ou materna e que vivem em regiões em que as facções permanentemente buscam tomar o poder. Basicamente, estes jovens não têm perspectivas de trabalho. A referência que eles têm são os criminosos — analisa o delegado Medeiros.
O envolvimento de menores com o tráfico também ficou demonstrado na apreensão de um adolescente no dia 11 de janeiro. Segundo a investigação policial, o jovem, que foi flagrado com porções de crack, cocaína e maconha prontas para a venda, estava jurado de morte por traficantes rivais que até já tinham uma cova preparada para ele.
Outros exemplos aconteceram em ações da Brigada Militar (BM), como o flagrante de um rapaz de 17 anos com 45 comprimidos de ecstasy escondidos na cueca, no dia 25 de janeiro. Uma semana antes, no dia 17, dois jovens foram apreendidos, junto com dois adultos, com 407 gramas de drogas e 102 munições de diversos calibres no bairro Santa Marta.
— O mês de janeiro foi atípico, tanto por este número elevado de mortes quanto dos flagrantes com adolescentes. É usual quadrilhas terem adolescentes como uma ferramenta. Porque na cabeça deles, os menores, quando são apreendidos, logo são soltos na rua de novo. Eles percebem como sendo mais fácil e usam estes menores. Então, quanto maior é o cerco que o nosso efetivo faz à circulação de armas e de drogas, fatalmente também será maior o número de adolescentes flagrados — aponta o capitão Ubirajara da Rocha Dill.
O mais jovem apreendido, segundo divulgado pela BM, foi um adolescente de 15 anos, flagrado durante uma operação que recolheu três armas de fogo no bairro Chacrão e prendeu sete adultos, no primeiro dia do ano. O rapaz era morador de Caxias do Sul e já possuía passagem por tráfico de drogas.
— São alguns fatos bastante graves, mas não considero um número que chame a atenção. É um número que tem crescido e esta visibilidade acontece pela maior movimentação de crimes nestes últimos dois meses. Dezembro e janeiro são meses em que, tradicionalmente, há uma elevação dos índices na nossa cidade — pondera o delegado Medeiros.
De acordo com os dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), Canela teve 17 ocorrências de tráfico de drogas e outras 12 por posse neste primeiro mês do ano. A BM relata ter recolhido 12 armas de fogo em janeiro, um número considerado recorde.
— A comunidade de Canela não está acostumada com este número de ocorrências, mas nosso efetivo está trabalhando e consideramos sob controle. Tudo acontece em volta do tráfico. (Criminosos faccionados) sobem do Vale do Rio do Sinos por esta guerra da droga e executam inimigos que não querem ceder espaços (nos bairros invadidos) ou fazer a venda da drogas deles. Temos dado a resposta necessária, mas há insistência destas facções — afirma o capitão Dill.
Os números
Janeiro de 2021: 3 homicídios - 7º município gaúcho mais violento
2020: 6 - 53º
2019: 11 - 28º
2018: 4 - 76º
2017: 5 - 69º
2016: 5 - 68º