A venda de ingressos para os espetáculos do Natal Luz, em Gramado, tem registrado um movimento atípico: em duas semanas, a empresa que gerencia a comercialização dos bilhetes contabilizou 5.257 desistências de bilhetes vendidos de forma antecipada no site oficial do evento. O declínio coincide com a vigência do decreto estadual que prevê, desde o último dia 18, a exigência de apresentação de comprovante de vacinação contra a covid-19, o chamado passaporte vacinal.
De acordo com a presidente da Gramadotur, autarquia responsável pelo Natal Luz, e também secretária municipal de Turismo de Gramado, Rosa Helena Volk, o sistema de vendas registrou que a maioria das desistências foram realizadas a partir de 18 de outubro. Outro comportamento observado pelos organizadores do evento é que as reclamações nos canais de atendimento do Natal Luz cresceram nos últimos 15 dias e incluem manifestações de pessoas contrárias à exigência de comprovar a imunização contra o coronavírus conforme a faixa etária.
— Antes do dia 18, não registrávamos essa situação (cancelamentos de ingressos) e passamos a perceber isso de forma mais intensa após anunciarmos a condição da vacinação, que foi feita em respeito ao decreto do governo. Estamos realizando o Natal Luz porque pedimos autorização para o Estado e precisamos acatá-las. Nosso call center recebeu diversas ligações e mensagens nos últimos dias, de pessoas que dizem que na sua cidade não está sendo aplicada a segunda dose, não tem acesso à vacina — exemplifica.
O passaporte vacinal entrou em vigor em todo o Rio Grande do Sul e prevê a necessidade de comprovação da vacina contra o coronavírus para ter acesso a locais como festas, eventos sociais, cinemas, peças de teatro, parques, feiras e competições esportivas. Entretanto, o passaporte não é exigido em todo o Brasil.
Embora a presidente da Gramadotur lamente as desistências, os cancelamentos eram esperados. Isso porque o passaporte vacinal entrou em vigor no Rio Grande do Sul quase 40 dias após o início da venda dos ingressos para o Natal Luz. Somente nos primeiros dias, segundo os organizadores, mais de 15 mil bilhetes foram comercializados na primeira quinzena de setembro. Conforme orientação da Procuradoria-Geral do Munícipio (PGM) de Gramado, o evento alterou o regulamento para permitir cancelamento de ingressos após sete dias da confirmação da compra — o que não era permitido antes da vigência do passaporte vacinal.
A medida, segundo Rosa Helena, busca tornar a desistência menos burocrática. No momento do cancelamento, o consumidor precisa selecionar o motivo e informar, conforme a alternativa disponibilizada, que se trata de um “motivo justo decorrente de fato superveniente". O termo jurídico é utilizado muitas vezes em procedimentos administrativos, principalmente em caso de licitações, mas foi a saída encontrada pelos procuradores do município neste caso.
Secretário do governo Jair Bolsonaro critica passaporte vacinal
Nesta segunda-feira (1°), a exigência do passaporte vacinal em Gramado e os cancelamentos dos ingressos do Natal Luz foram citados pelo secretário especial da Cultura, Mario Frias, em suas redes sociais para criticar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Conforme Frias, a obrigação de apresentar a carteirinha de vacinação "causou mais de cinco mil cancelamentos" no Natal Luz de Gramado: "Estou recebendo inúmeros pedidos de socorro dos produtores de cultural local. A imposição do criminoso passaporte de vacinação já causou mais de cinco mil cancelamentos. O impacto disso para a economia local é gigantesco", disparou o secretário.
A reportagem de GZH questionou a assessoria de comunicação do Palácio Piratini para uma manifestação do governador Eduardo Leite, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Prejuízo sendo contabilizado
Com um ticket médio de R$ 100 por ingresso, o prejuízo com os cancelamentos pode chegar a mais de R$ 500 mil. Como alternativa, o Natal Luz disponibilizou a devolução integral do valor investido ou a utilização dos recursos como um crédito a ser utilizado pelo visitante até o dia 31 de dezembro de 2022. Segundo a presidente, ainda não se tem um levantamento para identificar qual é a opção mais escolhida entre os que desistiram da compra.
— Nosso entendimento é que o consumidor sempre tem razão e por isso adotamos essa política de flexibilizar a devolução e amparados pela nossa PGM. Foram 10 dias entre entender o decreto, organizar como seria a cobrança da vacinação e começar o evento. Não temos muito o que fazer — afirma.
Para auxiliar no atendimento e evitar aglomerações, Rosa Helena destacou que os locais dos cinco espetáculos possuem oito diferentes entradas e os portões abrem 1h30min antes do início das atrações. E, mesmo podendo receber 30% do público, a organização manteve o mesmo número de profissionais de apoio de edições anteriores do Natal Luz, que contabiliza cerca de 3 mil pessoas.
— Infelizmente, ainda vivemos uma pandemia. Estamos realizando um evento seguro, com todos os protocolos e o passaporte vacinal é um deles — afirma Rosa Helena.
Mesmo com os cancelamentos, a expectativa para o Natal Luz segue em alta. Entre o período de segunda (1º) até o dia 30 de janeiro de 2022, 98 mil ingressos já foram comercializados.
Hotelaria não sentiu os efeitos dos cancelamentos
No entendimento do diretor do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares e Similares da Região das Hortênsias (Sinditur), Cláudio Souza, quem cancelou os bilhetes para o Natal Luz está disposto a manter a viagem para a Serra gaúcha. Isso porque a rede hoteleira, que registra quase 80% de ocupação neste feriado de Finados, não teve movimentação de cancelamentos de reservas e nem reclamações sobre o passaporte vacinal.
— As desistências são mínimas, não são representativas. A região como um todo tem diversas atrações que tornam a programação interessante mesmo para quem não esteja mais disposto a visitar o Natal Luz — destaca.
Souza entende que o passaporte vacinal é positivo, mas que deveria ser melhor regrado. Ele afirma que a medida não deveria ter sido aplicada para eventos que já tinham ingressos vendidos antes do decreto, como é o caso do Natal Luz.
— A regra mudou no meio do jogo. Entendo os cancelamentos, mas poderiam ter sido evitados — afirma.
Passaporte é "medida questionável", diz secretário da Saúde de Gramado
Gramado comemora desde a última quinta-feira (28) um fato a ser celebrado: o município da Região das Hortênsias não conta com nenhum morador internado por conta da covid-19, tanto na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) especializada como em enfermarias. De acordo com o secretário municipal de Saúde do município, Jeferson Willian Moschen, o fato se deve aos protocolos sanitários e ao avanço da vacinação.
Mesmo assim, Moschen não concorda com a exigência do passaporte vacinal como medida de segurança para incentivar a vacinação e continuar mantendo os hospitais sem pessoas com complicações da doença.
— Exigir que somente o público vacinado frequente os espaços é uma medida questionável. Nosso entendimento é que deveria permitir a apresentação de um teste negativo para covid-19 como um dos elementos que garantissem a entrada das pessoas nos parques e eventos. Não acho que as pessoas, sejam elas por questões religiosas ou de saúde, tenham que ser obrigadas a se vacinar — afirma.
Passaporte busca permitir circulação com mais segurança
De acordo com Anelise Kirsch, infectologista do Controle de Infecção Municipal da Secretaria Municipal da Saúde de Caxias do Sul, a vacinação é uma das mais importantes ferramentas para controlar a covid-19. Ao ser utilizada como instrumento que permita o acesso da população aos locais de entretenimento, a infectologista entende que a medida permita que mais pessoas procurem os postos de vacinação, gerando mais proteção para a comunidade.
— Eventos como o Natal Luz e tantos outros de entretenimento mexem com o emotivo das pessoas, que acabam esquecendo da máscara, do álcool gel e do distanciamento adequado, por exemplo. O que todo mundo queria era vacina para relaxar, mas para isso é preciso ser justo. Se eu escolho ser vacinada, para participar de um evento, é aceitável que as mesmas pessoas que estejam do meu lado também estejam imunizadas — destaca.
Segundo ela, as vacinas aplicadas no país contribuem para diminuir a chance de desenvolver casos graves da doença, evitando a lotação em hospitais e menos mortes, mas não inibem a possibilidade de contrair o vírus. Mesmo assim, são instrumentos que permitem o controle da doença.
— A vacina impede que as pessoas transmitam mais o vírus porque ajuda a diminuir a carga viral nas vias áreas superiores. E também diminui a chance dessa pessoa internar e vir a óbito. É uma proteção adicional para todos — salienta.
De acordo com o governo do Estado, o passaporte vacinal foi criado como uma forma de garantir que as pessoas possam circular com mais segurança e permitir a realização de eventos.