Os recentes acidentes com trator que tiraram a vida de produtores rurais na Serra, chamam a atenção para a implantação de medidas e reforço de cuidados. O caso mais recente ocorreu na tarde de segunda-feira (3). Geraldo Pedruzzi, 67 anos, foi a quinta vítima fatal deste ano na região. O homem morreu após o veículo capotar, por volta das 15h30min, em uma propriedade rural na localidade de Coblens, em Carlos Barbosa.
Em três dos últimos acidentes, os tratores tombaram ou capotaram causando a morte dos motoristas. Não é de hoje que ocorrências deste tipo são registradas na região. Em uma tarde quente de outubro de 2021, o produtor rural Luís Guilherme Mejolaro, na época com 28 anos, estava pulverizando o parreiral quando, em um movimento de ré com o trator, acabou passando em cima de uma pedra.
— O terreno é bem acidentado, o trator passou na pedra e capotou. Assim que ele virou eu consegui pular fora e ele veio caindo em cima de mim, mas sai engatinhando rápido e consegui escapar por segundos. Ele deu umas sete piruetas e desceu uma ribanceira de 30 metros mais ou menos. Acabou quebrando 10 fileiras de parreira enquanto caía. O implemento do pulverizador, que fica na parte de trás, não pegou nas minhas pernas por segundos também. Eu sei, tenho certeza que se o trator tivesse caído em cima de mim eu estaria morto, não teria sobrevivido — revela o produtor.
Os terrenos acidentados, que são áreas que têm altos e baixos e não são nivelados, são comuns na Serra. Conforme explica o professor do curso de agronomia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Henrique Cunha Corrêa, os produtores da região comumente fazem a produção de frutas e legumes. Esse relevo declivoso e imperfeito é um dos componentes que contribui com o risco de acidentes com as máquinas agrícolas.
Além da questão do terreno, as chuvas também acabam prejudicando a locomoção dos tratores nas áreas de produção. De acordo com o professor, os pneus dos veículos têm "garras" para se locomoverem em áreas molhadas, mas quando estão com pesos extras, como pulverizadores com capacidade máxima de água ou reboques que podem pesar mais que o próprio trator, os riscos de acabarem virando nessas áreas acidentadas e úmidas, são maiores.
— Com relação ao manejo no terreno declivoso, não há muita coisa a fazer no que diz respeito à manobras, apenas ter bastante cuidado e observar itens de segurança como arco de proteção no veículo e sobretudo a adequação do trator versus o implemento. Os implementos, quando mais pesados que os próprios tratores (que acabam virando), tendem a ser fatais — afirma Corrêa.
O acidente que Luís Guilherme Mejolaro sofreu ocorreu dois anos depois que o pai dele vivenciou a mesma situação. Em 2019, Luís Mejolaro, na época com 63 anos, fazia o mesmo trabalho de pulverização nos parreirais quando o trator capotou e chegou a passar por cima dele. O homem não teve ferimentos graves, mas foi levado para o hospital do município. Além dele, o produtor tem outros dois conhecidos que também se envolveram em acidentes da mesma forma. Um deles, de Farroupilha, chegou a ficar gravemente ferido e outro, que morava próximo à propriedade dele, não resistiu aos ferimentos e morreu.
O produtor, que atua no cultivo de uva em Bento Gonçalves, considera alto o número de ocorrências deste tipo na região, mesmo alertando que diversos casos não são contabilizados. Muitos produtores, que se envolvem em acidentes onde os prejuízos maiores estão na produção e no próprio trator, optam por não fazer qualquer registro que colabore com uma estimativa no número de casos, já que não possuem seguro que cobriria os danos materiais.
— Esse tipo de acidente é mais comum do que a gente imagina, mas a gente só fica sabendo quando morre alguém porque acaba sendo noticiado. Quando os agricultores não morrem, só os mais próximos ficam sabendo, como a família e os vizinhos. Eu tive alguns arranhões e ferimentos leves, mas não quis ir para o hospital e nem chamei ambulância. Quando os produtores não morrem nesses acidentes, como eu, meu pai e meu conhecido de Farroupilha, continuam trabalhando e vida que segue. A gente fica com medo depois e preocupado, mas você precisa ir trabalhar, com medo ou sem medo — afirma Mejolaro.
Acidentes que poderiam ser evitados
De acordo com o presidente do Sindicato Rural da Serra Gaúcha, Elson Schenaider, muitos dos acidentes poderiam ser evitados com uma série de cuidados relacionados à direção das máquinas. Um dos pontos principais a ser trabalhado, segundo ele, é a capacitação dos agricultores. Conforme Schenaider, muitos dos produtores, com idades mais avançadas, manuseiam as máquinas sem terem o conhecimento correto.
— É preciso analisar quais são os tratores, se estão com a documentação em dia e se os agricultores têm habilitação. É necessário também que haja uma campanha de boas práticas, como aquelas que a gente vê sobre os acidentes de trânsito comuns e buscar precauções para que esses acidentes não aconteçam. A gente sabe que é difícil zerar essas ocorrências, mas é possível reduzir — afirma o presidente.
No contato entre máquina e produtor, o presidente da entidade destaca que veículos com toldos superiores podem contribuir com uma maior proteção no caso de acidentes. Além disso, aderir às novas tecnologias voltadas para a agricultura, na questão de novos maquinários que fornecem mais praticidade à produção, também colabora diretamente com o aumento de segurança. Um item obrigatório é o cinto para o motorista.
Conforme Schenaider, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) oferece aulas sobre a operação das máquinas agrícolas e boas práticas dentro das áreas de produção. Para terem acesso ao Programa Agricultura de Precisão, que é gratuito, os agricultores devem acionar o sindicato e solicitar a participação. Para conduzir um trator é exigida categoria B da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), mesma usada para a direção de veículos de passeio, também é preciso um certificado de curso de formação profissional na área.
Além dos cuidados direcionados às máquinas, o sindicato percebe que, em muitos casos, os acidentes e mortes ocorrem devido ao comportamento dos próprios agricultores. Antes de operar as máquinas agrícolas, medidas como alimentação e cuidados com a saúde podem contribuir de maneira surpreendente com a diminuição desses casos.
— Por estarmos diretamente ligados aos agricultores, a gente ouve muitos relatos que acabam não sendo divulgados, informando sobre acidentes que aconteceram em decorrência de mal súbito ou que o agricultor bateu em um galho de árvore e perdeu a direção. Então, nem todos os óbitos e acidentes ocorrem necessariamente por causa do trator, muitos deles ocorrem em decorrência de uma coisa anterior — revela o presidente, se referindo ao fator humano.
O mal súbito mencionado por Schenaider, ocorre de forma inesperada e normalmente se manifesta mais gravemente como parada cardiorrespiratória. Segundo o Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o evento pode acometer pessoas de qualquer idade, mas é mais comum em idades mais avançadas. Além de causas cardíacas, o sistema neurológico também pode causar mal súbito.
O sindicato destaca que, na Serra, cada propriedade rural possui entre dois a três tratores e que a maioria dos casos de acidentes com morte ocorre com pessoas de faixas etárias mais avançadas, com uma média entre 55 e 70 anos.
— Nesses casos de acidentes em decorrência de problemas anteriores, é preciso destacar a importância da vida da pessoa, respeitar as necessidades do organismo, alimentação para trabalhar. Parece brincadeira, mas é necessário cuidar da saúde e, claro, buscar saber operar corretamente essas máquinas para evitar esses acidentes — pontua Schenaider.
As mortes envolvendo tratores na Serra
No dia 19 de janeiro, a Serra registrou o primeiro caso do ano de morte envolvendo acidente com tratores. Diferente dos casos recentes, em que o veículo acabou tombando nas propriedades rurais causando a morte dos motoristas das máquinas, neste caso, a vítima foi o motociclista Ademir da Silva Paula, 38 anos, que acabou atingindo uma retroescavadeira. O caso ocorreu no bairro Vila Romana, em Flores da Cunha. Segundo a Brigada Militar (BM), os dois veículos seguiam na mesma direção da via, quando a retroescavadeira, que trafegava à frente, fez uma manobra atravessando a pista. Neste momento, a moto que vinha atrás atingiu a traseira da máquina. A vítima morreu no local.
O segundo caso ocorreu também em janeiro e não teve relação com a produção rural. No dia 22, Airton Dal Pizzol, 54, dirigia um trator no km 7 da RS-864, em Farroupilha, quando colidiu frontalmente com um Corolla. O motorista do trator morreu no local. Os ocupantes do carro não sofreram ferimentos graves.
No dia 6 de março, um acidente de trabalho tirou a vida de Jeferson Pascoal da Rocha, 18 anos. O jovem trabalhava em um pomar de maçã nas margens da BR-116, em Vacaria, quando o trator que ele dirigia tombou e ele ficou preso embaixo do veículo. Os bombeiros foram acionados para o resgate, mas ao chegarem no local, o jovem já estava morto. Ele era natural de Bagé.
O penúltimo caso, ocorreu no dia 12 de março, em Monte Belo do Sul, quando o trator que Jorge Casagrande, 60, dirigia virou e ele acabou batendo a cabeça. Parte do veículo caiu sobre ele, que teve fraturas no tórax e foi socorrido em parada cardiorrespiratória. Casagrande morreu no Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves. O idoso completaria 61 anos no dia 24 de março.
Em Carlos Barbosa, o último caso até o momento, foi registrado nesta segunda-feira (3), quando Geraldo Pedruzzi, 67 anos, acabou morrendo após o veículo capotar, por volta das 15h30min em uma propriedade rural na localidade de Coblens. O Instituto-Geral de Perícias (IGP) foi acionado para fazer o levantamento do local. A Associação Corpo de Bombeiros Voluntários de Carlos Barbosa, Polícia Civil e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também atenderam a ocorrência.