É difícil para qualquer pessoa que nutre em si o encantamento diante da vida deixar de se emocionar com o desabrochar de uma planta na primavera. Nos parreirais, o período da brotação é quando os produtores terão de acompanhar diariamente e dispensar a maior atenção às suas videiras, mas também é quando o trabalho fica mais prazeroso.
- Na primavera a gente costuma dizer que é quando o agricultor namora com suas parreiras, porque é a atenção que damos nesta época que irá determinar a qualidade da safra no verão. Tem de estar muito atento ao clima instável dessa mudança de estação, porque o frio e o calor demandam cuidados diferentes - explica Gustavo Mariani, 45, vitivinicultor de Bento Gonçalves.
Irmão de Gustavo e também produtor em uma propriedade vizinha, Cristiano Mariani, 36, comenta que o trabalho é feito de forma preventiva, de maneira a poder contornar qualquer imprevisto:
- Quanto antes verificar uma doença, mais a gente se certifica de que ela será controlada. Por isso que nesta época o trabalho é quase diário, pra ver se as gemas estão abrindo dentro do esperado, se não há um sintoma que indique alguma doença que vá comprometer o parreiral.
Após terem saído da dormência no inverno, as videiras recebem nos primeiros dias de primavera o tratamento fitossanitário para protegê-las das pragas que atacam as plantações, nesta época marcada pela umidade e alternância entre dias frios e quentes. A imagem do agricultor com o pulverizador às costas, aplicando remédio na plantação ao mesmo tempo em que se expõe aos componentes tóxicos dos fungicidas, já não reflete a realidade, contudo. Há pelo menos 10 anos o trabalho é feito de forma mecanizada, com uso de trator e de equipamentos que dão mais segurança e agilidade ao trabalho.
- Algumas modernidades contribuíram com o nosso trabalho. A previsão do tempo mais detalhada que temos hoje nos ajuda bastante. Outra é a mecanização, que nos permite tratar uma área maior em um período mais curto. Hoje o pulverizador é instalado atrás do trator, enquanto no passado a gente tinha o pulverizador nas costas e uma caneta, como chamávamos, para direcionar o jato. O contato menor com o produto químico nos dá mais segurança contra intoxicações - exemplifica Gustavo.
Não há, no entanto, garantia de que todo o zelo e cuidado irá resultar numa brotação uniforme. Principalmente quando se trabalha com variedades que despertam em momentos diferentes da estação, é normal que parte da produção seja sacrificada.
- Como o período da poda é bastante curto para realizá-la em toda a propriedade, a gente precisa arriscar alguns pomares um pouco antes, quando o clima ainda está mais frio e os dias menos ensolarados do que o ideal para a planta. É um risco que corremos, mas com a experiência a gente aprende também a aceitar que não exista a brotação perfeita, que sempre vai haver uma margem para perdas - explica Gustavo.
Além do trabalho, uma dose de fé
Na visita mais recente à propriedade da família Mariani, onde o trabalho no parreirais será acompanhado pelo Pioneiro, GZH e a RBS TV ao longo das quatro estações no ano, chamou a atenção a presença de terços de oração discretamente colocados nos pomares. Pedro Mariani, pai de Gustavo e Cristiano, conta que os terços foram colocados pela sua mãe, falecida há quatro anos, já no fim da vida:
- É para proteger contra as intempéries, principalmente a chuva de granizo. É um costume muito antigo na colônia, tanto o de pedir proteção divina quanto o de agradecer pela boa safra.
Ainda que o fervor religioso venha diminuindo a cada geração da família, Pedro é bastante ligado à espiritualidade. Com a esposa, Isabel, gosta de assistir diariamente, por volta de 18h30min, às missas que são transmitidas pelo canal do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida , o qual o casal já visitou em duas oportunidades. Equilibrar a fé com o lazer e o trabalho parece ser o segredo da jovialidade que o agricultor ostenta aos 74 anos:
- Uma vez por semana eu pego a caminhonete e vou à cidade pra ir jogar cartas com os amigos. Depois, no fim de semana, vou de novo. Mas o que mais me dá prazer é estar no parreiral. Minha caminhada diária, meu exercício físico é aqui. Só não dá para vir todo dia, porque daí a gente fica com a impressão de que não está acontecendo nada nas videiras. O bom é ficar uns três dias sem vir, porque daí tu notas a diferença e sente a safra cada vez mais perto.