Vidrinhos de ampola, frascos, muitos ainda embalados em caixas de papelão. Quem tem acesso aos depósitos da sede da Receita Federal, em Caxias do Sul, no bairro Rio Branco, vê diversos produtos apreendidos pela fiscalização. Mas são os anabolizantes os que chamam a atenção. Pequenos só no tamanho, mas em quantidade, têm aos montes. Em seis meses, pelo menos mil ampolas foram pegas em agências dos Correios.
De acordo com o auditor-fiscal da Receita, Cláudio Cabral Fay de Azevedo Júnior, se as equipes atuassem todos os dias nas agências, todos os dias as populares bombas seriam apreendidas. Questionado se as apreensões têm aumentado ao longo do tempo ou se há uma época em que tenha maior de retenção, o auditor-fiscal diz que o item já é tradição nos depósitos.
Júnior explica que o objetivo das ações é tirar os anabolizantes, muito utilizados indiscriminadamente para fins estéticos, de circulação.
— O remetente é do Brasil, só que ele informa nome e endereço falsos. A grande maioria, sequer conseguimos fazer o contato através do endereço declarado. Os anabolizantes vêm sem nota fiscal e com a declaração de conteúdo também falsa — diz.
A fabricação das substâncias é internacional. Segundo o auditor-fiscal, alguns são dos Estados Unidos e a maioria é da Índia. E muitos também não possuem identificação de origem no rótulo ou na caixa.
— Só tem o nome, em inglês. Por exemplo: 'testosterona' escrito em inglês.
Após a apreensão, as ampolas são destruídas em forno. Além da importação ilegal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não autoriza a venda, o que impede doações ou vendas em leilões da Receita Federal. Como o objetivo da apreensão é, justamente, tirar o produto de circulação, muitas vezes a Receita não vai atrás do remetente. Desde 2012, a prescrição de anabolizantes é vedada para ganhos musculares.
— Com o destinatário não acontece nada, porque ele nunca esteve em posse da mercadoria, embora ele tenha comprado — informa Júnior.
Quem paga a conta do uso indevido?
Os esteroides anabolizantes são atração para quem quer um corpo bombado sem muito esforço físico. O que, de início, parece uma solução fácil e prática para o corpo desejado, pode trazer sérios riscos para a saúde, como problemas cardiovasculares e complicações hepáticas.
— Hoje, observamos o uso indiscriminado pelo público em geral com intuitos estéticos, para ficar musculoso e bonito. Tornou-se tão disseminado nas academias que as pessoas usam em um efeito rebanho. É grave porque vemos adolescentes e jovens usando sem a menor ideia dos malefícios e riscos dessas substâncias – afirma o médico do esporte Marcelo Bichels, diretor científico da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) a GZH.
O uso de esteroides, em doses menores, tem indicação aprovada para homens com hipogonadismo, quando os testículos produzem pouca testosterona, por exemplo. O Conselho Federal de Medicina (CFM), desde o ano passado, está em alerta quanto ao uso para a estética, muito reforçado nas redes sociais por influenciadores. A conduta, feita até por médicos, já movimenta punições em conselhos regionais de medicina.
— Há um verdadeiro comércio de cursos de fim de semana de prescrição de anabolizantes. Prescritores pintam um cenário de sucesso, já que o faturamento realmente é alto e a demanda existe, e vendem essa ideia a estudantes de Medicina ou médicos que estão se formando e ainda não passaram na residência, de que eles podem ser especialistas em hormônios. É a apologia do uso indevido – diz o endocrinologista Clayton Macedo, presidente da Comissão de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) a GZH.