Em 3 de maio deste ano, a chuva que atingia o Rio Grande do Sul aplicava mais um duro golpe em meio à crise climática. Impactado pela enchente, o aeroporto internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, precisou ser interditado. Cinco meses depois, o Estado celebra a reabertura do aeroporto, marcado para ocorrer na segunda-feira (21).
Neste período evidenciou-se a necessidade de repensar alternativas e investimentos em outros aeroportos do Estado. Isso não apenas com a finalidade de atender a população de cerca de 11 milhões de gaúchos, mas também o vai e vem de turistas de outras regiões do país e do mundo.
A partir desse cenário, o Aeroporto Hugo Cantergiani, de Caxias do Sul assumiu uma posição protagionista, atuando como guardião do Estado, especialmente na enchente.
Para se ter uma ideia, conforme dados da direção do terminal caxiense, a média mensal de operações (pousos + decolagens) até abril deste ano era de 535. A partir de maio, a média saltou para 786. Sendo que, durante a enchente, o Hugo Cantergiani saiu de 13 operações diárias para 93 no pico da crise climática.
Os números levam em conta não apenas os voos comerciais (que atualmente têm uma média diária de oito), bem como qualquer tipo de pouso e decolagem de outras aeronaves. Como destaca o diretor do aeroporto de Caxias, Cleberson Babetzki, o que importa é garantir a segurança e um procedimento perfeito, independentemente do tipo de operação.
Estávamos aqui sob pressão total. A aviação não é uma coisa que tu pode errar.
CLEBERSON BABETZKI
Diretor do Aeroporto Hugo Cantergiani
Para realizar esses voos, incluindo até dois internacionais, melhorias na estrutura e em procedimentos foram alcançados. Algumas ações já eram previstas e, assim, foram aceleradas, como projeto que prevê a reforma da pista. Os meses como uma das principais vias aéreas do Estado mostraram o papel que o Hugo Cantergiani pode assumir.
Mesmo com a volta do Salgado Filho, Babetzki afirma que a administração trabalha para que as operações sejam mantidas. Atualmente, os voos de Caxias têm São Paulo e Campinas como destinos. A decisão, porém, cabe às companhias aéreas. São elas que decidem para onde voar.
— É uma estratégia comercial da companhia. O que estamos tentando fazer? Modernizar o Cantergiani para poder chegar para as companhias e agências de viagens e dizer assim: ao invés de você levar o turista que vai para Gramado e Bento Gonçalves para Porto Alegre, traz para nós. Estamos trabalhando, trocamos o telhado e vamos reformar o terminal — afirma o diretor, que lembra ainda que ouve elogios de turistas pela menor distância entre Caxias e Região das Hortênsias, do que se fosse a partir da Capital.
Trabalho estava no início quando chuva atingiu o RS
A crise no RS deu-se praticamente um ano depois de a administração integral do terminal tornar-se de Caxias. Por três décadas, a outorga foi do Estado. Babetzki lembra que praticamente, da noite para o dia, o aeroporto, que tinha 13 operações diárias, passou a 93. Naquele momento, a maioria era de voos solidários e voltados a resgates. Toda demanda precisou ser abraçada pela equipe de 15 servidores.
— Nós começamos a receber aeronaves do Brasil inteiro trazendo doações. Eram doações, por exemplo, de alimentos, medicamentos, alimentos parentais, que são os usados para sonda que os hospitais precisavam e não podia chegar em Porto Alegre. Vinha de tudo para cá — detalhou Babetzki.
Depois, com o fechamento de estradas, o aeroporto também passou a receber estratégias logísticas de empresários, que basicamente traziam doações em voos solidários e depois redistribuíam na região com helicópteros. Todos os tipos de aeronaves precisam ser operados e, logicamente, com segurança.
— Estávamos aqui sob pressão total. A aviação não é uma coisa que tu podes errar. É atenção. Ao mesmo tempo, tu tens a pressão porque, provavelmente, todos tinham algum familiar envolvido. Todos tinham uma pessoa da família que perdeu algo com a chuva de maio — recordou o diretor.
O momento, até então "sem precedentes", como descreve Babetzki, foi superado pela dedicação e trabalho de todos os servidores do Hugo Cantergiani, dos quais o diretor elogia frequentemente pelo empenho. A partir do cenário, avanços fundamentais foram conquistados e até mesmo situações inéditas ocorreram no terminal caxiense.
Entre elas, até mesmo uma dramática. Em junho, o aeroporto foi alvo de criminosos que roubaram R$ 15 milhões que vieram de um voo de transporte de valores. Um momento "tenso", como descreve o diretor, mas que passou. Agora, o olhar é para o futuro.
Acontecimentos no Hugo Cantergiani desde maio
Em apenas cinco meses, o aeroporto de Caxias do Sul viveu situações inéditas, que ocorreram pelas melhorias feitas no terminal para atender o aumento da demanda. Entre elas, questões administrativas, melhora na sinalização da pista e na Seção de Combate a Incêndios (SCI).
A partir de medidas como essas, o terminal pôde receber autorizações da Anac para essas operações. Atualmente, por exemplo, a estrutura está habilitada a receber voos cargueiros e voos estrangeiros fretados.
Confira abaixo algumas das situações inéditas:
- Maio: terminal passa de 13 operações diárias para 93. Muitos dos voos são solidários ou para resgate por conta da crise climática de maio.
- Junho: o aeroporto recebeu o primeiro voo internacional da história dele, ao desembarcar a equipe do Delfín, do Equador, que enfrentou o Internacional pela Copa Sul-Americana. Avião passou por Florianópolis para entrada no Brasil.
- Julho: primeira operação internacional é realizada no Hugo Cantergiani. Após receber permissão da Anac para operar voos de fora do país para competições de futebol da Conmebol, o terminal recebeu a equipe do Rosário Central, que jogou em Porto Alegre na ocasião e eliminou o Internacional pela Sul-Americana. Avião veio direto da Argentina e os protocolos de entrada no país foram feitos em Caxias. A medida da Anac é válida até 31 de dezembro deste ano.
- Agosto: o Boeing 737 MAX 8 pousa pela primeira vez no aeroporto caxiense. É a maior aeronave comercial que já passou pelo Hugo Cantergiani. Mais moderna, é 14% mais econômica e emite 16% a menos de carbono. Tem capacidade para até 210 passageiros.
- Setembro: pela primeira vez, o Hugo Cantergiani operou voos cargueiros. Antes, encomendas de e-commerce chegavam apenas pelos porões de aeronaves comerciais. Os voos são feitos pela Gollog para o Mercado Livre em boeings 737-800.
Avanços e desafios
Mesmo com o ano atípico, o diretor se diz otimista com os novos rumos do Hugo Cantergiani. Prova disso é a vistoria recente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
No início do ano, a agência reguladora havia sinalizado restrições no terminal a partir de três medidas cautelares. Em julho, elas foram revogadas, uma vez que a administração seguiu o Plano de Ações Corretivas feito pelo órgão. A agência retornou em agosto, para inspeção minuciosa, e o encontro foi positivo:
— Não tivemos nenhum apontamento. Pelo contrário, recebemos elogios. Foi muito elogiado o trabalho que foi feito pela equipe e pela administração pública — recorda o diretor.
Nesse período, o aeroporto, por exemplo, conseguiu a homologação do RPN-AR. Ele é um procedimento de aproximação realizado a partir de um sistema, configurado no avião, que ajuda em pousos em baixa visibilidade. Mas, para o piloto poder usar, o terminal precisa estar autorizado. Com ele, conforme Babetzki, dos voos antes perdidos pela neblina, 60% conseguem ser retidos pelo procedimento. O investimento, com recursos próprios do município, não chegou a R$ 500 mil.
Recentemente, a troca do telhado do terminal foi concluída, o que impede problemas de infiltração em dias de forte chuva. Os próximos passos envolvem o recapeamento da pista, que terá nova licitação, a ampliação do terminal de passageiros e a homologação do Papi, equipamento de auxílio a pousos visuais. E aí entra um desafio, que envolve os trâmites legais e que precisam ser respeitados.
O asfalto de uma pista de aeroporto não é o mesmo asfalto das ruas.
CLEBERSON BABETZKI
Diretor do Aeroporto Hugo Cantergiani
No caso do Papi, por exemplo, o equipamento está instalado, mas só pode operar depois que for testado e autorizado pelo Grupo Especial de Inspeção em Voo (Geiv) da Força Aérea Brasileira (FAB). Conforme o diretor, o aeroporto já fez o comunicado, mas precisa esperar a unidade para os testes. São eles que agendam e definem quando isso ocorrerá. O terminal de Caxias aguarda retorno, como explica Babetzki:
— Eles fazem o Brasil todo. Não é só as homologações de equipamentos novos, também são as aferições dos equipamentos que já existem. Então, eles ficam rodando o Brasil. Dependemos deles.
Recentemente, o diretor caxiense encontrou com representantes da FAB e reforçou o comunicado.
As obras no aeroporto
Da mesma forma, trâmites são aguardados para que a reforma na pista seja feita. O recurso está garantido pelo Estado, com a primeira parcela já paga. No total, o governo liberou R$ 14 milhões para esta obra e para a ampliação do terminal.
Na primeira licitação, foi disponibilizado o valor máximo de quase R$ 6 milhões. Como pontua o diretor, houve o contratempo de que nenhuma das três interessadas cumpriu os pré-requisitos, como, por exemplo, experiência no próprio serviço de recapeamento. Com isso, novo certame precisa ser realizado. Babetzki lembra que a responsável pelo serviço precisa dar segurança ao município de que fará o trabalho corretamente:
— O asfalto de uma pista de aeroporto não é o mesmo asfalto das ruas. É outra coisa. É outra densidade, é outra textura e tu tem que saber fazer isso. Por exemplo, asfalto de pista de aeroporto tu não podes trabalhar com temperatura inferior a 10 graus.
O gestor explica que após as obras da pista, deve se iniciar a ampliação do terminal de passageiros. Todo projeto está aprovado, restando apenas a orçamentação administrativa para abrir a licitação. A etapa é basicamente o levantamento de tudo que será necessário para o trabalho. O recurso também está garantido.
Com a ampliação de 500 metros, o diretor prevê mais dois equipamentos de raio X e duas esteiras de bagagens para desembarque.
— E aí, podemos despachar dois voos ao mesmo tempo nas chegadas — conta Babetzki.