A Embrapa Uva e Vinho foi criada em agosto de 1975. Dois anos depois, na sua sede, em Bento Gonçalves, o Programa de Melhoramento Genético "Uvas do Brasil" era criado, com o objetivo de desenvolver variedades da fruta mais adaptadas às características brasileiras, especialmente nosso clima tropical. Desde então, 22 novas cultivares já foram desenvolvidas pelo programa a fim de atender demandas do setor vitivinícola de todo o Brasil.
Não é coincidência que a maior parte das uvas "nascidas" na Serra tenham nomes de mulher, como Bianca, Bibiana, Carmem, Lorena, Vitória e Violeta. A ideia de prestar uma homenagem ao sexo feminino foi do idealizador e coordenador do programa, Umberto Almeida Camargo, que se aposentou em 2009.
- Uva remete ao feminino, e esta tradição começou com o meu antecessor (Umberto), de sempre dar um nome que remetesse a uma característica de quem fosse fazer uso daquela variedade. Bibiana homenageia uma personagem de O Tempo e o Vento (saga literária de Erico Verissimo), Lorena é o nome de uma produtora que ajudou a desenvolver essa uva,. algumas recebem um nome italiano por serem feitas para uso específica na nossa região da imigração - explica a sucessora de Camargo, a engenheira agrônoma Patrícia Ritschel.
Servidora da Embrapa Uva e Vinho há 20 anos, Patrícia, que é mineira, foi eleita uma das 100 Mulheres Doutoras do Agro pela revista Forbes Brasil no ano passado. A indicação dá uma dimensão da importância do trabalho desenvolvido em Bento Gonçalves para impulsionar a viticultura brasileira.
- Quando a gente desenvolve uma cultivar, é para que o agricultor brasileiro possa produzir com a maior qualidade e o menor uso de agrotóxicos possível. Mesmo em regiões não tão quentes, como a Serra Gaúcha, a gente tem um inverno cada vez mais errático, e a nossa uva precisa estar adaptada a estas ondas de calor, ser capaz de resistir a problemas como doenças e podridão de cachos durante a fase da maturação, que é outro problema muito comum. A Lorena, por exemplo, foi uma uva criada para ter cachos mais soltos, que têm menor incidência de podridão do que cachos mais compactos - exemplifica a pesquisadora.
É na primavera que a equipe comandada por Patrícia realiza a parte inicial do processo de desenvolvimento de novas cultivares, que é a de cruzar diferentes tipos de uva a partir do processo de polinização. Para isso, a equipe de melhoramento se serve de uma coleção de 1,2 mil tipos de uvas abrigadas na Embrapa em germoplasmas (amostras de material genético), reunindo informações sobre tipo de flor, características do cacho e da baga e incidência de doenças, entre outras.
- Sabendo qual uva a gente quer ter ao final do processo, a gente recorre a esta coleção que nos dá uma base de dados com as principais características de cada tipo. Então a gente vai escolher o progenitor masculino e o progenitor feminino ideal para este cruzamento. É como escolher um pai e uma mãe para criar uma família de uvas, e, dentro desta família, será escolhida qual "irmã" reúne as características definidas no início do processo _ ilustra Patrícia.
Se na etapa de polinização o trabalho é meticuloso, envolvendo o uso de pinças, lupas e peneiras, as etapas seguintes exigem de pesquisadores, enólogos e produtores a virtude da paciência. Isso porque o desenvolvimento de uma cultivar leva em torno de 15 anos até sua etapa final, de validação e registro junto ao Ministério da Agricultura, para enfim se tornar mais uma uva nascida e criada na Serra Gaúcha.
Família Mariani espera boa colheita
Nas parreiras da família Mariani, a qual a reportagem irá acompanhar ao longo de toda a série, em Bento Gonçalves, as últimas semanas têm sido de monitoramento dos primeiros cachos de uva a brotar em meio ao período de floração. A dois meses da safra, é preciso dedicar atenção quase diária contra pragas que podem prejudicar a colheita.
- Estamos no auge do período da floração, quando algumas flores já caíram e os primeiros grãos de uva se formaram. Com o tempo eles vão crescendo e se tornando mais resistentes, mas até isso ocorrer é um período crítico, porque se algum fungo atacar a videira, pode ocasionar perda - comenta o agricultor Gustavo Mariani, 45.
Ao observar algumas das variedades plantadas na sua propriedade, Gustavo acredita que virá uma boa colheita pela frente:
- As videiras estão com a quantidade certa de cachos, que é uma quantidade boa, mas que não pode ser exagerada, porque precisa ter um espaçamento adequado. A expectativa é para que daqui pra frente o clima nos ajude a fazer o monitoramento, aplicar os tratamentos fitossanitários, e que os grãos permaneçam nos cachos e se desenvolvam para a gente ter uma safra boa.
À espera do verão e da vindima, nas próximas semanas a família Mariani começará o trabalho de recrutar trabalhadores para ajudar no período da safra que se avizinha.