Ao iniciar operação em Caxias do Sul em outubro de 2016, o aplicativo Uber chegou já consolidado em diversos países como opção diferenciada para o transporte individual de passageiros. E o deslumbramento da população local foi imediato.
Gradualmente, no entanto, essa relação vem ruindo, e hoje, quase nove meses depois, as críticas ao serviço surgem com maior frequência e o atendimento passa a ser questionado pelos usuários. A mais comum das reclamações é com relação a supostas cobranças indevidas, problemas de rota do próprio aplicativo e a falta de treinamento dos motoristas, já que muitos desconhecem os locais onde são solicitadas as corridas.
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"O único diferencial restante é o preço"
– Certo dia solicitei Uber e indicou que a corrida daria entre R$ 10 e R$ 15. No meio da viagem, o motorista cancelou alegando problema no aplicativo, fez um caminho bem maior e quando chegou ao destino cobrou R$ 25. Questionei ele, que me apresentou um print de uma viagem anterior achando que eu não perceberia. Reclamei para a Uber, que não fez nada, nem sequer me devolveu o dinheiro – relata a coordenadora sindical, Camila Sartor.
A sindicalista afirma que após sucessão de situações "desagradáveis", passou a utilizar novamente o táxi como principal opção para se locomover:
– Não vou negar que somos bem atendidos também (por meio do Uber), em várias ocasiões peguei motoristas ótimos, mas os ruins estão transformando essa categoria em palhaçada. Uber já foi minha primeira opção, mas agora já voltei minha preferência ao táxi, que, é claro, também tem seus profissionais péssimos, mas com o tratamento deles já estamos mais acostumados – acrescenta.
Outra passageira, que preferiu não se identificar, descreveu problema semelhante, no qual o motorista afirmou ter sido decorrente de falha do aplicativo que apontou dois diferentes endereços. Porém, apesar do entrave tecnológico, ela lamenta, sobretudo, a atitude do condutor, que a mandou descer do carro.
– Ele me obrigou a sair e foi bastante grosseiro. Tive que chamar outro Uber. Em outra oportunidade, ainda mais lamentável, meu filho vomitou no carro e o motorista não estava querendo fazer a corrida até o hospital com medo de que ele sujasse mais o automóvel – relata.
Segundo ela, a viagem prosseguiu e foi pago um valor extra para a lavagem . Entretanto, o motorista informou à Uber que a usuária não havia quitado a pendência e o aplicativo a impediu de solicitar novas corridas:
– Recebi um "gancho" que indicava uma dívida de R$ 150. Sendo que apresentei nota fiscal da lavagem comprovando meu pagamento e, mesmo assim, a Uber não aceitou. Precisei criar outra conta. Só continuo a usar Uber pela questão financeira, porque os motoristas são tão mal educados quanto taxistas. E também já peguei carros fedendo a cigarro.
No relato mais grave, uma modelo de 21 anos, ressalta ter sido assediada por um motorista por estar vestindo uma bermuda.
– Estava bem quente naquele dia e o motorista já começou a desferir comentários maliciosos e pediu onde eu ia. Fiquei bastante desconfortável e apreensiva. Antes de descer ele ainda pediu minhas redes sociais. Reportei pra Uber que apenas me restituiu o valor e bloqueou o motorista do meu aplicativo. Mas isso não é o suficiente.
Ela afirma ter parado de usar a ferramenta por cerca de um mês após o ocorrido, mas por depender de transporte frequentemente, acabou tendo que recorrer novamente ao serviço.
– Já houve outras insinuações, inclusive com amigas minhas. Ainda assim, prefiro continuar a pegar Uber. Sempre evitei táxis pelo preço abusivo e o comportamento questionável dos motoristas. Não tenho nada contra o aplicativo, ele é muito útil e tem ótimos profissionais, mas isso não exime a empresa da responsabilidade em exigir um serviço qualificado – defende.
"O passageiro não entende que a Uber é só a intermediária, no momento que ele entra no carro, precisa me respeitar"
O desagrado não vem apenas da parte dos passageiros. De forma recíproca, operadores do aplicativo também contestam o perfil de alguns clientes que se aproveitariam das condições oferecidas pelo serviço e ainda apresentam comportamento agressivo em algumas ocasiões.
Motoristas abordados pelo Pioneiro alegaram que, apesar do baixo rendimento financeiro, há esforço em prestar atendimento qualificado. Ainda assim, avaliações injustas e a falta de reconhecimento são as principais reclamações da categoria sobre trabalhar em Caxias.
– É claro que sempre vão haver motoristas sérios e os que "brincam" de trabalhar, mas aquele que se aperfeiçoa e trata bem o passageiro precisa de valorização. O maior problema é quando o passageiro exige um serviço diferenciado, aí você oferece bala e água e as pessoas enchem as mãos e no final das contas o nosso prejuízo é maior do que o lucro com a corrida – afirma o motorista, Dorian Freitas.
Além disso, segundo ele, toda mínima situação é motivo para notas baixas na visão dos usuários.
– Em dias chuvosos, às vezes não sobra tempo para lavarmos o carro durante o trabalho. Aí então você descobre que sua nota no aplicativo baixou porque um passageiro alegou falta de limpeza. O usuário quer tudo mas não pensa que a Uber é só intermediária nesse processo.A partir do momento que entra no meu carro, o carro é meu, não da Uber, então ele precisa ter respeito – acrescenta.
Já o motorista Endrigo Luiz da Luz defende a categoria. Conforme ele, os profissionais garantem o serviço diferenciado prometido e, na maioria das vezes, os problemas são decorrentes de equívocos dos próprios usuários no manuseio do aplicativo.
– Não tem nem comparação com a concorrência. Na Uber temos carros limpinhos, cheirosos e os motoristas são cordiais. O problema é que às vezes a pessoa tem problema com o aplicativo e nos culpa por isso. Mas é claro que, como qualquer categoria, também temos alguns profissionais sem qualificação
Ele insinua também que muitas vezes há má-intenção por parte dos usuários.
– Tem casos de motoristas ruins, mas também há passageiros de má-fé, sem contar alguns parentes ou amigos de taxistas que às vezes pegam Uber só para tentar nos tirar do sério – acusa.
E as denúncias de assédio também surgem por parte dos motoristas. Eliane Palavro chegou a desistir de dirigir pelo aplicativo por problemas com passageiros.
– Um deles chegou a ter a audácia de colocar a mão na minha coxa e dizer que eu era "bonita demais pra estar trabalhando com aquilo" – lamenta.
Mas o caso mais grave, segundo ela, foi quando transportou um homem agressivo e visivelmente alterado que apresentava sinais de estar drogado e alcoolizado. Eliane conta que o passageiro colocou o endereço errado no aplicativo e foi bastante ríspido quando ela ligou para pedir a localização.
– Consegui encontrar ele e quando entrou quase destruiu minha porta. Ele estava muito agressivo e pediu que eu fosse buscar um lanche num drive-thru. Fiz a corrida e ele praticamente me obrigou a levá-lo pra casa. Quando chegamos no destino, eu cobrei o valor mínimo (porque não pôde fazer a corrida por meio do aplicativo) e ele pegou um punhado de moedas e, literalmente, jogou em mim.
Ela relata que o fato foi a gota d'água para ela deixar o serviço.
– Aquilo acabou comigo. Além de recebermos um retorno financeiro baixo, ainda somos maltratados e tratados com inferioridade pelos usuários. E o problema é que você só pode relatar pra Uber e eles vão apenas bloquear o passageiro. Estamos vulneráveis a transportar um bandido sem sequer sabermos disso – desabafa.
Uber reitera sistema de notas como "balizador"
Conforme nota encaminhada pela assessoria de Comunicação da empresa, o sistema de avaliações continua sendo o principal parâmetro para controle do serviço. A função, que está disponível tanto para usuários quanto para motoristas, possibilita que sejam dadas notas de 1 a 5 estrelas.
"Além de ser anônima, é ela que garante que a plataforma mantenha-se saudável tanto para motoristas parceiros quanto para usuários. Os operadores precisam ter média de 4,6 para continuar", informa a nota.
Também é ressaltada a inauguração ocorrida no início deste ano de uma nova Central de Atendimento que fornece suporte 24 horas aos motoristas e analisa caso por caso reportado à empresa.
O texto também destaca a existência do denominado Código de Conduta da Comunidade que elenca aspectos comportamentais esperados por parte do usuário para boa garantir relação com motoristas.
SOBRE A REGULAMENTAÇÃO
Recentemente, a Câmara de Vereadores recebeu o projeto que prevê a regulamentação do aplicativo após diversas correções feitas pelo Executivo. A proposta deve ser avaliada em audiência pública nas próximas semanas e ir à apreciação no plenário até o final do ano.