Setor criado na atual gestão municipal, a Secretaria de Parcerias Estratégicas tem sido um dos principais palcos, nos últimos dois anos, de discussão e planejamento do futuro de Caxias do Sul. A pasta é responsável pelo desenvolvimento e gestão dos projetos de parcerias público-privadas (PPPs) e concessões, até então inédito no município. O objetivo é implantar uma mudança de paradigma e buscar a inciativa privada para gerir equipamentos e serviços públicos. Projetos do tipo têm ganhado cada vez mais força no Brasil e no mundo, seja por novos marcos regulatórios, seja pela experiência adquirida em projetos anteriores.
É a Secretaria de Parcerias Estratégicas a responsável pela condução do projeto de ocupação da Maesa, atualmente em consulta pública e que teve a primeira audiência pública nesta semana. E em meio a todas as discussões, o titular da pasta Maurício Batista da Silva deixou o cargo na última sexta-feira (31) para ir para a iniciativa privada. Ele recebeu convite para conduzir a gestão de novos negócios para a região sul do Brasil na Aegea, empresa vencedora da licitação para assumir o controle da Corsan.
O substituto será Matheus Neres da Rocha, indicado por Batista para dar sequência aos projetos de Caxias. Ambos já atuaram juntos na Secretaria de Parcerias de Porto Alegre e garantem que a troca de comando será marcada pela continuidade dos projetos, uma vez que ambos compartilham o entendimento a respeito dos planos para o município.
— Quando começamos, tudo era novidade e viemos para quebrar paradigmas. A fase da arrebentação já passamos. As pessoas mantém a expectativa dessa continuidade. Não acho que teremos qualquer perda de continuidade ou de velocidade, pelo contrário. Passamos essa tranquilidade justamente colocando pessoas de perfil técnico e executor e o Matheus tem esse perfil — destaca o secretário que deixa o cargo.
Mestre em Direito, com especialização em Direito Tributário, além de PPPs e concessões, Rocha atuava até a sexta-feira na Multiplan, em Porto Alegre, mas demonstra bastante familiaridade com a carteira de projetos de Caxias. A transição ocorre formalmente desde o dia 10 de março, mas conversas a respeito dos projetos já ocorriam há bastante tempo devido à proximidade de ambos. O novo secretário, inclusive, já conhece o complexo da Maesa.
Conversamos com o novo titular da pasta, que assume oficialmente a partir desta segunda-feira (3), que falou a respeito dos desafios da Maesa e também de críticas pelo fato de estar deixando uma empresa com atuação no setor de shoppings, modelo que opositores do projeto da Maesa acusam o município de querer implantar no complexo.
Confira trechos da entrevista:
Pioneiro: Vamos começar com uma apresentação, você é de Porto Alegre?
Matheus Neres da Rocha: Na verdade morei toda a minha vida no Rio Grande do Sul. Fiz Ensino Fundamental e Ensino Médio em Passo Fundo e fui para Porto Alegre para entrar na faculdade. Me formei em Direito e dei continuidade em alguns estudos no direito tributário, posteriormente no direito administrativo, mas eu sempre trabalhei com o direito e na parte do direito público. Então, trabalhei primeiro em escritório de advocacia, posteriormente na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado. Depois fui para a Secretaria de Parcerias Estratégicas do município de Porto Alegre e lá tive a oportunidade de vivenciar, digamos, a carteira tradicional municipal de PPPs e concessões. E é importante que a gente dê essa clareza de que os municípios, em todo o Brasil, não têm tradição ou cultura de projetos de PPP e concessão, ou às vezes não têm nem os recursos humanos administrativos, a estrutura pra dar condição a isso. Então, muitos municípios não conseguem dar continuidade no programa e é uma das questões que me trazem até aqui. Conversando com o secretário Maurício, acompanhando de longe, eu realmente vi como a gestão estava empenhada em concretizar, em iniciar um debate um pouco maior sobre este modelo de contratação. Sei que são muitos desafios pela frente, mas eu e minha família estamos muito orgulhosos e muito ansiosos.
Pioneiro: Você chega em um momento conturbado, podemos dizer, porque tem a discussão da Maesa fervilhando na cidade. Quanto você conhece do projeto e como é assumir nesse momento, uma vez que terá que conduzir as próximas audiências públicas?
Rocha: A Maesa, de fato, é um projeto muito especial. Ele envolve toda essa questão histórica e também social, do desenvolvimento econômico da cidade. Então é normal que seja um projeto que envolva uma pluralidade de atores, de pessoas, de cidadãos e acho que quanto mais nós tivermos a sociedade como um todo envolvida nele, mais chance de encontrarmos a melhor condução. Tive a oportunidade já de, obviamente, estudar toda a documentação. Já conversamos eu e o Maurício, conversei um pouquinho com a equipe sobre alguns pontos do projeto, algumas questões, e acho que de fato ele traz muito para a cidade. Acho que as pessoas veem muito da cidade na Maesa e obviamente vai ser um processo que não será simples de conduzir. Estão tendo muitos debates. Esse plano de ocupação não foi desenhado ontem, não foi desenhado anteontem. Ele já vem trabalhando questões inclusive das diretrizes de gestões passadas. Notoriamente o Maurício procurou dar continuidade, até porque, perdoe aqui o termo, seria burrice não aproveitar o que já foi construído. Então vamos poder dar continuidade ao que já vinha se caminhando no sentido de ocupação, é claro, trabalhando mais tecnicamente alguns desses pontos, explorando melhor essas alternativas, aprofundando esses estudos. Acreditamos de fato que o projeto está muito robusto, muito bem estudado em todas as premissas que o norteiam. Algumas vezes as pessoas anedotizam, trabalham com palavras como privatizar, entregar às empresas, e não é disso que trata o projeto. Acho que para isso talvez a gente tivesse que ter realmente um debate técnico para poder demonstrar que estamos abertos. A gente pode debater outros modelos, não tem problema.
Pioneiro: Você vem de uma empresa do setor de shopping e tem surgido comparações e críticas. No entanto, você também tem experiência na área de PPPs e setor público. Isso tem alguma relação? Quem tem medo que a Maesa se transforme em um shopping tem motivo para esse temor?
Rocha: Minha experiência na Multiplan somou para o entendimento do funcionamento de outros setores. Não trabalhava diretamente com shopping, era muito mais com incorporação de um empreendimento residencial, mas a Multiplan é eminentemente conhecida pela incorporação e gestão de shoppings. Agora, confesso que eu vejo com certa infelicidade a comparação da Maesa com um shopping. Vejo com muita distância essas duas questões. Acho que não tem como a gente comparar um equipamento de tanta importância cultural, de tanta importância histórica pra cidade, um patrimônio tombado, com um shopping. Talvez revele um pouco de desconhecimento do projeto também e eu não estou dizendo que isso é demérito. A Maesa não se semelha de forma alguma com a operação de um shopping. O shopping não trabalha com as mesmas vocações e preocupações que se tem em um ativo cultural e econômico como a Maesa.
Pioneiro: O modelo de comércio é diferente?
Rocha: Totalmente. Talvez a única semelhança entre os dois é que existe comércio. Como mencionei, talvez as pessoas façam isso por um pouco de desconhecimento. Se fizerem com conhecimento do projeto acredito que talvez não há nenhum demérito ao shopping, mas sim um demérito à Maesa, um desrespeito a esse conteúdo histórico e social que existe naquele equipamento.
Pioneiro: O que se pode ter ajuste ou de inclusão no projeto?
Rocha: Ajustes são naturais, mas para alterar estruturalmente, não fazer uma concessão, por exemplo, precisa ser demonstrado que é viável essa execução. Eu pensaria que, na verdade, a gente tem que partir de algumas premissas. A primeira coisa é restaurar, recuperar este patrimônio. Depois eu tenho que desenvolver essa diretriz de veículo de cultura, de respeito à história, do patrimônio histórico, de integração social. Isso tudo é possível fazer num outro modelo de contratação? Bom, como que se dá, então? Onde está esse dinheiro para fazer isso? Ah, poxa, mas dinheiro tem. Não, a gente sabe que não pode ser reducionista assim nesse debate. O cidadão realmente não aguenta qualquer acréscimo de tributação. Então como se dá a realização de todos esses investimentos em 12 anos como a gente está propondo no projeto? Bom, aí eu acho que a gente, de fato, tem um debate um pouco maior. Mas ajustes, modificações no projeto são naturais.
Pioneiro: Também há outros projetos importantes na carteira, como o aeroporto. É um desafio grande porque a Secretaria de Parcerias é um agente dentro de um processo grande, para a concessão do terminal. Como enxerga esse projeto?
Rocha: É um projeto também bastante desafiador. Basicamente, vai ser um projeto em que a gente vai ter uma maratona um pouco diferente, mais segmentada. Atualmente estamos em uma etapa de melhora, de aporte de expertise operacional no Hugo Cantergiani, que também é uma etapa desse projeto de Vila Oliva. O governo do Estado já sinalizou com a possibilidade dos acessos, mas de fato os próprios acessos são ponto crucial para a existência desse projeto. Também há todo um caminho com os estudos da Infra SA (antiga EPL, estatal federal que desenvolve projetos). A gente sabe que é um projeto que tem um potencial também interessante para outros municípios, então toda essa integração em camadas institucionais deve ser muito trabalhada. É um projeto que reúne, de fato, um pouco de tudo. Com a viabilização dos acessos, ele é um projeto que começa cada vez mais a tomar mais forma e se tornar ainda mais viável. A etapa que hoje a gente se encontra é de qualificação mais imediata do Hugo Cantergiani.
Pioneiro: E a Estação Férrea que agora começou a ser revitalizada. A ideia é, já na sequência, ter uma parceria pra garantir a manutenção desse espaço? Também tem a Festa da Uva...
Rocha: A gente tem estudos em andamento. A ideia de uma parceria faria sentido? Parece ser um caminho bastante interessante para esses dois locais, ao menos no primeiro momento. A gente tem um procedimento manifestação de interesse (PMI) no parque da Festa da Uva. A partir dessas análises é que a gente poderá ter, de fato, uma certeza sobre o emprego de um modelo de parceria. A gente ainda precisa avançar algumas casas pra entender a situação, mas se não vai trabalhar com a PPP ou concessão, pode trabalhar com uma permissão de uso, como existe, por exemplo, em mercados públicos.