A proposta para ocupação do complexo da Maesa, em Caxias do Sul, não utilizou como base apenas a história da antiga metalúrgica e as discussões realizadas nos últimos anos na cidade. Grandes centros industriais adaptados para outros usos ao redor do mundo também serviram de inspiração para a sugestão de atividades que podem reinserir a Maesa no cenário urbano e se tornar referência como centro de lazer e turismo. Dentre os projetos avaliados pelo consórcio Nuova Maesa, que desenvolveu a proposta para o complexo caxiense, estão fábricas, mina de carvão a até mesmo um matadouro desativado que foram remodelados sem desvalorizar a história dos edifícios.
Desde a revolução industrial, iniciada na década de 1760, inúmeros complexos industriais foram construídos nos arredores das cidades em todo o mundo. Ao longo do tempo, as área urbanas cresceram e, uma vez desativados, esses edifícios ficaram encravados nos centros das cidades. Para o arquiteto Matias Revello Vazquez, da Vazquez Arquitetos, integrante do Nuova Maesa, o desafio no mundo é reintegrar esses espaços ao cotidiano dos centros urbanos e das pessoas.
— Isso acontece em muitos locais: a cidade vai crescendo e a indústria vai ficando no meio. Isso tem valor arquitetônico e também de memória. Em muitos casos se derruba aquele patrimônio. Nossa preocupação era como reintegrar a Maesa, porque hoje ela representa um gueto. A cidade é uma ao norte e outra ao sul — compara Vazquez.
A cidade de San Francisco, na Califórnia, conseguiu essa transformação com a Ghirardelli Square, considerado o primeiro projeto bem sucedido de adaptação para novo uso nos Estados Unidos. O empreendimento funciona na antiga fábrica de chocolate Ghirardelli, criada em 1852 e que se instalou no complexo em 1895. Atualmente, o edifício conta com nove estabelecimentos de gastronomia, incluindo o complexo de chocolate Ghirardelli, que oferece experiências ao visitante. Há ainda 11 operações comerciais, que incluem lojas, imobiliária e minigolf, além de espaço para eventos.
Na cidade de Essen, na Alemanha, a opção foi transformar a antiga mina de carvão de Zollverein, patrimônio da humanidade pela Unesco, em um grande complexo de lazer com cerca de 100 hectares. O empreendimento conta com museus que contam a história das antigas atividades, além de exibições de trabalhos de design, ciência natural, arqueologia e fenômenos físicos. Essas atrações culturais incluem até uma piscina em meio ao maquinário antigo, parque, circuito de bicicleta, área para esportes, bistrôs, bares, cafés e restaurantes.
Já em Madri a opção foi dar um foco puramente cultural ao Matadero Madri. Inaugurado em 2006, o complexo cultural funciona em um antigo matadouro e mercado de gado. Lá, o visitante encontra exposições, teatro, festivais, música ao vivo, cinema e projetos audiovisuais, além de conferências e conversações. O empreendimento foi criado pela prefeitura de Madri com parceiros privados nas operações.
O uso a ser dado depende da vocação do espaço em si e de onde ele está instalado. No caso da Maesa, a avaliação de Vazquez é de que não há viabilidade para teatro, uma vez que há pilares distanciados cerca de 10 metros um dos outros nos pavilhões. Há, no entanto, pontos para atrações culturais. Também é uma demanda da cidade a instalação de um mercado público. Nesse situação, a referência para o tamanho do espaço veio dos mercados de Porto Alegre e Pelotas. Já o estilo arquitetônico da proposta se baseou no mercado público de Lisboa.
— Alguns lugares vão para o lado mais cultural e outros mais comercial e buscamos fazer um equilíbrio. Precisamos de vários motivos para que as pessoas possam ir lá. Quando vamos num espaço desses queremos ir num restaurante ou num café. São atividades de apoio à cultura e ao museu. A proposta é de espaço com uso misto — observa.
Referências também em pesquisas locais
Embora tenha buscado referências internacionais, tarefa comum em projetos do tipo, a equipe do consórcio Nuova Maesa, também formado pela Spin Soluções Públicas Inteligentes e pela Rodrigues, Antunes e Advogados Associados, além da Vazquez Arquitetos, também aproveitou os estudos e discussões elaborados desde a doação do complexo pelo Estado ao município.
Foram estudados, por exemplo, o plano de ocupação apresentado pela comissão especial instituída em 2014 para discutir atividades do espaço e também documentos elaborados na sequência, como o escaneamento digital e o masterplan. Esse último, inclusive, foi desenvolvido pelo próprio escritório Vazquez Arquitetura e consistiu na avaliação de cada espaço para definir o estado de conservação, as ações necessárias e o que poderá receber. O estudo contou com 14 arquitetos especialistas em patrimônio de várias partes do país.
Na fase do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), o chamamento público para apresentação de um projeto completo que resultou na formação do consórcio Nuova Maesa, os estudos avançaram para verificar quais eram as demandas e oportunidades do complexo, além da elaboração de um modelo de negócio. Para isso, também foram realizadas duas pesquisas, uma qualitativa e outra quantitativa.
A quantitativa, conduzida pelo laboratório City Living Lab, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), ouviu cerca de 400 pessoas a respeito do que elas esperam para a Maesa (veja abaixo os principais resultados). Já a qualitativa ouviu funcionários da antiga metalúrgica, inclusive levando eles até o complexo.
— Todos (os estudos) são para entender quais são as melhores práticas de edifícios industriais reintegrados à cidade. Para voltar a ser interessante para a cidade, precisa ser cidade. O espaço está pensado para ser muito inclusivo, não pode ser espaço elitista — defende Vazquez.
Pesquisa
- 92,3% dos cerca de 400 entrevistados disse saber o que é a Maesa. 7,7% disse desconhecer
- 48,3% dos entrevistados consideram a Maesa "muito importante". Apenas 10,8% disseram que o complexo não é "nada importante".
- 72% dos participantes, contudo, afirmam que a Maesa é "muito imortante" para Caxias do Sul. Apenas 4,9% disseram que o prédio não tem importância para a cidade.
- Os pesquisadores questionaram o que faria os entrevistados frequantarem a Maesa. Os cinco itens mais mencionados foram: gastronomia (71,6%), feiras (51%), eventos culturais (46,8%), ambiente aberto (40,9%) e opções de comércio (32,3%).
As inspirações
Confira empreendimentos já existentes que foram observados pelo consórcio Nuova Maesa
Zollverein (Essen, Alemanha)
Antiga mina de carvão, tombada pela Unesco como patrimônio mundial. Em um complexo de 100 hectares, reúne atrações que contam a história do complexo, além do museu Ruhr, que reúne exibições de design, ciência natural, arqueologia, história, patrimônio industrial, além de tours guiado e workshops.
O complexo conta ainda com área interativa de ciências, fenônemos físicos e sensações humanas. Também integram o Zollverein circuito para bicicleta, área para exercícios, bistrô, bares, cafés e restaurantes e uma instalação artística com piscina. A entrada é gratuita com atividades internas cobradas.
LXFactory (Lisboa, Portugal)
Antigo complexo fabril de 23 mil m² em Lisboa. Construído em 1846, já abrigou companhia de fiação e tecidos, tipografia e gráfica, entre outras. Atualmente, é complexo ocupado por empresas, que tem sido cenário de atividades de moda, publicidade, comunicação, arte, arquitetura e música, entre outros.
Entre as atrações estão 18 restaurantes, 34 lojas (de roupas e vinhos até mobiliário e arte em papel), 35 escritórios (de arquitetura a produtoras de filmes e agências de comunicação) e 10 outras atividades que incluem salão de beleza e hostel. O complexo também recebe eventos.
Ghirardelli Square (San Francisco, Estados Unidos)
Antiga fábrica de chocolate que se instalou no espaço em 1895. É considerado o primeiro projeto bem-sucedido de adaptação para novo uso nos Estados Unidos. Reúne nove operações de gastronomia, incluindo o complexo de chocolate Ghirardelli, que oferece experiências ao visitante. Também conta com espaço de eventos e 11 operações comerciais que incluem lojas, imobiliária e minigolf.
Matadero Madri (Madri, Espanha)
Criado em 2006 num antigo matadouro e mercado de gado, é atualmente um centro internacional de cultura e criação artística. Reúne exposição, teatro, festivais, música ao vivo, cinema e projetos audiovisuais, conferências e conversações. Conta ainda com espaços como cinemateca e centro de experiências imersivas. É mantido pela prefeitura de Madri, mas há parceiros privados nas operações.
Coal Drops Yard, King's Cross (Londres, Inglaterra)
Inaugurado em novembro de 2018, funciona em um antigo centro de distribuição de carvão da época da revolução industrial, junto à estação King's Cross. Conta com cerca de 50 lojas, restaurantes e espaço para eventos. O espaço foi pensado para ser um local de encontros. A área comercial tem grandes marcas, mas também há muitas lojas garimpadas em bairros da cidade.